Em vez do crescimento em V da economia previsto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em alusão a uma queda seguida de recuperação vertiginosa, nos últimos meses os brasileiros testemunharam a disparada dos índices de preço ao consumidor e a volta da antiga sensação de que o dinheiro no bolso vale um pouco menos a cada dia. A queda de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre deixou o país em situação de recessão técnica — quando há dois trimestres com resultado negativo — e lançou uma nuvem de preocupação para 2022.
Domada havia vários anos, quando o país se habitou a decorar o valor dos produtos nas prateleiras, a inflação voltou a atacar como uma fera recém-saída da jaula. Faminta, se lançou sobre o custo dos alimentos, da energia elétrica, dos combustíveis.
A pressão inflacionária, impulsionada pela retomada de atividades depois do período mais crítico da pandemia, não foi exclusividade brasileira. Mas o país figurou entre as nações com as taxas mais elevadas — um levantamento entre as principais economias mundiais apontou o Brasil em terceiro lugar no ranking de elevação do custo de vida, com 10,25% acumulados em 12 meses até setembro, atrás da Argentina, com 52,5%, e da Turquia (19,9%).
No país, o encarecimento de produtos e serviços foi insuflado ainda mais por fatores como o câmbio desfavorável, instabilidades políticas, indefinições sobre o orçamento público e o salto dos custos de energia e combustível, que têm um efeito multiplicador sobre toda a cadeia econômica. O resultado pôde ser visto a cada produto ou serviço comprado.
A expectativa do mercado é de que a fera inflacionária cresça ao redor de 10% entre janeiro e dezembro de 2021 e amanse um pouco no ano que vem, com previsão de algo ao redor de 5%. Mas os prognósticos indicam que os próximos meses seguirão desafiadores em relação ao cenário geral da economia com desemprego alto, juros em elevação e baixos níveis de investimento público ou privado.
O professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Maurício Andrade Weiss lembra que a expectativa é de um crescimento muito pequeno do PIB no ano que vem. O relatório Focus (que traduz expectativas do mercado) de 6 de dezembro apresentava uma projeção de apenas 0,51% acima de 2021, por exemplo.
— A perspectiva é complicada. A taxa de câmbio pode deteriorar ainda mais, não temos mais o mesmo ritmo de recuperação no preço das commodities (produtos básicos muito exportados pelo Brasil), e o crescimento no consumo das famílias, que vinha puxando o PIB, deve arrefecer — analisa Weiss.
O professor da UFRGS lembra que o nível de investimento público, um dos fatores capazes de emprestar algum fôlego à economia, deve ser bem menor no ano que vem em comparação aos últimos dois anos:
— Em 2020, por conta da pandemia, os gastos públicos para estímulo econômico resultaram em 10% de déficit primário. Esse número deve ficar em 2% neste ano e, em 2021, em 1%. Só os gastos com covid deverão cair de R$ 524 bilhões, em 2020, para R$ 135,9 bilhões no ano que vem.
Pelo lado mais otimista, o avanço da vacinação sobre o coronavírus reduziu o impacto da pandemia. Mas ainda faltam remédios tão eficientes quanto os imunizantes para a saúde financeira do país e de sua população para 2022.
A inflação por setor (variação acumulada do IPCA em 12 meses até novembro)
- Alimentação e bebidas: 8,90%
- Habitação: 15,45%
- Artigos de residência: 12,49%
- Vestuário: 8,72%
- Transportes: 21,97%
- Saúde e cuidados pessoais: 3,34%
- Despesas pessoais: 4,82%
- Educação: 3,26%
- Comunicação: 1,44%
- Índice geral: 10,74%