Com safras de uva, maçã e oliveira praticamente concluídas no Rio Grande do Sul, produtores têm agora visão mais clara das perdas causadas possivelmente pelo agroquímico 2,4-D – aplicado no pré-plantio de lavouras de soja, justamente no período de floração dessas culturas. O Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) projeta prejuízos na ordem de R$ 94,02 milhões com redução de 32% da colheita atual da uva. Levantamentos foram enviados ao Ministério Público Estadual (MP), que tem inquérito em andamento.
Para chegar a esse resultado, o Ibravin reuniu informações de 62 vitivinicultores de diferentes regiões do Estado. O relatório aponta prejuízos em 241 hectares com uvas viníferas e híbridas americanas, que resultou em 1,01 milhão de toneladas a menos do que em safras consideradas normais.
– O levantamento é bem conservador. Considera apenas produtores que forneceram dados de forma espontânea – explicou Helio Marchioro, conselheiro do Ibravin.
Ele pondera que as informações não foram coletadas necessariamente de produtores que tiveram laudos positivos para a presença do herbicida, em análises feitas pela Secretaria Estadual da Agricultura no final do ano passado.
– A situação se tornou insustentável – completou o dirigente.
Segundo documento elaborado pela Associação Gaúcha de Produtores de Maçã (Agapomi), amostragem feita em seis pomares de quatro municípios dos Campos de Cima da Serra indicou perdas de 48% da produção.
– Quem está tomando as decisões precisa agir – comentou o presidente da Agapomi, José Sozo.
O dirigente refere-se ao fato de muitos produtores de soja já estarem se organizando para a compra dos insumos da próxima safra. Entidades defendem a retirada do produto do mercado como a única alternativa.
Já a Associação dos Produtores de Soja do Estado (Aprosoja) alega que a opção pelo 2,4-D não é só econômica. Segundo a entidade, é o composto mais eficiente de combate a ervas-daninhas. Sojicultores entendem que a má aplicação do produto causa o problema, o que poderia ser solucionado com a ampliação do programa de qualificação técnica Deriva Zero, cujo objetivo é treinar agricultores para o correto uso do herbicida.
MP inclinado a pedir suspensão
O Ministério Público abriu um novo inquérito civil para "investigar a possibilidade de contaminação ambiental causada pelo herbicida 2,4-D no Rio Grande do Sul" e, nos autos, o indicativo é de que a Promotoria do Meio Ambiente de Porto Alegre, que está à frente do caso, se inclina favoravelmente à suspensão da venda e do uso deste agrotóxico no Estado.
No último dia 18 de março, o MP sediou uma reunião com os prejudicados pela deriva do 2,4-D aplicado nos campos de soja: entre os mais atingidos, estão produtores de uvas, oliveiras e maçãs, que registraram perdas milionárias na última safra.
Deste encontro, ficou determinado que as entidades representativas das alegadas vítimas apresentariam, em 15 dias, provas, laudos laboratoriais e outros indícios de que o herbicida, ao entrar em contato com suas lavouras, acarretou atrofia e morte das plantas.
No mesmo relatório, o promotor Alexandre Saltz, titular do caso, se comprometeu a "agendar reunião com os secretários estaduais da Agricultura e da Saúde para tratar do tema, especificamente da necessidade de suspensão da venda e utilização do 2,4-D em território gaúcho". O documento que explicita a inclinação pela retirada do herbicida do mercado gaúcho - medida que dependeria de ação judicial ou de veto via legislação - é assinado por Saltz. Ele tem reunião marcada com o secretário da Agricultura, Covatti Filho, para a próxima terça-feira (9).
O novo inquérito foi aberto em 9 de janeiro de 2019, absorvendo informações de uma investigação anterior que tramitava desde 2015 no Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais do MP (Nucam). Os autos já somam 762 páginas, incluindo relatórios, ofícios, laudos que comprovam a contaminação de plantas pelo 2,4-D e estudos diversos sobre os possíveis impactos do herbicida no meio ambiente e na saúde humana.
Também consta no inquérito um extenso relatório assinado pela área técnica da Secretaria da Agricultura. Nas argumentações, os servidores demonstram posição semelhante a do MP quanto à "necessidade" de suspender o 2,4-D, sob risco de "inviabilizar a diversificação".
"É improtelável uma medida cautelar, como a suspensão do uso de 2,4-D no Rio Grande do Sul, sob pena de inviabilizar definitivamente pomares e agravar ainda mais o lado financeiro de quem vêm acumulando perdas decorrentes das derivas", diz trecho do documento.
Os técnicos ainda afirmam que existem agrotóxicos alternativos ao 2,4-D para que os sojicultores controlem as ervas daninhas, mas salientam que eles custam mais caro. Também é externada a avaliação de que a criação de zonas de exclusão - áreas em que a aplicação do herbicida seria restrita para minorar a deriva - é impraticável.
O documento informa que 81 análises de laboratório foram realizadas em vegetais colhidos em 56 propriedades rurais, distribuídas em 23 municípios gaúchos. Do total de exames, 69 resultaram positivo para a contaminação por 2,4-D, chegando ao índice de 85,2% de amostras problemáticas.
É destacado que a deriva do herbicida foi detectada na zona urbana de Santana do Livramento. Ainda é relatado que houve "comprovação de contaminação em propriedades com barreira vegetal e quebra-ventos".
Apesar dos apontamentos contundentes dos técnicos, a postura é mais comedida nos setores políticos do governo estadual. Iniciativa do secretário da Agricultura, Covatti Filho, o grupo de trabalho criado em 26 de fevereiro para apontar alternativas ao impasse não fez nenhuma reunião até agora. Tampouco houve deliberação. Tradicionalmente, sojicultores iniciam o uso do agrotóxico 2,4-D em agosto para eliminar as ervas-daninhas dos campos antes do plantio do grão.