Cercada por mais de 200 espécies vegetais e aproximadamente 300 aves, répteis, peixes e mamíferos, no entorno da Estação Ecológica do Taim em Santa Vitória do Palmar, a Fazenda Santa Cândida aumentou em 30% a eficiência da criação de gado de corte em apenas dois anos. Em 2015, o produtor Claudio Roberto de Aguiar da Silva, 59 anos, passou a adotar pastagens de inverno para alimentar o rebanho – antes engordado na resteva do arroz, em solos sem correção de nutrientes. Animais machos que antes levavam três anos para chegar a 480 quilos, são abatidos hoje com o mesmo peso aos dois anos de idade.
– A pastagem com tecnologia aumentou o giro da fazenda – conta Silva, que faz a cria, recria e engorda de 570 animais das raças hereford e angus.
Ao entregar animais mais jovens aos frigoríficos, o pecuarista alcança bonificação de 7% a 8% maior no preço de venda.
– É um investimento que tranquilamente se paga no primeiro ano – calcula o produtor, que passou a rotacionar as áreas com dois anos de arroz, seguidos de quatro anos de pastagem ou pousio.
Para cada hectare cultivado com azevém, trevo e cornichão, Silva investiu cerca de R$ 1 mil. A lavoura de arroz foi drenada para a implantação da pastagem, com a recuperação do solo por meio do uso de calcário e adubação de base. No primeiro ano, foram 65 hectares convertidos e, no segundo, outros 72 hectares. A meta é chegar a 200 hectares cobertos com pastagem de inverno no próximo ano – de um total de 460 hectares. De 60 a 65 hectares, são arrendados para o cultivo de arroz.
– Minha propriedade tornou-se muito mais rentável, além de mais sustentável – diz, orgulhoso, o produtor.
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Produtores gaúchos estão satisfeitos com a integração
Renda que vem da integração da lavoura, pecuária e floresta
Os ganhos tangíveis da integração agropastoril, muitas vezes em curto espaço de tempo, fizeram o sistema crescer no Brasil nos últimos anos. De 2010 a 2015, a adesão a algum tipo de integração lavoura, pecuária e floresta passou de 5,51 milhões de hectares para 11,47 milhões de hectares no país – crescimento de 108%. O Rio Grande do Sul, com 1,46 milhão de hectares, é o Estado com o maior percentual de áreas com atividades integradas – de 20,5%.
– A adoção de sistemas integrados em uma mesma área vem quebrando paradigmas, exigindo um pouco mais dos produtores, de capacitação a consciência ambiental – destaca Jamir Luis Silva da Silva, pesquisador da Embrapa Clima Temperado, com sede em Pelotas.
Em equilíbrio com o Taim
Quando a Embrapa coordenou a implantação do sistema em uma pequena área da Fazenda Santa Cândida, o principal desafio foi encontrar o equilíbrio do número de animais a colocar na área.
– A carga, peso dos animais por hectare, precisa ser ajustada para não causar compactação do solo – explica o pesquisador.
Além da diversificação das atividades, a fazenda precisou se integrar às riquezas biológicas da planície costeira gaúcha, no extremo sul do Brasil – com campos sulinos naturais, grandes extensões de banhados, matas de restinga, lagoas, canais e campos de dunas costeiras.
– Produzir e conservar tem o mesmo valor. E quando se tem uma visão sistêmica todos saem ganhando, produção agrícola e ambiente – diz Henrique Ilha, gestor da Estação Ecológica do Taim e coordenador do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).
Com a ampliação da abrangência do Taim recentemente, cerca de 70 propriedades rurais passaram a integrar as zonas de amortecimento (entorno) da estação.
– É possível produzir nessas áreas, tanto lavoura quanto pecuária, mas com certo regramento – explica Ilha.
O especialista detalha que a integração lavoura, pecuária e floresta – ou pelo menos duas delas – conversa com a preservação da biodiversidade, desde a incorporação de matéria orgânica no solo até a abundância de alimentos para os animais (que não precisam buscar pastagem em áreas de preservação permanente, por exemplo).
Mesma área com maior rendimento
Incentivada em unidades de referência planejadas em todo o país pela Embrapa, desde 2005, a estratégia de unir as atividades vem mostrando resultados reais nas fazendas. No Estado, os rendimentos da pecuária aumentaram de 25% a 30%, enquanto nas lavouras de arroz, o ganho médio é de 12% a 20% e na soja, 15%. Nos sistemas florestais, o percentual chega a até 20%. Isso tudo com práticas mais sustentáveis de produção.
– A renda do produtor é ampliada via diversificação, que ajuda também a racionalizar o uso dos recursos naturais, como água e terra – resume Jamir Luis Silva da Silva, pesquisador da Embrapa Clima Temperado.
Apesar dos avanços, há muito ainda a ser superado. Quase 80% das plantações de arroz no Estado, por exemplo, ainda ficam descobertas no inverno. Além disso, do total de áreas com algum tipo de integração, apenas 17% incluem florestas. O percentual tímido tem a ver com limitações da legislação gaúcha, alterada em 2016, e com a complexidade maior de associar lavoura com reflorestamento – por conta dos agroquímicos nas plantações.
A mudança de cenário, salienta o pesquisador, passa também pela sucessão rural. Produtor em Rio Grande, José Ademar Lopes, 65 anos, foi convencido pelo filho Rafael Albernaz Lopes, 39 anos, a adotar a integração. Até 2012, a Agropecuária Manchester fazia a cria e recria de 600 animais na resteva do arroz. Nos últimos anos, passou a cultivar pastagem de inverno, no sistema de três anos para lavoura e três anos para azevém.
– No primeiro ano, os resultados surpreenderam, com rendimento até 30% maior – conta Rafael.
Com um ano a menos de engorde, os animais chegaram a apresentar cem quilos a mais.
A diferença foi suficiente para José Ademar se convencer de que esse é o caminho certo.
– O resultado está na balança – confirma o pai.
Os 130 hectares integrados hoje serão ampliados para 260 hectares de terras altas – 30% do total da área onde é possível fazer a drenagem. Se na pecuária o lucro maior é mostrado nas contas, nas lavouras de arroz o cálculo também anima. Os produtores calculam que o aumento de produtividade chegue a 20% – passando de 130 sacas por hectare para 160 sacas por hectare.
Principais motivos para adoção do sistema
Pecuaristas
– Redução do impacto ambiental
– Aumento da rentabilidade por hectare
– Rotação de culturas por necessidade técnica
Agricultores
– Aumento da rentabilidade por hectare
– Diminuição do risco financeiro com a diversificação
– Rotação de culturas por necessidade técnica