Destino favorito dos brasileiros na hora de guardar dinheiro, a poupança está perdendo atratividade. Em 2019, a captação líquida — diferença entre depósitos e saques — ficou em R$ 13,32 bilhões, segundo o Banco Central (BC).
O resultado representa queda de 65% frente a 2018 e é o pior desde 2016, quando, em meio à recessão, o saldo ficou negativo em R$ 40,70 bilhões. De quebra, o juro básico no menor patamar da história do país corrói o rendimento da caderneta, que ficou abaixo da inflação em 2019 e tende a repetir o desempenho em 2020.
A menor remuneração força os investidores a buscarem opções, seja em renda fixa ou variável, e é um dos motivos que levaram à retração na captação líquida em 2019, avalia Miguel Oliveira, diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
O dirigente ainda aponta outros fatores que influenciaram o pior saldo em três anos: a retomada lenta da economia, que deve ter crescido em torno de 1,1% em 2019, e o elevado número de desempregados no país, totalizando 11,9 milhões de pessoas em novembro, segundo o IBGE. Com isso, muitos poupadores acabaram recorrendo às reservas para poderem pagar as despesas do dia a dia.
— A tendência é de que essa queda na captação se acentue a cada ano. Em 2019, só não ficou negativa porque em dezembro o saldo superou R$ 17 bilhões puxado pelo 13º salário e os saques do FGTS — pontua Oliveira.
Hoje, a poupança rende 70% da taxa básica de juro, a Selic, que está em 4,5% ao ano, mais a Taxa Referencial, atualmente zerada. Ficam fora desta regra depósitos feitos até 3 de maio de 2012, que mantiveram remuneração de 0,5% ao mês ou 6,17% anuais.
A caderneta rendeu 4,25% no ano passado, perdendo para a variação de 4,31% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para 2020, com o BC projetando a Selic a 4,5% e o IPCA em 3,6%, a poupança deverá ter rendimento anual de 3,15%, e novamente perderia para a inflação oficial.
Analisando esses números, o advogado porto-alegrense Felipe Querol, 23 anos, decidiu que era hora de buscar outro destino para suas economias. Com experiência prévia em produtos de renda fixa, em 2019 decidiu tirar em torno de R$ 15 mil da poupança para aplicar em ações na bolsa de valores e fundos imobiliários.
— Quando vi o valor aplicado e o quanto rendeu ao longo do tempo, percebi que não tinha por que deixar na poupança. Por isso, comecei a estudar opções, com a ideia de aplicar para garantir a aposentadoria ou então a independência financeira — destaca.
Popularidade
Em 2019, o número de pessoas físicas na bolsa de valores de São Paulo, a B3, chegou a 1,68 milhão, alta de 106% em relação a 2018.
O Tesouro Direto, plataforma usada para a negociação de títulos públicos federais, alcançou a marca de 1,17 milhão de investidores ativos, avanço de 56% até novembro.
Mesmo com a ascensão destas alternativas no Brasil, a poupança ainda reina. Conforme pesquisa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), 88% dos brasileiros com aplicações estão na caderneta. São quase 82 milhões de contas abertas.
— Não há dúvida de que a poupança teve papel importante. Mas as pessoas vão precisar se conscientizar de que ela não será mais eficiente, como no passado, para alcançar objetivos de vida, como comprar um bem ou garantir a aposentadoria — alerta a superintendente de Educação da Anbima, Ana Leoni, que avalia que a migração da população brasileira para outros produtos será gradativa.
Professor da Escola de Negócios da PUCRS, Leandro Rassier salienta que, no futuro, eventual debandada da poupança impactaria as políticas de financiamento à habitação no país. Isso porque 65% dos recursos depositados na caderneta junto aos bancos são usados em operações de crédito imobiliário, seguindo resolução do BC.
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