O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Charles Tang tinha viagem agendada para a China nos próximos dias. Mas ele não contava com o surto de coronavírus. Devido ao temor provocado pelo problema de saúde, resolveu suspender a visita. Na entrevista a seguir, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China demonstra preocupação com riscos que o vírus traz à economia internacional. Nascido no país asiático, de onde saiu durante a infância, com dois anos de idade, Tang diz ser "meio gaúcho". Radicado no Sudeste, ele costuma vir ao Rio Grande do Sul para passar as festas de final de ano em Bento Gonçalves. Sua esposa é natural do município da Serra.
Qual é o nível de preocupação com prejuízos que o coronavírus pode causar à economia global ao longo dos próximos meses?
Logicamente, o surto de coronavírus preocupa bastante o mundo inteiro. A China é a locomotiva econômica do planeta, o maior parceiro comercial do Brasil. O que afeta a economia chinesa também afeta a brasileira. O surto de coronavírus pode fazer estrago econômico na China, no Brasil e no mundo. Mas o governo chinês está sendo elogiado por sua maneira transparente de lidar com o caso e pelas medidas drásticas que vem tomando. Todas essas ações estão sendo adotadas para salvar vidas.
Quais são os principais riscos do surto para a economia brasileira?
A aliança estratégica entre brasileiros e chineses tinha tudo para aumentar cada vez mais. Agora, o coronavírus está atrapalhando. É lamentável, principalmente, pelas vidas humanas envolvidas. Mas, se olharmos para o passado, em 2003, houve o surto de Sars (doença respiratória) na China. Afetou a economia, mas foi controlado em seis meses. E a China voltou com toda a força. Acho que o governo chinês, construindo hospitais em 10 dias, pode controlar o problema em um período não tão longo. A visita do presidente Jair Bolsonaro a Xi Jinping (em outubro do ano passado) foi muito importante.
Por quê?
Houve boa química entre os dois. Na China, a importância do Brasil cresceu devido à guerra comercial com os Estados Unidos. Sabemos que se trata muito mais de uma competição para impedir o avanço tecnológico e econômico chinês do que uma disputa comercial com os americanos.
A soja é o principal produto vendido pelo Brasil à China. Em 2019, os embarques da mercadoria somaram US$ 20,5 bilhões. Como o coronavírus pode impactar o desempenho do setor agrícola brasileiro?
O setor que sustenta a economia brasileira é o agrícola. É justamente o segmento em que a China se comprometeu a comprar mais dos Estados Unidos, devido à trégua na guerra comercial. Chamo de trégua, e não de acordo, porque as tarifas ainda estão valendo. A economia brasileira e a chinesa são complementares. O Brasil é fornecedor. A China, mercado. Já a relação da economia brasileira com a americana é de competição. Se a China compra mais dos Estados Unidos, fecha menos negócios com o Brasil, e vice-versa. Com isso aliado à desaceleração da economia e à diminuição do consumo provocada pelo coronavírus, acredito que as exportações brasileiras para a China serão um pouco afetadas.
A Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China vem recebendo relatos de empresários sobre transtornos causados pelo coronavírus na rotina de negócios?
Eu viajaria para a China. Chegaria no próximo dia 9, mas posterguei a visita. Empresários brasileiros que iriam comigo também cancelaram. Ninguém quer enfrentar um surto de vírus mortal. Isso também faz a economia chinesa desacelerar. Tem centenas, milhares ou milhões de empresários e executivos do mundo inteiro que estão postergando negócios por causa da situação.
No Brasil, é aguardado apetite chinês por concessões prometidas pelo governo Bolsonaro na área de infraestrutura. O coronavírus também traz riscos ao avanço desses projetos em 2020?
O surto dificulta a saída de empresários e executivos da China. Com restrições de deslocamento, como vão participar de leilões no Brasil? Apesar disso, destaco que houve boa química entre Bolsonaro e Xi Jinping. A China que Bolsonaro tinha na mente não era a que ele viu. Após sua visita, o presidente ficou bastante maravilhado com o país.