Para contornar os efeitos de quase sete meses de cobrança extra nas contas de luz — em razão da bandeira de escassez hídrica que durou de setembro do ano passado até meados de abril —, as duas principais concessionárias de energia elétrica do Estado colocam em prática ações capazes de reduzir a necessidade de corte do fornecimento em residências por falta de pagamentos. Os efeitos são opostos: enquanto a CEEE Equatorial aumentou em 11,1% a média mensal de interrupção dos serviços por essa razão, a RGE conseguiu reduzir em 40,9% os desligamentos por atraso nas faturas.
Os dados são do portal de indicadores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e comparam 2019 (ano anterior ao da pandemia) e 2021 (últimos números disponíveis para consulta). A reportagem desconsidera 2020, pois de abril a outubro daquele ano, as distribuidoras ficaram impedidas de suspender o fornecimento em função da pandemia.
Entre as medidas implementadas, destacam-se novas alternativas de parcelamento de débitos, modalidades e incentivos à inclusão de clientes na tarifa social, que concede descontos para famílias de baixa renda. Na RGE, por exemplo, conforme explica Cristiano Machado Pires, gerente de relacionamento com o Poder Público, a ampliação dos canais de atendimento levou a um índice de 89% na digitalização dos serviços, em 33 diferentes canais disponibilizados aos clientes.
No mesmo embalo, comenta o executivo, do total arrecadado com os pagamentos, 15% já é originado nas transferências pix. Outros 45% são efetuados nos cartões de crédito. Parcelamentos de dívidas, agora, também podem ser realizados em 12 vezes, com flexibilidade para a negociação do valor de entrada.
O resultado: a empresa, que atua em 381 cidades, o equivalente a 65% dos municípios gaúchos, com 3 milhões de unidades consumidoras (UCs), mantinha média de 50,2 mil cortes mensais por inadimplência, em 2019. No ano passado, reduziu quase pela metade os desligamentos por débitos acumulados. Com 29,6 mil cortes, na média, foram cerca de 20,5 mil interrupções do serviço a menos ao longo do período.
— Trabalhamos em duas linhas, a flexibilização dos pagamentos, com novas modalidades, e a ampliação dos canais digitais. Tudo que possa ser feito para evitar os transtornos com a suspensão do fornecimento dever ser feito — analisa Pires.
Efeito inflação
No ano passado, em razão da cobrança-extra estabelecida pela bandeira de escassez hídrica, a inflação medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a energia elétrica teve alta de 21,21% no país. Na Grande Porto Alegre, principal fatia da CEEE Equatorial, que atua em 72 municípios também nas regiões Sul, Campanha e Litoral, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do setor ficou ainda mais elevado: bateu em 26,79% em igual período.
Essa é uma das razões apontadas para o aumento da inadimplência na área de concessão que abrange 1,8 milhão de UCs. Em 2019, a média de cortes por esse motivo era de 32,4 mil ao mês. Em 2021, passou a 36,1 mil desligamentos. Sérgio Oliveira, superintendente Comercial da CEEE Grupo Equatorial, afirma que para barrar o avanço, medidas como a alteração nos juros, antes da privatização (efetivada em julho de 2021) de 1% ao mês, mais a variação anualizada do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), que ocasionava contratos com taxas de 3% ou 4% ao mês, foram substituídas por um percentual fixo de 1% ao mês nos financiamentos. Para acessar a renegociação, é preciso dar 15% do valor total da dívida como entrada.
— Hoje, sob a gestão da Equatorial, há uma política de renegociação de débitos que é muito mais flexível do que a do que na CEEE estatal. O que algumas pessoas podem perceber é que, assim como nas demais áreas, como emergência, atendimento comercial, a nossa capacidade operacional também foi ampliada nas cobranças — argumenta.
Foi o que aconteceu com o autônomo Rafael Belmontt, 32 anos, morador do bairro Cavalhada, na zona sul da Capital. Ele reside com a mãe, que sofre de glaucoma (doença ocular) e demanda mais consumo de energia, em razão da dificuldade de visão.
Por isso, revela que já possui parcelas mensais de R$ 79 para quitar uma dívida junto à CEEE em 10 vezes. No início de julho, entretanto, Belmontt se disse surpreendido com uma fatura de R$ 353, bastante acima da média de R$ 120 ao mês a que estava acostumado. O fato, conta, acabou gerando a impossibilidade do pagamento e a interrupção do serviço, por dois dias, antes do recebimento do reaviso de débito na fatura de agosto, diz.
Antes do corte, aviso
O diretor-executivo do Procon-RS Rainer Grigolo comenta que, assim como Rafael Belmontt, é bastante comum as pessoas pensarem que o desligamento só é possível com duas faturas em atraso. No entanto, não é o que diz a Resolução n° 1000 da Aneel, que consolidou as normas sobre deveres e direitos dos consumidores de energia elétrica. O artigo 356, por exemplo, estabelece as regras de suspensão do fornecimento (veja no quadro abaixo).
Nesse caso, as distribuidoras podem adotar padrões próprios, desde que respeitem prazo de 15 dias entre o aviso entregue, por escrito, aos usuários e a efetivação da interrupção do fornecimento. Segundo Gringolo, apesar do aumento percentual em uma das companhias do Estado, não há elevação em reclamatórias por descumprimentos desse tipo de conduta no órgão.
A mesma situação é verificada no Procon de Porto Alegre, onde o departamento de fiscalização informa a inexistência de denúncias por descumprimento de padrões para o desligamento de energia elétrica. A dica, todavia, é ficar atento aos procedimentos, que são diferentes para aquelas UCs classificadas como “baixa renda”.
Por essa razão, outra aposta das distribuidoras para reduzir os cortes por inadimplência é ampliar a inclusão de pessoas na chamada tarifa social. O programa concede descontos de até 65% na conta de luz para famílias inscritas nos programas sociais do governo federal, indígenas e quilombolas.
Na CEE Equatorial, em 12 meses, de agosto passado, até o momento, a quantidade de clientes nessa categoria subiu 50%, passando de 107 mil há um ano para 162,987 mil consumidores, agora. O universo corresponde a 9% da base de UCs da empresa e a projeção é de que mais 177 mil ainda possam garantir o benefício.
A RGE, por sua vez, conta com 258,8 mil cadastros ativos. Estimativas da companhia apontam que o número pode chegar a cerca de 448 mil clientes, ou seja, o potencial supera os 70% de aumento. O objetivo, diz a empresa, é ampliar o contingente, uma vez que os descontos oferecidos podem ser grandes aliados em situações de dificuldades financeiras.