O futuro da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D) começou a ser definido na manhã desta quarta-feira (31). Em leilão de privatização de menos de 15 minutos, a Equatorial Energia arrematou a estatal gaúcha, que está mergulhada em uma dívida bilionária. A empresa compradora não teve concorrentes: foi a única a apresentar oferta pela CEEE-D.
O leilão ocorreu na B3, a bolsa de valores brasileira, sediada em São Paulo. A venda de ações teve preço mínimo de caráter simbólico, fixado em R$ 50 mil. O lance da Equatorial foi superior, de R$ 100 mil.
A questão é que a nova acionista deverá pagar parte da dívida da CEEE-D, incluindo atrasos de ICMS, além de fazer investimentos para melhoria de indicadores financeiros e de qualidade de serviço. A Equatorial já atua no ramo de distribuição de energia no país, com operações no Norte e no Nordeste.
A parcela referente ao ICMS que ficará com a companhia é de cerca de R$ 1,7 bilhão. Essa dívida poderá ser quitada em até 15 anos.
Além disso, a Equatorial também terá o dever imediato de recolher o imposto que será gerado a partir da troca de controle da CEEE-D. A quantia é de cerca de R$ 1,3 bilhão por ano, conforme o atual presidente do Grupo CEEE, Marco Soligo.
As ações leiloadas representam 65,87% do capital social da companhia gaúcha. Segundo o governador Eduardo Leite, que acompanhou o leilão em São Paulo, a transferência de controle deve ocorrer entre 60 e 90 dias.
Em discurso após a sessão, Leite comemorou o resultado e disse que o Estado "não para por aqui" em seu programa de concessões e privatizações. O governador destacou que a Equatorial deverá investir para recuperar indicadores da CEEE-D.
— O que foi adquirido com R$ 100 mil é um conjunto de obrigações. A companhia (Equatorial) está ofertando R$ 100 mil para levar consigo uma série de obrigações, de passivos, além de todo o compromisso de investimentos para o atingimento das metas estabelecidas no contrato de concessão. Isso precisa estar claro — disse Leite. — É com a parceria com o setor privado, através de privatizações, concessões, que conseguimos alavancar investimentos — acrescentou.
A CEEE-D é o braço de distribuição de energia do Grupo CEEE. Ou seja, tem a tarefa de levar a eletricidade até os endereços de clientes residenciais e corporativos.
Nessa área, também há outra empresa atuando no Estado, a RGE, além de cooperativas de menor porte. Analistas de mercado esperavam que a CPFL, dona da RGE, também participasse da disputa pela CEEE-D, o que não ocorreu.
A estatal arrematada pela Equatorial atende a cerca de 1,6 milhão de unidades consumidoras em 72 municípios. Os clientes estão localizados na Grande Porto Alegre e nas regiões Sul, Campanha e Litoral.
O que esperar do novo dono da CEEE-D
Leia a coluna completa
Compradora da CEEE pode se interessar também pela Corsan, cogitam investidores
Leia a coluna completa
A dívida total da CEEE-D é projetada em cerca de R$ 7 bilhões. O maior peso vem dos atrasos de ICMS. Os débitos relacionados ao imposto devem chegar a R$ 4,4 bilhões em abril. Segundo o governo estadual, a operação foi desenhada com uma espécie de perdão parcial da dívida para garantir o preço mínimo das ações.
Ao anunciar a venda, o Piratini relatou que a CEEE-D não teria condições de fazer os investimentos necessários para a melhoria de indicadores financeiros e de qualidade de serviço. Assim, a estatal correria risco de perder a concessão.
Na semana passada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) chegou a abrir processo de caducidade do contrato da companhia. A Equatorial informou, após o leilão, que esse processo será interrompido com a troca de comando da distribuidora:
— É um prazer para a gente. O Rio Grande do Sul é um Estado que promete muito. Prometemos trabalhar diuturnamente para fazer os investimentos prudentes e necessários para melhorar a qualidade — comentou o CEO da Equatorial, Augusto Miranda.
A privatização, contudo, encontrou resistência no Estado. Às vésperas do leilão, grupos contrários à venda conseguiram, em duas ocasiões, liminares favoráveis à suspensão do processo. As decisões foram revertidas na sequência, permitindo a disputa desta quarta-feira.
O histórico da CEEE
1943 – É criada a Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE), então subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas
1952 – A CEEE é transformada em autarquia – tipo de instituição pública que reúne poder sobre setor específico
1961 – Lei estadual, no governo Leonel Brizola, transforma a autarquia em sociedade por ações, denominada Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). À época, a lei estipulou que os servidores da antiga autarquia passariam a ser empregados da CEEE. Ex-autárquicos tiveram preservados direitos como o de ganhar, na inatividade, igual valor pago ao pessoal da ativa – a CEEE teria de completar o valor do benefício
1963 – A companhia vira sociedade de economia mista (ações da estatal são compartilhadas entre Estado e mercado, mas o poder público é o maior detentor dos papéis com direito a voto)
1981 – O custo com ex-autárquicos deixa de ser reconhecido na tarifa de luz pelo órgão regulador do setor. Os gastos, então, passam a gerar grande impacto no caixa da empresa ao longo dos anos
1997 – Leilão no governo Antônio Britto privatiza dois terços da companhia, dando origem à RGE e à AES Sul, hoje unificadas. À época, foram arrecadados R$ 3,14 bilhões. Operação reforçou o caixa do Piratini, com possíveis vantagens no atendimento ao consumidor, mas encolheu a capacidade de geração de receitas da CEEE, que também herdou o passivo do grupo
2006 – É criada a holding CEEE-Participações. Na prática, funciona como controladora da CEEE-D, que faz a distribuição de energia, e da CEEE-GT, que atua na geração e na transmissão de eletricidade
2015 – A concessão da companhia é renovada por 30 anos, com cláusulas de desempenho financeiro e de qualidade de serviço. Dificuldades de caixa ameaçam futuro da CEEE-D
2019 – Assembleia Legislativa autoriza a privatização
2020 – Edital da venda é publicado
2021 – Em março, Aneel abre processo de caducidade da concessão da companhia. CEEE-D vai a leilão em 31 de março, e é comprada pela Equatorial Energia