Na região que concentra a maior parte do plantio de maçãs do Rio Grande do Sul, a deriva do 2,4-D começa a deixar rastros nos pomares. Desde o ano passado, produtores dos Campos de Cima da Serra notam os efeitos causados pela má aplicação do herbicida na soja. Os casos conhecidos se restringem a um número pequeno de propriedades, mas já preocupam fruticultores.
Ao final desta safra, a Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi) pretende fazer balanço das perdas e não descarta pleitear ação junto ao poder público e até buscar ressarcimento pelo prejuízo.
— Há níveis bem visíveis de deriva, que neste ano se alastraram mais. A situação é grave e espero que o governo (federal) assuma o problema. Por que para o produtor de soja ser viável eu tenho de ser inviável? — questiona José Sozo, presidente da Agapomi e um dos produtores afetados.
Na propriedade com 35 hectares de macieiras e 10 de videiras em Vacaria, Sozo está rodeado por lavouras de soja. Ano passado, quando desconfiou que os impactos na maçã e na uva poderiam ser da deriva, contratou consultoria particular, que confirmou a suspeita.
Os sintomas voltaram este ano de forma mais agressiva. Em alguns pomares, folhas se enrolaram e a maioria dos frutos sequer nasceu. Em macieiras que deveriam gerar até 200 frutas, brotaram entre 10 e 15 unidades.
Vinhedos e pomares estão próximos a lavouras de soja
Na Serra, é comum deparar-se com vastas áreas de soja ao lado de pomares e vinhedos. Como a região se caracteriza por vento constante, fruticultores apontam que a corrente de ar traz a substância para o seu lado da porteira. A maioria dos atingidos não tem laudos técnicos. Ainda assim, a doutora em fitossanidade e professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS) no campus de Vacaria Taísa Dal Magro confirma a existência do problema.
— É um produto fácil de visualizar os sintomas. Todas as vezes em que fui chamada para verificação, os sinais estavam bem evoluídos — constata Taísa.
O escritório regional da Secretaria da Agricultura em Lagoa Vermelha, coletou duas amostras em propriedades de videiras em Monte Alegre dos Campos e uma em Cacique Doble, com uva e guabiju. Os laudos detectaram vestígio do herbicida.
Apesar de só três produtores terem procurado o órgão para pedir o laudo, a fiscal agropecuária da Secretaria da Agricultura na região Liese Pereira acredita que os estragos atinjam um número maior de propriedades.
— Há casos em que o próprio produtor atingido conversou com o vizinho, que parou de utilizar o agrotóxico, e o problema foi suprimido — relata.
Um dos afetados é o agricultor Josimar Gonçalves da Silva. Com um hectare de uva em Monte Alegre dos Campos, ele notou alterações nas videiras da variedade bordô no ano passado.
— No início, achei que pudesse ser alguma deficiência de nutriente ou tratamento errado — recorda Silva.
Acabou levando meses até perceber que o enrolamento das folhas e o nascimento desigual dos grãos não eram decorrentes do manejo. Assim que notou os primeiros danos, neste ano, fez a perícia, que foi confirmada. Ele calcula que perderá 20% da safra.
Os relatos de contaminação não se restringem à fruticultura. Produtor de alho em Muitos Capões, Ivanir Marcon alega que o uso do herbicida em uma lavoura de soja vizinha causou prejuízos na colheita desde 2017. Em área de 15 hectares de alho, ele calcula que deixará de colher 3 mil toneladas nesta safra. A família aguarda agora resultado de laudo técnico.
Campos nativos são afetados
Entre as amostras coletadas pela Secretaria da Agricultura no Estado com laudo positivo para presença de 2,4-D, uma é de campo nativo. Embora menos visível, o estrago em áreas de vegetação é relatado por produtores.
— A deriva impede o crescimento vegetativo do bioma pampa, impactando na biodiversidade e na manutenção da pecuária em campos nativos — destaca o produtor rural Eduardo Peixoto, sócio-fundador da Associação dos Proprietários e Moradores do Banhado do Maçarico, na Estação Ecológica do Taim, em Santa Vitória do Palmar, no sul do Estado.
Com sinais de deriva do herbicida 2,4-D em sua propriedade de 400 hectares no entorno de uma unidade de conservação, Peixoto passou a suplementar a alimentação do rebanho de 300 bovinos da raça angus.
— A convivência da monocultura da soja, do arroz e da silvicultura é prejudicial à manutenção do bioma pampa — resume Peixoto.
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Resíduo da aplicação do herbicida 2,4-D é apontado como causador de perdas em uvas, oliveiras e maçãs. Zero Hora visitou sete propriedades que receberam as confirmações da deriva em Bagé, Candiota, Dom Pedrito, Santana do Livramento, Jaguari e Monte Alegre dos Campos.