Caso alguém perguntasse o que uma loja de roupas, um pub e uma empresa de equipamentos audiovisuais têm em comum, uma resposta poderia ser que se tratam de estabelecimentos do comércio de Porto Alegre. Tudo certo. Além disso, porém, esses locais fazem parte de um pequeno grupo de negócios da Capital que oferecem a possibilidade de os clientes pagarem com bitcoin, a moeda digital descentralizada mais utilizada no mundo.
Segundo o site Coinmap, que indica estabelecimentos que aceitam criptomoedas no mundo inteiro, em Porto Alegre há pelo menos 11 empresas que já aderiram a esse tipo de pagamento. Contudo, o número total pode ser bem maior, pois GZH constatou que existem outros negócios e até mesmo profissionais autônomos que também aceitam bitcoin, mas que não foram cadastrados nessa ou em outras plataformas de mapeamento.
Os negócios são de segmentos tradicionais da economia, com vendas de produtos e prestação de serviços, mas um ponto que costuma ser comum entre os locais que aceitam bitcoin é a filosofia de aderir a novas tendências, muito mais do que por razões práticas. E apesar de já terem adotado a moeda há alguns anos, os empresários admitem que a adesão dos clientes é baixa, registrando a média de uma única venda anual paga com bitcoin.
Heloisa Hervé, sócia da Aloja Autoral, do ramo do vestuário, conta que quando o estabelecimento foi aberto, em novembro de 2017, se pensou muito na empresa a respeito da nova economia, uma vez que o negócio segue a lógica de colaboração. Nisso, surgiu a ideia de se levar a questão contemporânea para as formas de pagamento, com a aceitação do bitcoin. Ela admite que, no começo, não conhecia a moeda digital e pensava que era algo muito difícil, mas "logo viu o quanto era fácil". Apesar disso, Heloisa conta que apenas quatro clientes já pagaram suas compras dessa forma.
— É inacreditável a quantidade de gente que já entrou aqui questionando como funciona o bitcoin depois de ver o aviso na entrada. Todo mundo se surpreende com o fato de a gente aceitar, pois muita gente tem medo das criptomoedas, como se estivessem falando de algum alienígena — conta.
Para Cristiano Berny, dono da empresa Backup Equipamentos Fotográficos, a adesão ao bitcoin veio como consequência de gostar de acompanhar as notícias relacionadas à modernização dos hábitos sociais. Ele conta que tomou conhecimento da existência da criptomoeda em 2017 e, após descobrir que alguns negócios já aceitavam essa forma de pagamento, resolveu experimentar na própria loja.
— De lá pra cá, cerca de 10 clientes pagaram com bitcoin. O nosso intuito ao aderir a essa forma de pagamento não visa a uma grande adesão, mas sim mostrar que somos uma loja moderna, antenada na evolução dos costumes do consumidor, ainda que esteja muito no início — afirma.
Enquanto isso, para Diego Eduardo Corrêa, sócio do pub Dubh Craft Beers, no BarraShoppingSul, a aceitação do bitcoin como forma de pagamento tem a ver com a filosofia libertária da moeda digital. Ele afirma que é um entusiasta do assunto há alguns anos, e desde 2020 oferece a possibilidade para seus clientes, apesar de ter registrado apenas duas ocasiões em que isso ocorreu. O empresário avalia que, pelo fato de o bitcoin ser divulgado como ativo especulativo, além do pouco conhecimento sobre como o sistema funciona, a moeda acaba assustando as pessoas quando pensam em usá-la para consumo.
— Quem também é entusiasta da moeda fica muito feliz quando vê a plaquinha que diz que aceitamos, mas quem não sabe o que é acaba nos perguntando, ficam curiosos e nós sempre procuramos dar uma explicada em termos gerais. Mas, apesar disso, nesses anos todos nós nunca chegamos a ter rejeição por conta disso — destaca.
Os empresários concordam com a opinião de que, eventualmente, o uso de bitcoin poderá acabar se tornando mais comum entre os consumidores, apesar de que, no momento, seja uma exceção. Por conta da filosofia que baseia suas empresas, nenhum deles disse que pretende desistir de usar a criptomoeda, apesar da pouca procura por essa opção.
Presidente do Sindilojas Porto Alegre, Arcione Piva afirma que a entidade apoia essa forma de pagamento no comércio da Capital, mas chama atenção para que os lojistas tenham cautela com a adesão, mesmo que sejam poucos os clientes que paguem com a moeda. Ele recomenda que os empresários mantenham suas carteiras virtuais de bitcoin seguras, com senhas fortes e que atentem às oscilações diárias na cotação da divisa digital.
— Esse é um caminho sem volta, as criptomoedas vieram para ficar, mas recomendamos cuidado porque o valor do bitcoin pode despencar repentinamente. Exemplo disso é o que aconteceu no início deste ano, quando começou a guerra na Ucrânia e o valor caiu muito — destaca.
Consumo
O bitcoin é considerado a primeira moeda digital mundial descentralizada, ou seja, que não é emitida por nenhum órgão oficial de nenhum país. O artigo descrevendo seu funcionamento foi publicado na internet em 2008 por Satoshi Nakamoto, mas não se sabe quem é ou quais são as pessoas por trás desse pseudônimo. Desde o começo de sua concepção, seu uso é muito aceito por libertários — ideologia que defende a redução do tamanho e do poder do Estado e que todas as movimentações sociais fossem orientadas pelas leis de livre mercado.
Segundo Eduardo Tellechea Cairoli, CEO da empresa de investimentos Privatto Multi Family Office, o fato de o bitcoin ser algo novo traz diversos desafios quando o assunto é uso no comércio. Ele destaca também que o Pix compete diretamente como forma de pagamento.
— Um dos principais desafios do bitcoin no comércio é a oscilação diária no valor, o que deixa tudo muito complexo na hora de fazer qualquer tipo de compra, e isso desestimula o uso, sendo muito semelhante a uma moeda inflacionada. Além disso, temos também o Pix, que é uma forma mais prática de pagar e com características muito semelhantes a uma criptomoeda — opina.
Cairoli explica que o bitcoin é um meio barato para os lojistas de transacionar valores, além de ser uma alternativa para países cujo sistema financeiro tradicional esteja comprometido, como atualmente a Argentina e sua situação inflacionária, e a Ucrânia, que está em guerra. Além disso, sua avaliação é de que, a partir do momento em que forem criados métodos mais acessíveis de utilização, a moeda será mais aceita pelos consumidores.
Produção: Gabriel Mattos