O avanço do coronavírus fora da China, com os primeiros casos de mortes confirmadas na Itália e no Irã e a paralisação da fábrica da Samsung na Coreia do Sul devido à confirmação de um caso de infecção, elevou a tensão na economia global nesta segunda-feira (24). Os principais índices das bolsas de valores na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos despencaram até 5,4%. No Brasil, a bolsa de valores de São Paulo, a B3, não teve pregão devido ao Carnaval e só retomará as negociações na quarta-feira (26).
O cenário de incertezas já impacta o fluxo comercial de empresas brasileiras com o país asiático, faz com que muitas companhias revejam suas estratégias e pode fazer com que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil fique abaixo de 2% no ano. No início de 2020, o relatório Focus do Banco Central, elaborado a partir de projeções de analistas de mercado, previa expansão de 2,3%. Professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA/USP), Simão Silber ressalta que por trás desses movimentos está a desaceleração da atividade econômica na China em razão da doença.
- O maior impacto do coronavírus é em cima do nosso maior freguês, a China, que responde por quase 30% da exportação brasileira. O cenário externo adverso vai se refletir no PIB. Não chega a comprometer o crescimento, mas acredito que dificilmente o Brasil cresça acima de 2% neste ano - avalia.
Em janeiro de 2020, as exportações do Brasil para a China totalizaram US$ 3,5 bilhões, queda de 8,8% em relação ao primeiro mês de 2019. As importações se mantiveram estáveis em US$ 5,1 bilhões. No Rio Grande do Sul, as vendas para o país asiático totalizaram US$ 125,1 milhões, redução de 66,3% frente a igual período do ano passado. Já as compras gaúchas atingiram US$ 95,1 milhões, recuo de 11,7%. Silber pontua que a queda nos embarques para a Ásia é influenciada pelo coronavírus, mas principalmente pelo acordo comercial entre chineses e norte-americanos, que tende a reduzir os negócios envolvendo produtos básicos brasileiros, como a soja.
Negócios paralisados
A situação também vem impactando a prospecção de novos negócios entre chineses e brasileiros. O presidente da Câmara Brasil-China, Charles Tang, relata que a entidade teve de cancelar missões empresariais e a participação em feiras na Ásia recentemente. A vinda de executivos chineses ao Brasil também ficou comprometida e postergou possíveis investimentos no país.
- Em vários setores, as fábricas no Brasil estão desacelerando ou não podem continuar fabricando por falta de peças vindas da China. E a China vem reduzindo a importação de soja e de carnes do Brasil, por causa do acordo com os Estados Unidos e também pela queda no consumo - reforça Tang.
Entre as empresas brasileiras dependentes de insumos obtidos no mercado chinês, o clima é de apreensão. Um dos setores mais impactados é o eletroeletrônico, que importa quase metade dos componentes da China e enfrenta desabastecimento de matéria-prima.
- Em fevereiro, algumas empresas estão com até 20% do faturamento comprometido e não conseguem entregar pedidos. Para março, nossa preocupação é muito grande - comenta Régis Haubert, diretor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) no Rio Grande do Sul.
O dirigente diz que, no Estado, já há empresas que reduziram a jornada de trabalho em razão da queda na atividade. Caso a falta de insumos se alongue até a segunda quinzena de março, algumas fábricas gaúchas não descartam a hipótese de entrarem em férias coletivas.
Impacto no turismo
No dia em que as bolsas de valores despencaram em diferentes países, as companhias aéreas tiveram suas ações desvalorizadas de maneira expressiva. A francesa Air France teve queda de 8,68%, a alemã Lufthansa caiu 8,81% e a irlandesa Ryanair recuou 13,79%, por exemplo, sinalizando que o turismo deve ser diretamente afetado pela epidemia de coronavírus.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) no Rio Grande do Sul, João Machado, destaca que ainda é cedo para mensurar o impacto do avanço do coronavírus na procura por pacotes de viagens. No entanto, o dirigente reconhece que o consumidor tende a ficar mais receoso neste momento e pode repensar os planos para as férias.
- Nos próximos dias é possível que haja um freio na procura. É como acontece com relação ao dólar que, quando sobe, as pessoas ficam receosas, mas depois se acostumam e voltam a viajar - compara.
Machado reforça que, no momento, não existe qualquer tipo de restrição para se viajar ao Exterior. No entanto, algumas companhias decidiram cancelar voos para a China e se disponibilizaram a reembolsar os viajantes que haviam adquiridos bilhetes. Já as rotas para a Europa seguem operando normalmente.