Em 17 de outubro de 2019 uma operação da Polícia Federal (PF) revelou os detalhes da atuação de uma empresa gaúcha no mercado de moedas virtuais responsável por movimentações bilionárias em 14 países. Com sede em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, a Unick Forex teria atraído 1 milhão de clientes com a promessa de lucro de 100% sobre o valor investido em até seis meses. Na época, eram 740 mil cadastros ativos em todo Brasil. Sem a autorização de instituições que regulam o mercado financeiro, a empresa, segundo a investigação, atuava como pirâmide financeira, quando os novos investidores financiam aqueles que estão no topo do esquema. Um ano depois da ofensiva, os nove detidos na operação saíram da prisão e nenhum cliente da Unick foi ressarcido.
O inquérito da PF e a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), aos quais GZH teve acesso em novembro do ano passado, dão conta de que a empresa movimentou R$ 28 bilhões e deve R$ 12 bilhões aos clientes. Todos os , entre ex-diretores e advogados ligados à Unick, que respondem ao processo na Justiça Federal estão em liberdade. Entre eles Leidimar Bernardo Lopes que, segundo a PF e o MPF, apresentava-se aos clientes como fundador e CEO da Unick.
A ação está na fase de instrução e julga os crimes de organização criminosa, funcionamento de instituição financeira sem autorização legal, emissão, oferecimento e negociação de títulos ou valores mobiliários sem autorização legal e lavagem de dinheiro. As primeiras audiências estão agendadas para os dias 23 e 24 de fevereiro de 2021, quando serão ouvidas as testemunhas de acusação. Os trabalhos estão sob o comando da juíza Karine da Silva Cordeiro.
O modo de operação da Unick foi o maior esquema envolvendo criptomoedas já investigado pela Polícia Federal no Rio Grande do Sul segundo o responsável por comandar a apuração, delegado Aldronei Pacheco Rodrigues, da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros da PF. Os números envolvendo a Unick são tão superlativos que a PF segue os valores movimentados pela empresa. As mídias e documentos apreendidos em outubro de 2019 também estão sendo analisados por cinco agentes dedicados a elaboração de um relatório complementar que será anexado ao processo da Justiça Federal.
— Na fase ostensiva da operação apreendemos muita coisa que ainda está sendo analisada. Mídia, documentos, imóveis. Naquele momento, fiz um relatório de 400 páginas, como tinha réus presos, tínhamos prazo para entregar. Agora estamos trabalhando em um outro complementar. Tem muita coisa que era criptografada. Pegamos todo material do servidor de rede da Unick. E ainda temos providências sendo tomadas, pedidos de busca e apreensão e sequestro de bens. Devo conseguir terminar no começo do ano que vem. É muito material para fazer depuração, análise profunda, relacionar com o temos da fase anterior da investigação e identificar o que há de crime — explica o delegado.
O universo de clientes era muito grande e muito do dinheiro se dissipou, isso é da natureza da moeda virtual, a volatilidade. Tudo que foi apreendido não é suficiente para ressarci-los. Frente a movimentação deles, não houve apreensão suficiente ao que se entende que seja o prejuízo das pessoas.
ALDRONEI PACHECO RODRIGUES
Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros da PF
Parte dos bens apreendidos pela Polícia Federal – durante a operação e depois – já começou a ser leiloado. A Justiça Federal não informa quantos já foram vendidos. Em agosto, foi agendada uma tentativa de venda de oito dos 48 veículos apreendidos, avaliados em R$ 1,2 milhão. Questionada por GZH, a 7ª Vara Federal de Porto Alegre não revela se houve êxito nas vendas. Entre os veículos de luxo ofertados estavam um Porsche Panamera Turbo ano 2011/2012, avaliado em R$ 373 mil, um BMW X6 ano 2014, avaliado em R$ 224,5 mil, e duas caminhonetes Amarok avaliadas em R$ 168 mil e R$ 155 mil.
Os valores dos bens sequestrados ficam em conta de depósitos judiciais em nome dos investigados e só são destinados em caso de condenação penal definitiva – quando não cabe mais recurso – podendo ser revertidos em favor das vítimas ou da União. Mesmo com as expressivas apreensões feitas pela PF durante a operação – desde veículos de luxo até apartamentos, terrenos e dinheiro em espécie – a quantia dificilmente alcançará o prejuízo total dos clientes.
— Recebemos e-mail de gente da Venezuela pedindo restituição de valores. Seguidamente chega algum novo contato. Segue havendo apreensões de bens, mas é difícil que todos sejam ressarcidos. O universo de clientes era muito grande e muito do dinheiro se dissipou, isso é da natureza da moeda virtual, a volatilidade. Tudo que foi apreendido não é suficiente para ressarci-los. Tenho certeza que não ressarce nem uma ínfima parte. Frente a movimentação deles, não houve apreensão suficiente ao que se entende que seja o prejuízo das pessoas. Acreditamos que uma grande parte tenha ficado em moeda virtual no exterior — afirma o Rodrigues.
Advogado da Associação de Defesa dos Direitos dos Investidores da Unick Forex, Demetrius Barreto, de Porto Alegre, acredita que os R$ 257 milhões em bens e dinheiro já apreendidos seriam suficientes para cobrir parte do prejuízo dos 400 integrantes da entidade. A primeira estratégia para tentar reaver os valores foi tentar ingressar como assistente de acusação no processo criminal, mas o pedido foi negado em primeira e segunda instância pela Justiça Federal. Isso acaba por dificultar a possibilidade da entidade requerer que a condenação estabeleça que os valores apreendidos retornem aos investidores da Unick. Após as negativas, Barreto pretende entrar com ação coletiva na esfera cível com pedido de liminar para que os recursos apreendidos sejam reservados para a associação.
— O que nos causa uma indignação muito grande é o cerceamento dos direitos dos investidores de ingressarem no processo para fazer justiça. Uma consequência natural da pena, na eventual condenação, é aplicar o confisco dos bens para a União já que o MPF entende que o único sujeito passivo de ressarcimento é o sistema financeiro nacional. Os clientes primeiro perderam dinheiro para Unick e, se isso acontecer, perderão para União. Essa é a principal revolta de todos eles.
Investidora carioca perdeu R$ 400 mil
Uma carioca aposentada, que falou com GZH na condição de anonimato, perdeu as economias de uma vida ao investir na Unick. Pouco antes de comprar o apartamento para a filha no Rio de Janeiro, em março de 2019, o marido decidiu aplicar R$ 400 mil – que seriam usados no pagamento do imóvel – na empresa gaúcha por indicação de uma amigo, que vinha ganhando dinheiro há um ano com aplicações de valores bem inferiores ao que o casal aplicou.
— Estávamos procurando imóvel, veio a Unick e ele encheu o olho. Pesquisei sobre a Unick antes, vi que era pirâmide, pedi para ele não fazer isso, mas não quis me ouvir. Achava que daria muito dinheiro. Três meses antes da operação da PF nós já não estávamos recebendo mais nenhum rendimento.
A Unick era uma ilusão. Nosso plano foi por água baixo, juntamos esse valor desde que nos casamos.
EX-CLIENTE DA UNICK
Prefere não se identificar
Na avaliação da carioca, o esquema da Unick induz os clientes a reinvestirem os lucros na própria empresa. O casal vive hoje com a aposentadoria dela. O marido está desempregado:
— Fiquei doente por causa disso, brigamos muito, mandei ele embora e por pouco não nos separamos. A Unick era uma ilusão. Nosso plano foi por água baixo, juntamos esse valor desde que nos casamos. Ninguém reúne essa quantia da noite para o dia.
Em Arroio do Meio, no Vale do Taquari, um gaúcho de 51 anos também foi atraído pela promessa de altos lucros da Unick. No final de 2018, foi apresentado por um amigo a um dos líderes da Unick. Desconfiou da oferta. Ao ir em outras reuniões e ver que o negócio envolvia advogados que se diziam especialistas em moeda virtual, decidiu investir R$ 100. O rendimento aconteceu.
— O negócio começou a estourar, todo mundo só falava disso, reuniões em tudo o que era lugar. Imaginei que em um ano ou dois, teria uma grana boa. Apresentei para os meus amigos, por sorte, nenhum deles quis — recorda.
Empolgado, decidiu vender um trator e outros implementos agrícolas para aplicar da Unick. Investiu R$ 21 mil em junho de 2020 esperando um rendimento de R$ 800 a R$ 1 mil por mês. Sonhava em construir uma fruteira. Dias depois, o site travou.
— Nunca mais consegui retirar o dinheiro, ali percebi que o negócio era uma fria. Uma conhecida fez financiamento de R$ 24 mil para entrar na Unick.
O restaurante em que trabalhava como garçom fechou durante a pandemia e ele ficou sem emprego fixo. A salvação veio da venda de vacas leiteiras e de bicos como pedreiro. Ele e a esposa mantém o sonho de abrir a própria fruteira que esperam poder inaugurar em dois anos:
— A decepção foi muito grande, difícil de descrever. Confiamos, eles passavam credibilidade, eram carismáticos, persuasivos. Tinham endereço fixo, isso foi dando crédito. Me senti um idiota, um bobo. Perdi toda confiança no ser humano.
Contraponto
O advogado Tomas Antônio Gonzaga afirmou que "a defesa técnica, em respeito a todos os envolvidos, destaca a importância do senhor Leidimar Bernardo Lopes se manifestar apenas em juízo, ressaltando que ainda há uma investigação criminal em curso."