Por tradição, o 7 de Setembro dá lugar a celebrações institucionais, desfiles protocolares e até a uma certa indiferença de parte da população mais interessada em aproveitar a folga do feriado. Não neste ano. O mais recente Dia da Independência colocou em xeque os fundamentos da democracia, levantou temores de tumultos generalizados e ainda lança dúvidas sobre possíveis desdobramentos para o ano que vem da intentona bolsonarista que levou milhares de pessoas às ruas com faixas contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O temor de uma tentativa de golpe em favor do atual presidente da República começou a ser alimentado pela prévia invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro. Militantes favoráveis ao ex-presidente norte-americano Donald Trump não aceitaram a derrota nas urnas e tomaram o parlamento à força. O movimento fracassou, mas foi o suficiente para deixar no ar, como gás lacrimogêneo, a incômoda sensação de que poderia inspirar iniciativas semelhantes em solo brasileiro.
Após a tentativa malsucedida nos EUA, que resultou em cinco mortos, grupos de militantes passaram a articular manifestações populares de apoio a Jair Bolsonaro para setembro. Organizados principalmente por meio de redes sociais, os protestos logo foram percebidos como um risco de ruptura democrática. Um dos motivos para isso é o fato de Bolsonaro ter dado declarações que muitos cientistas políticos interpretaram como um pedido nem tão velado de apoio popular à centralização de poder.
— Creio que chegou a hora de nós, no dia 7, nos tornarmos independentes pra valer — discursou o presidente alguns dias antes da data.
Bolsonaro mantinha aberta uma frente de batalha contra o STF. O adversário preferencial era o ministro Alexandre de Moraes, responsável por inquéritos que incomodam o Palácio do Planalto como o das fake news e das milícias digitais.
— Setores golpistas em torno do presidente tentaram tomar o poder de forma ditatorial. Não de forma direta, com tanques na rua, mas a luta contra o STF teve como objetivo obter o poder. O que houve é que a mobilização não foi suficiente para abalar outras forças e instituições — analisa o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Gustavo Grohmann.
Há também avaliações de que o presidente pode ter apenas tentado aumentar seu capital político para desestimular Congresso e STF a tomarem medidas contrárias a seus interesses ou testar o nível de adesão popular a uma tentativa posterior, melhor organizada, de cristalização no poder.
Setores golpistas em torno do presidente tentaram tomar o poder de forma ditatorial. (...) O que houve é que a mobilização não foi suficiente para abalar outras forças e instituições.
GUSTAVO GROHMANN
Cientista político e professor da UFRGS
Quaisquer que fossem as reais intenções por trás do 7 de Setembro bolsonarista, a democracia brasileira resistiu. A questão, agora, é saber se as eleições do ano que vem vão transcorrer sem novas ameaças. Além das convocações de apoiadores às ruas, o presidente dedicou boa parte de seu tempo em 2021 a desacreditar a segurança das urnas eletrônicas. Após o aprofundamento da crise com o STF, o discurso foi deixado de lado.
Na avaliação de Grohmann, a frustração de quem esperava ver um golpe de Estado no Dia da Independência e a popularidade em baixa do presidente criam um ambiente menos favorável a novos cercos à democracia. Em vez da democracia, foi o índice de aprovação do governo que caiu. Pesquisa Atlas do final de novembro mostrou, pela primeira vez, menos de 20% da avaliação de Bolsonaro nos níveis bom ou ótimo.
— Nos setores político e econômico, não há um consenso em torno do nome de Bolsonaro ou do ministro Paulo Guedes (Economia). Houve um enveredamento a políticas fisiológicas. Além disso, a postura diante da pandemia o afastou de muitos apoiadores, e o nível de rejeição está elevado. Política é muito dinâmica, mas, se tudo der certo, no ano que vem teremos um governo constituído a partir das urnas — prevê o cientista político.