As queimadas que ocorrem na Floresta Amazônica colocaram o Brasil no centro das atenções do mundo nas últimas semanas e reacenderam a discussão sobre o papel da atividade agropecuária na preservação da natureza. Ao mesmo tempo em que a Amazônia arde em chamas e o agronegócio é visto como vilão do ambiente por parte da população, produtores rurais têm intensificado o uso de práticas visando à redução de impactos em áreas com pecuária e cultivo de grãos.
No Rio Grande do Sul, uma das principais estratégias utilizadas para a queda da emissão de dióxido de carbono (CO2) é a aliança entre pecuária e lavoura. O produtor Dênis Dias Nunes, de Santa Vitória do Palmar, no sul do Estado, está expandindo a criação de animais na propriedade que comanda ao lado de outros três sócios. Eles vêm investindo em terneiros das raças aberdeen angus e hereford, paralelamente ao plantio de arroz e soja. Hoje, a fazenda conta com 600 animais, em uma área integrada de 700 hectares. O objetivo, segundo Nunes, é expandir a integração aos 2 mil hectares totais, garantindo a manutenção da qualidade do solo e o aumento na produtividade.
— Ao cuidarmos do solo e não mais da cultura em si, conseguimos implementar outras receitas na propriedade, além de atendermos ao clamor ecológico que há hoje na sociedade. E economicamente o sistema passa a ser mais eficiente — explica Nunes.
Outra preocupação é o bem-estar dos animais. O criador Márcio Sudati Rodrigues aboliu o uso de ferrão e a presença de cachorros para conduzir os mais de 3 mil exemplares das raças angus e brangus das propriedades de sua família em Alegrete e Manoel Viana, na Fronteira Oeste. O manejo do gado ocorre com bandeiras, que, aos poucos, também estão sendo retiradas.
— Estamos indo para nova fase, onde se conduz os animais apenas com posicionamento corporal e mãos para que eles não tenham medo e não fiquem pressionados. A ideia é trabalhar para que se sintam tranquilos, até porque estressados não produzem direito — salienta Rodrigues.
A repercussão internacional dos incêndios na Amazônia fez com que diferentes líderes de países da Europa, como França e Irlanda, levantassem a hipótese de boicote ao acordo de livre comércio firmado recentemente entre Mercosul e União Europeia.
Queimadas prejudicam imagem do país
O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira, aponta que o agronegócio brasileiro já tinha uma imagem “pré-fabricada de destruição do ambiente” no Exterior antes mesmo de as queimadas começarem neste ano. Ele vê a reação dos estrangeiros como parte de uma luta mercadológica com o objetivo de proteger produtores europeus.
— Temos um código florestal que é o mais restritivo do mundo e as maiores áreas de preservação do mundo, com 60% do território embaixo de floresta em um país (de proporção) continental. No entanto, isso nunca foi suficiente para desfazer essa imagem (negativa). A agricultura nacional tem o grande desafio de produzir alimentos respeitando o ambiente, e ela está fazendo isso — argumenta Pereira.
Professor da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos Nabinger considera que a preocupação com a diminuição dos impactos ambientais começa a se popularizar entre os produtores rurais. No entanto, ele avalia que essa pauta precisa avançar.
— Poderíamos estar vendendo mais do que o produto carne, leite ou couro. Poderíamos estar vendendo a imagem de um ambiente conservado e preservado — pondera.
O pesquisador considera que o episódio envolvendo a Amazônia poderá deixar cicatrizes para o agronegócio brasileiro no longo prazo, afetando as vendas para o Exterior. Neste sentido, Nabinger lembra que o cuidado com a natureza é uma demanda que se fortalece principalmente entre compradores externos.
Campeão de produtividade na soja
Usando uma receita que reúne cuidados com o solo e a rotação de culturas, uma propriedade gaúcha se transformou em recordista no cultivo de soja em área sem irrigação. A Fazenda Tolotti, de Erval Seco, no norte do Estado, conseguiu obter 123,5 sacas por hectare na safra passada, tornando-se a campeã nacional de sequeiro na edição deste ano do desafio de produtividade do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb). O resultado é mais do que o dobro da média nacional, de 53,4 sacas por hectare, conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O produtor Rafael Tolotti destaca que há sete anos a propriedade procura aprimorar processos para aumentar o rendimento. Isso ao mesmo tempo em que atenta para a conservação do solo, no intuito de evitar a erosão. Entre as medidas adotadas estão a preparação da área com gesso agrícola e cuidados na escolha das cultivares. No trecho onde Tolotti obteve recorde de produtividade, que abrange cerca de três hectares, foi utilizada uma variedade precoce da oleaginosa. A ideia é expandir a estratégia para o restante da fazenda, que tem mais de 1 mil hectares.
— Quando não fazíamos nada de diferente, colhíamos em torno de 70 sacas por hectare. Aos poucos fomos evoluindo. Atingimos 123,5 sacas por hectare por conta do que estamos fazendo com o solo — ressalta o sojicultor.
Além disso, a rotação de culturas desempenha um papel importante na propriedade. Antes da semeadura da soja, cultiva-se aveia e centeio para manter a terra sempre produtiva, melhorando o desempenho da cultura de verão.
Certificações atestam práticas na produção
O interesse dos consumidores sobre a origem dos produtos vem impulsionando a criação de parâmetros que atestam as boas práticas nas propriedades rurais. Neste campo, a soja tem recebido atenção. A Associação Internacional de Soja Responsável (RTRS, na sigla em inglês) estabeleceu diretrizes para a certificação do grão.
Hoje, cinco empresas certificadoras no Brasil seguem os padrões da RTRS. Para receber o atestado, o produtor precisa obedecer os critérios como informações sobre a propriedade e a maneira como o grão é cultivado. Entre as exigências estão o cultivo em áreas que não foram desmatadas, o cumprimento do Código Florestal e a ausência de reclamatórias trabalhistas na Justiça.
Na safra passada, o Brasil teve 3,9 milhões de toneladas de soja certificada, cerca de 3% da produção nacional.
A tendência é de expansão, segundo o consultor da RTRS no Brasil Cid Sanches. Na visão do dirigente, as queimadas na Amazônia podem motivar mais produtores a buscarem a certificação, principalmente entre aqueles com negócios na Europa. Hoje, 85% da soja certificada tem como destino países europeus.
— Algumas empresas (compradoras) têm compromissos firmados há anos de que só compram soja certificada, que não venha de desmatamento e de propriedades sem problemas trabalhistas — constata Sanches.
Na pecuária, as certificações também avançam. Em junho, a Associação Brasileira de Angus lançou seu selo de sustentabilidade. O objetivo é garantir ao consumidor que os cortes levam em consideração, entre outros aspectos, rastreabilidade de todo o rebanho, preservação de vegetações nas nascentes e em reservas naturais, descarte adequado de embalagens de químicos e medidas antiestresse animal. As práticas são atestadas por uma certificadora independente.
— Temos que ter boas práticas e comprovar o que fazemos. A longo prazo, essa informação pode nos aproximar mais do consumidor — aponta Ana Doralina, gerente do programa Carne Angus Certificada.
O certificado angus já recebeu o aval do Ministério da Agricultura e da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Entenda o caso
- Entre janeiro e agosto de 2019, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 43,7 mil focos de queimadas na área do bioma Amazônia, que abrange nove Estados.
- O resultado representa aumento de 95,9% frente a igual período de 2018, quando foram apontados 22,1 mil focos, e está no maior nível desde 2010, quando foram identificados 58,4 mil focos de incêndios na região.
- Um dos episódios mais marcantes foi o chamado “Dia do Fogo”, em 10 de agosto. Segundo a revista Globo Rural, um grupo de produtores nos municípios de Novo Progresso e Altamira, no Pará, teria se organizado para incendiar áreas florestais. O episódio é investigado por Polícia Federal e Ministério Público Federal.
- As queimadas deste ano e a preocupação com os rumos da política ambiental do governo de Jair Bolsonaro fizeram com que Alemanha e Noruega anunciassem o corte de R$ 288 milhões em repasses para projetos de cooperação bilateral voltados à preservação da Amazônia.
- As imagens do desmatamento da Floresta Amazônica repercutiram internacionalmente e o combate aos incêndios chegou a pautar a mais recente reunião do G7, realizada na França, neste mês de agosto.
- O presidente francês, Emmanuel Macron, disse que Jair Bolsonaro “mentiu” para ele sobre os compromissos do Brasil com o ambiente e apontou que, por conta disso, a França poderá se opor ao tratado de livre comércio entre União Europeia e Mercosul.
- Além da França, outros países europeus manifestaram intenção de bloquear o acordo de livre comércio, que tende a abrir espaço para produtos do agronegócio brasileiro naquele mercado. A Irlanda também apontou que teria restrições à assinatura do tratado, caso o governo brasileiro não atuasse para combater os incêndios na Amazônia. Já a Finlândia cogita pedir a proibição da importação de carne bovina brasileira.