Estimulada pelas exigências dos consumidores, a produção de alimentos está passando por grandes mudanças. A mais recente atende pelo nome de rastreabilidade. E registrar todo o caminho percorrido pelo produto, da propriedade até o consumidor, não é mais um diferencial do agricultor ou do supermercado, é uma exigência legal.
A Instrução Normativa 2/2018, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Agricultura, foi publicada em fevereiro. E, desde agosto, os produtores do primeiro grupo de alimentos — citros, maçã, uva, batata, alface, repolho, tomate e pepino – passaram a ser obrigados a identificar cada lote que sai da propriedade. Assim, o cliente final consegue percorrer o caminho de volta: do mercado à lavoura.
Fabiano Van Grol não esperou pela legislação para implantar o sistema de rastreabilidade na Frutas Vale do Caí, que mantém produção própria e também compra da Espanha, do Uruguai e de outros Estados brasileiros. Sua empresa processa e leva até o varejo mais de mil toneladas de laranja, limão, bergamota, uva e abacate por mês.
Incentivada por grandes redes varejistas, que começaram a exigir etiqueta com origem dos produtos, a empresa sediada em São Sebastião do Caí passou a adotar o sistema de rastreabilidade há três anos. Pelos cálculos do sócio gestor, o custo gira em torno de R$ 0,10 por caixa de fruta (em média, 14 quilos), valor que abrange o software utilizado para gerar o QR Code de cada lote, pago mensalmente, a impressão das etiquetas e a mão de obra para anexá-las às frutas.
— Não considero um custo, mas um investimento, porque alguns mercados teriam nos fechado as portas caso não tivéssemos o sistema e, principalmente, porque junto com a rastreabilidade veio a qualificação da cadeia produtiva — avalia Van Grol.
Entre as melhorias, explica, estão a exigência de nota fiscal dos produtores parceiros, que passaram a ter mais comprometimento com o produto, e o registro de todo o processo, fazendo com que a logística fosse aprimorada — reduzindo distâncias e despesas.
Todos os passos da produção anotados
Aos 50 anos, Clélia Herzer está ansiosa pela segunda safra de pimentões, cultivada em estufa na propriedade de quatro hectares no interior de Feliz, no Vale do Caí. A agricultora, que escolheu fazer da aposentadoria um período fértil, amargou perda de quase metade da produção no ano passado devido a pragas e ao uso incorreto de produtos químicos.
Nesta nova tentativa, cada passo está sendo registrado em uma planilha impressa cedida pela Emater: desde a variedade, a data do plantio e o espaçamento entre as mudas até o nome dos produtos utilizados para afastar insetos e adubar a estufa, com a quantidade e a data de aplicação. Chamado de caderno de campo, esse registro faz parte das exigências da normativa da Anvisa para os produtores rurais.
No caso do pimentão, a obrigação começa a valer em fevereiro, mas Clélia já está colocando em prática para ir aprendendo e tirando dúvidas.
— Ser agricultora é um aprendizado diário, porque cada detalhe faz muita diferença. Ter tudo anotado facilita, porque posso discutir com o técnico, ter uma base para os próximos anos e ainda provar que estou fazendo tudo certo, dentro da lei — resume a agricultora.
A criação da etiqueta ainda está no plano das ideias na propriedade de Clélia, mas a tendência é de que siga novamente as orientações repassadas pela Emater aos pequenos produtores: fazer um modelo básico com as informações da propriedade e do produto que pode ser impresso em grande quantidade, deixando o número do lote e a data da colheita para ser escrita à mão ou com um carimbo ajustável.
— Para o produtor, adotar uma rotulagem não é tão difícil, o mais desafiador é ter controles, respeitar o intervalo de aplicação de aditivos e ter disciplina para anotar todas as informações e guardar os recibos — avalia o coordenador regional da Emater de Lajeado, Lauro Bernardi.
Capacitação
Para vencer essa dificuldade, estão sendo realizados cursos por todo o Rio Grande do Sul, com as entidades preparadas para tirar as dúvidas. Mais do que uma exigência legal, que prevê punição em caso de descumprimento, desde apreensão da mercadoria e multa até interdição da lavoura ou do supermercado, dependendo da gravidade da situação, a rastreabilidade é "uma oportunidade para quem faz a coisa certa", afirma Bernardi. Como exemplo, o extensionista da Emater cita o pimentão, que frequentemente lidera o ranking de resíduos de agrotóxicos publicada pela Anvisa:
— Quando é divulgada a lista anual, o consumidor fica receoso e até deixa de comprar o produto vilão. Mesmo que o problema seja em um pimentão colhido lá em São Paulo, os produtores gaúchos sentem o prejuízo.
Com a rastreabilidade, o agricultor que respeitar os limites de produtos químicos e puder comprovar isso com o caderno de campo, vai sair da vala comum e garantir ao consumidor que o seu produto é de qualidade.
Produtos e prazos de adoção ao sistema
Os prazos para a implementar a rastreabilidade variam de 180, 360 e 720 dias conforme os grupos de alimentos, a seguir:
- Desde agosto de 2018: citros, maçã, uva (1); batata (2); alface, repolho (3); tomate, pepino (4)
- A partir de fevereiro de 2019: melão, morango, coco, goiaba, caqui, mamão, banana, manga (1); cenoura, batata-doce, beterraba, cebola, alho (2); couve, agrião, almeirão, brócolis, chicória, couve-flor (3); pimentão, abóbora, abobrinha (4)
- A partir de fevereiro de 2020: abacate, abacaxi, kiwi, maracujá, melancia, acerola, amora, ameixa, carambola, figo, framboesa, pêssego, pitanga, pera etc. (1); gengibre, mandioca, rabanete, batata etc. (2); couve-chinesa, espinafre, rúcula, alho porro, cebolinha, manjericão, erva-doce, alecrim, manjerona, salvia, hortelã, orégano, mostarda, repolho, couve; aipo; aspargos etc. (3); berinjela, chuchu, pimenta etc. (4)
Grupos de alimentos:
- 1 Frutas
- 2 Raízes, tubérculos e bulbos
- 3 Hortaliças folhosas e ervas aromáticas frescas.
- 4 Hortaliças não folhosas