Se os anos 2000 representaram a ascensão da China ao posto de principal parceira comercial do agronegócio do Rio Grande do Sul, a última década ficará marcada pela consolidação do domínio do gigante asiático na pauta de exportações. Entre janeiro e outubro de 2019, o envio de produtos do setor primário gaúcho para os chineses movimentou US$ 4,2 bilhões, representando 43,4% dos negócios com o mundo, conforme o Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão (Seplag). No mesmo período, nove anos atrás, as transações alcançavam US$ 2,2 bilhões, 26,9% do total.
Ao longo da década, o faturamento do agronegócio gaúcho junto à China cresceu 91% em valores nominais, ritmo acima do desempenho geral das exportações, que aumentaram 20% no período. Hoje, os asiáticos são os maiores compradores de alguns dos principais itens produzidos no Estado, como soja, celulose, carne bovina e carne suína. De quebra, há três temporadas consecutivas, mais de 40% das vendas têm o país como destino. Somados, União Europeia e Estados Unidos, segundo e terceiro maiores parceiros comerciais gaúchos, representam metade do fluxo anual chinês.
— Esta década marcou a crescente participação da China nas exportações gaúchas e também o domínio da soja sobre essa pauta — pontua Sergio Leusin Junior, economista do DEE.
Puxado pela demanda sobre a oleaginosa, o ápice da relação entre China e Rio Grande do Sul ocorreu no ano passado. Em meio ao conflito comercial com os Estados Unidos, os chineses intensificaram a compra de soja brasileira em substituição à norte-americana. Com isso, no acumulado dos 10 primeiros meses de 2018, o Estado embarcou 10,7 milhões de toneladas do grão, mais da metade da safra gaúcha, que somou pouco mais de 18 milhões de toneladas.
— O resultado não foi por uma conquista de mercado. O litígio fez aumentar consideravelmente a venda de soja do Estado — pontua Argemiro Brum, professor de economia internacional da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (Unijuí).
Em 2019, a tensão comercial entre Pequim e Washington permanece, mas o ritmo da demanda por soja gaúcha não apareceu na mesma intensidade. O desempenho menor é a principal causa para que, no acumulado do ano, o conjunto das exportações gaúchas para solo chinês apresente queda de 15% em valores frente a 2018.
Peste suína africana mexeu com o mercado
Por trás do resultado, há outro elemento que vem transformando a pauta gaúcha junto à China: a incidência da peste suína africana sobre o rebanho local. Ao mesmo tempo em que diminuiu a necessidade de soja para a alimentação dos animais, o problema sanitário está fazendo com que a demanda por carne brasileira atinja patamar nunca antes visto. Na comparação com o ano passado, a receita nos negócios do Rio Grande do Sul envolvendo cortes de suínos cresceram 79%, de bovinos 104% e de frangos 7%. Uma década atrás, o Rio Grande do Sul sequer exportava carnes suína e bovina para o mercado chinês.
— Temos de tirar o máximo de proveito do momento, mas com os pés no chão. Esses percentuais são recordes, mas decorrentes de circunstâncias que ali adiante não existirão. Um dia Estados Unidos e China vão se acertar, um dia os efeitos da peste suína no rebanho chinês ficarão no passado — salienta Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
Temos de tirar o máximo de proveito do momento, mas com os pés no chão. Esses percentuais são recordes, mas decorrentes de circunstâncias que ali adiante não existirão. Um dia Estados Unidos e China vão se acertar, um dia os efeitos da peste suína no rebanho chinês ficarão no passado.
ANTÔNIO DA LUZ
Economista-chefe da Farsul
O economista ressalta que, após equacionar seus problemas, a China manterá elevada demanda por alimentos junto ao agronegócio do Brasil e do Rio Grande do Sul. No entanto, para ele, a conjuntura atual propiciou uma espécie de bônus para o setor.
— É como se tivesse entrado o 13º salário na conta, mas no mês seguinte vamos voltar a ter o mesmo salário que tínhamos — compara.
A percepção do presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), Charles Tang, é de que os volumes recordes de embarque se estabilizem em breve, quando o país asiático e os Estados Unidos chegarem a acordo comercial. Até esse dia, Tang diz que o ímpeto chinês pelos produtos brasileiros seguirá grande. Tang projeta que novos mercados para produtos brasileiros devem ganhar impulso nos próximos anos, como o setor lácteo, que em junho deste ano teve 24 estabelecimentos habilitados a vender leite em pó, queijos e leite condensado à China. Destes, seis são gaúchos.
Destino número um das carnes
A última década trouxe também a ampliação do leque de produtos do agronegócio do Rio Grande do Sul enviados à China. Entre 2010 e 2019, o número de artigos exportados pelo setor passou de 22 a 81, de acordo com dados do DEE. Entre os destaques estão as carnes, principalmente suína e bovina, que estrearam na pauta gaúcha nos últimos anos e vêm tendo aumento significativo de pedidos em 2019.
A indústria de proteína animal vive momento ímpar nas relações com a China, que transformou-se no maior consumidor externo de carne suína e de frango do Brasil. O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, salienta que as perspectivas são alentadoras com a recente habilitação de novos frigoríficos para vender aos chineses. Hoje, o Rio Grande do Sul tem oito das 16 plantas brasileiras de suínos capacitadas para atender o país asiático. Nas aves, responde por sete das 46 habilitadas.
— Os chineses vão precisar de, no mínimo, cinco anos para que o rebanho suíno volte ao normal. Ainda podemos crescer em volume de exportação e no número de plantas — acredita Turra, apontando que outras 50 unidades de suínos e aves no país já demonstraram interesse em se habilitar para exportar.
Entre os produtores de carne bovina, o cenário é semelhante. Os embarques do Brasil batem recordes mês após mês em 2019 e já têm a nação asiática como principal destino. Atualmente, o Rio Grande do Sul tem três das 37 plantas nacionais credenciadas para embarcar o produto à China. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antônio Camardelli, enfatiza que há perspectiva de que novos frigoríficos sejam habilitadas nos próximos meses, mantendo os negócios aquecidos.
— A China é uma operação de sucesso comercial e que gera impacto positivo na cadeia produtiva. Muitas empresas estão investindo para ampliar a capacidade e gerando empregos — enfatiza.
Queda na soja é vista como pontual
Produtores de soja também veem espaço para a demanda voltar a crescer junto ao gigante asiático. Em razão do recorde de embarques para a China em 2018, a redução dos negócios do grão em 2019 é vista como pontual pelo presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS), Luis Fernando Fucks.
— A China é o grande player no mercado e nunca vai deixar de comprar a nossa soja — argumenta.
Ainda assim, Fucks salienta que, a longo prazo, a manutenção da competitividade da soja brasileira no mercado chinês passa por investimentos em infraestrutura, como portos e ferrovias, para escoar a produção.
Concentração de mercado pode gerar acomodação
Apesar dos bilhões irrigados na economia gaúcha a cada ano, a elevada concentração da pauta internacional em um único destino também é vista com ressalvas entre especialistas. O receio é de que a situação gere acomodação entre os setores exportadores, tornando-os menos proativos na hora de buscar novos mercados.
— É cômodo quando se tem uma demanda que chega naturalmente até você. Temos de ser mais ativos, aproveitar que chineses estão nos procurando e, a partir daí, discutir parcerias em outros países — diz Evandro Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos China-Brasil da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo Carvalho, a demanda chinesa ainda deverá continuar aquecida nos próximos anos. Ele lembra que, apesar da desaceleração recente, a economia do país cresce ao redor de 6,5% ao ano e o poder aquisitivo da população de 1,4 bilhão de pessoas segue aumentando.
A longo prazo, a situação pode mudar. O professor da Unisinos Marcos Lélis, economista especializado em comércio exterior, lembra que a China vem buscando alternativas para diminuir a necessidade de importação de alimentos, o que no futuro poderia ter impactos.
— Já há alguns movimentos da China, principalmente na Rússia e na África, de plantio de grãos para diminuir essa dependência externa de alimentos. Não sabemos quanto tempo isso ainda vai demorar para começar a abastecer o mercado deles — frisa Lélis.
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