Após quatro anos consecutivos de diminuição no rebanho bovino, o Rio Grande do Sul começa a viver novo momento na pecuária. A forte demanda por carne, vinda do Exterior, e a melhora da remuneração paga ao produtor pelo gado devolveram atratividade ao setor ao longo de 2019 e vêm servindo de estímulo para a retomada de investimentos na atividade. Em meio a esse contexto, a expectativa é de que 2020 consolide o momento positivo do segmento.
De acordo com levantamento do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o preço do quilo vivo do boi gordo aumentou 40% em 2019. Boa parte do incremento ocorreu no final de 2019, na carona da demanda interna por carnes para as festas de fim de ano e do volume recorde de exportações para a China.
O economista-chefe do Sistema da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz, pondera que a valorização expressiva veio após largo período de queda. E ajuda a recuperar terreno perdido nos anos de crise, quando o consumo de carne foi afetado por escândalos policiais envolvendo o setor, como a Operação Carne Fraca, delação da JBS, e a recessão da economia brasileira. Entre junho de 2016 e setembro de 2018, a arroba teve desvalorização de 18%, enquanto o preço ao consumidor final caiu 2%, segundo estudo do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), com dados compilados pela Farsul.
– A pecuária gaúcha passou de 2016 a 2018 no vermelho. Com o desestímulo, houve redução na área de produção e os grãos ganharam espaço. Em 2019, vemos melhora e, a partir de 2020, devemos ter recuperação da oferta de gado – avalia Luz.
Entre os pecuaristas gaúchos há a sensação de que a maré está favorável, mas ainda assim a cautela impera na hora de investir. Criador de raça braford em fazendas de Itaqui e Uruguaiana, na Fronteira Oeste, Glauco Monteiro tem aproveitado o incremento recente na renda para investir na suplementação alimentar dos animais, o que agiliza o processo de engorda. Entre as ações tomadas está a ampliação do uso de adubo na propriedade, melhorando a qualidade das pastagens.
– A relação entre o preço dos insumos e o quilo do boi ficou bem mais favorável e conseguimos melhorar os processos dentro da propriedade. Esses investimentos, antes inviáveis, passaram a ser viáveis, mas o produtor tem de estar com o pé no chão – ressalta Monteiro.
Interesse faz crescer busca por sêmen de touros
O Estado deve encerrar 2019 com rebanho de 12 milhões de bovinos, conforme estimativa do Nespro. Quatro anos antes, o plantel chegava a 14 milhões de cabeças. Com a atividade voltando a despertar interesse, a busca por sêmen de touros para inseminação e a retenção de matrizes vêm ocorrendo com maior frequência nas propriedades. O pecuarista Luís Felipe Cassol, de Quaraí, na Fronteira Oeste, é um dos que vêm intensificando o processo de inseminação no plantel composto por animais das raças angus, brangus e ultrablack.
– Estou optando por fazer duas inseminações, um processo que é mais caro, mas que no final vai gerar aumento de 10% a 15% no índice de prenhez das vacas. Devemos ver esse resultado na próxima primavera – destaca Cassol.
Como o ciclo da pecuária é de médio a longo prazo, a tendência é de que o rebanho gaúcho volte a crescer paulatinamente. O coordenador do Nespro, Júlio Barcellos, calcula que o Estado deve ganhar em torno de 1 milhão de cabeças de gado nos próximos anos, com os primeiros resultados já aparecendo em 2020.
– O produtor hoje está enxergando uma boa perspectiva e, por isso, o rebanho gaúcho deve aumentar nos próximos dois ou três anos. O incremento da produção de carne ocorre por dois caminhos: pelos animais mais pesados, resultado do investimento no curto prazo, e por mais animais abatidos, o que deverá ocorrer no longo prazo, com o nascimento de mais animais – sinaliza Barcellos.
O Estado deve terminar 2019 com 2,2 milhões de abates realizados e produção total de 525 mil toneladas de carne bovina. Segundo Barcellos, com preços favoráveis ao produtor, a tendência é de que esses números cresçam em torno de 10% a 15% entre 2020 e 2021.
Preços devem seguir atrativos
Os elementos que levaram à valorização do preço do boi gordo neste ano devem se repetir em 2020, ainda que a dinâmica do mercado seja diferente, na ótica de analistas que acompanham o setor. A aceleração na demanda interna, verificada na reta final de 2019, tende a se intensificar com o crescimento da economia brasileira – a alta prevista no Produto Interno Bruto (PIB) é de 2,2% no próximo ano, conforme o Banco Central. No âmbito externo, a China continuará tendo problemas em decorrência da peste suína africana, e seguirá com apetite pela proteína brasileira.
O analista da Scot Consultoria Hyberville Neto enfatiza que o pico de valor do boi gordo visto em novembro, quando passou dos R$ 230, não deve se repetir. Segundo ele, a expectativa é de preços atrativos, mas estáveis:
– A velocidade da alta em 2019 foi inédita. Para 2020, esperamos um mercado firme. Até há espaço para valorização, mas sem a loucura deste ano. A demanda interna por carne seguirá melhorando, e há boas perspectivas relacionadas às exportações.
Banco especializado no agronegócio, o Rabobank projeta que, em 2020, o Brasil produzirá 10,45 milhões de toneladas de carne bovina, com exportação de 2,39 milhões de toneladas.
Os volumes são os maiores desde 2010.
– A carne bovina, proteína animal mais cara, será grande balizadora do mercado. A recuperação do poder de compra do consumidor estará diretamente relacionada ao aumento da demanda por esta carne. Caso a economia não atenda às expectativas, será provável o aumento da demanda pelas proteínas de frango e suínos, o que acarretaria em maiores pressões nos preços da bovina – argumenta Wagner Yanaguizawa, analista do Rabobank Brasil.
Escassez na oferta puxa demanda por terneiros
Há três anos, quando herdou a propriedade do pai em Osório, no Litoral Norte, o zootecnista Aurélio Weber começou a apostar no melhoramento genético do plantel de bovinos. Hoje com cerca de 200 cabeças no rebanho, Weber tem como foco a criação de terneiros angus, que são encaminhados para confinamento e, posteriormente, abatidos. A recente escassez de oferta no mercado fez com que a procura pelos animais da propriedade disparasse.
– Alguns anos atrás, era difícil vender terneiros, não conseguíamos colocá-los no mercado. Hoje, tem gente me procurando para buscar animais – compara.
Em razão do bom momento da atividade, Weber planeja expandir o plantel em torno de 10% ao ano utilizando as matrizes que já tem na propriedade. No entanto, ele destaca que vem adotando uma postura “pé no chão” e só deve ampliar a produção conforme o avanço da demanda.
Boas expectativas para os mercados de aves e suínos
O bom momento no setor de carnes não se restringe aos bovinos. Após a recuperação na produção em 2019, a suinocultura e a avicultura também devem ter 2020 de demanda aquecida. Pelo lado interno, o aumento no preço da carne bovina nas gôndolas fez com que muitos brasileiros migrassem para frango ou cortes suínos.
Ao mesmo tempo, a China tende a reforçar a posição de principal compradora de proteína animal conquistada neste ano, tanto no Rio Grande do Sul quanto no Brasil. A reboque da demanda chinesa, o valor pago ao produtor gaúcho pelo quilo vivo do suíno cresceu 47% . Esse ganho de fôlego deverá fazer com que os investimentos se intensifiquem em 2020, segundo o presidente a Associação de Criadores de Suínos no Estado (Acsurs), Valdecir Folador.
– A tendência é o incremento de produção, especialmente a partir do segundo semestre, mas não com muita força. Estamos conscientes de que, em cerca de três anos, o problema no rebanho da China se atenua e eles vão reduzir a importação – salienta Folador.
O dirigente lembra que o produtor de suínos ainda tem em mente a lição deixada pelo embargo da Rússia à carne suína gaúcha, no final de 2017. Na ocasião, os russos eram os principais compradores internacionais do Estado. Em razão do problema, a oferta no mercado interno aumentou e o preço pago ao produtor despencou. Por isso, Folador ressalta que os investimentos devem ser conduzidos de forma moderada.
Alta do preço do quilo do frango estimula expansão
Situação semelhante é verificada na avicultura. Com a maioria dos produtores gaúchos sendo integrados, a valorização no preço do quilo do frango vivo alcançou 19% em 2019. O presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), Nestor Freiberger, enfatiza que os investimentos das empresas já vinham ocorrendo antes da escalada dos negócios.
– Os produtores estão entusiasmados. Há investimentos em andamento, mas não relacionados à China. O momento é bom, mas não podemos agir na emoção – aponta Freiberger.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) estima produção de 13,7 milhões de toneladas em 2020 de carne de frango no Brasil. No Estado, 1,7 milhão de toneladas. Na carne suína, a produção projetada para o país é de 4,2 milhões de toneladas, enquanto no Rio Grande do Sul chegará a cerca de 740 mil toneladas.