Depois da sanção, em dezembro de 2022, o marco legal dos criptoativos entrou em vigor no último dia 20. A lei 14.478/22 traz normas para esse mercado no Brasil, definindo o Banco Central como principal regulador — a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mantém competência para regular ativos digitais relacionados a papéis e títulos e define punições contra fraudes nessas operações.
Para ajudar a entender o alcance e os limites das regras, a coluna ouviu Thamilla Talarico, sócia-líder de blockchain e ativos digitais da EY Brasil. Ela detalha que criptoativos são representações digitais de direitos e valores, que vão de criptomoedas, como bitcoin e ethereum, a outros ativos, como stablecoins e NFTs.
— O marco disciplina e regula as instituições que emitem, oferecem, trocam e negociam esses ativos e também define penas, pois o avanço do marco legal está relacionado a casos gravíssimos de pirâmides financeiras e fraudes que vimos acontecer nos últimos anos com criptoativos — diz Thamilla.
Uma das previsões do marco é uma alteração no artigo 171 (sim, aquele do estelionato) do Código Penal para prever o crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros, com pena prevista de reclusão por quatro a oito anos e multa. A nova legislação também fez alterações na Lei nº 7.492/86, que define crimes contra o sistema financeiro nacional, e a Lei nº 9.613/98, que dispõe sobre lavagem de dinheiro, para incluir as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de suas disposições.
— O marco vem para dar mais transparência e segurança jurídica tanto para quem consume ativos digitais como quem, como instituição, empreende nesse universo e oferta esse tipo de produto e serviço. Objetiva também gerar maior confiança, dissociando um pouco essa visão relacionada a crimes, fraudes e pirâmides financeiras ligada aos ativos digitais que algumas pessoas têm — acrescenta a executiva.
Thamilla ressalva que o marco deixou uma lacuna: faltou a regulação em relação à segregação patrimonial, dispositivo jurídico que separa os ativos das operadoras e dos clientes:
— Alguns escândalos, inclusive o que levou à quebra da FTX nos Estados Unidos, ocorreram por ausência de segregação patrimonial. Eles pegavam o patrimônio do cliente e investiam em outros empreendimentos, sem que o cliente soubesse. Se havia algum tremor no mercado, e os clientes queriam retirar recursos, não conseguiam, pois haviam sido sados em outras situações. A segregação patrimonial precisa ser destacada nesse âmbito, e há discussão prevendo lei complementar para esse tópico.
Apesar da ressalva, Thamilla considera positiva a regulação. Destaca que os Estados Unidos ainda patinam para ter uma legislação uniforme em todo o país, e que o Brasil, com o novo marco legal de criptoativos, torna-se uma referência mundial em ambiente regulatório nesse tema.
— Recentemente, a Europa aprovou o MiCA (Markets in Cryptoassets), a grande referência para legislação de ativos digitais. Agora, o Brasil se torna a principal referência na América Latina. Somos considerados um mercado muito aquecido para criptoativos, e ter essa lei agora é a cereja do bolo para todo mundo olhar para o Brasil com maior atenção e enxergar oportunidades de negócio — reforça.
* Colaborou Mathias Boni