Existe uma fórmula certa para lidar com a passagem do tempo? A maturidade está cada vez mais em foco, mas, ainda assim, o preconceito com a idade está longe de ter fim.
O chamado etarismo é um dos temas que norteiam o trabalho de Gisela Castro, especialista em temas como envelhecimento e longevidade. Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, com pós-doutorado em Sociologia no Goldsmiths College, University of London, ela é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM – São Paulo. A seguir, a expert fala sobre como lidar com o preconceito de idade, além de refletir sobre como a indústria da beleza afeta a percepção do que é o envelhecer.
Quais as principais dificuldades das mulheres ao envelhecer?
Envelhecer em uma cultura tão impregnada pelo ideário anti-idade não é fácil. Quando se glorifica a juventude como um valor a ser preservado e exibido em qualquer idade, quando se é instada a combater os sinais do envelhecimento como se fossem pecados, pode ser mesmo bem difícil. Um exemplo de dificuldade seria lidar com o preconceito nos ambientes de trabalho, onde não raro as pessoas mais velhas são discriminadas em favor dos mais jovens. Na vida pessoal, gerenciar o próprio envelhecimento pode se tornar uma obsessão contra a passagem dos anos. Quando você não consegue respeitar em si mesma as mudanças de fase, envelhecer passa a ser encarado como um mal contra o qual se deve lutar. Em vez de se celebrar a longevidade, confere-se status privilegiado aos mais jovens e transforma-se o envelhecer em um problema a ser contornado.
Como lidar com os estigmas sobre o envelhecimento?
É bom refletir criticamente sobre o que de fato importa nas diferentes fases da vida. É preciso também lutar ativamente contra o preconceito de idade – o idadismo ou etarismo, tão prevalente em nossas sociedades. Quando a juventude se torna um imperativo social, algo que se exige que todos e todas exibam em qualquer idade, fica difícil apreciar a vida longeva e enxergar a beleza na velhice.
Envelhecer ganhou um novo significado?
Hoje em dia, está sendo promovido um tipo paradoxal de envelhecimento, que seria o envelhecer sem envelhecer. O velho ideal seria o “velho jovem”, que se considera ageless e acha que envelhecer é só uma questão de cabeça, acredita que é possível e mesmo desejável não envelhecer.
Quando você não consegue respeitar em si mesma as mudanças de fase, envelhecer passa a ser encarado como um mal contra o qual se deve lutar
GISELA CASTRO
especialista em envelhecimento e longevidade
Você já falou em entrevistas sobre o “jovencentrismo”.
O jovencentrismo diz respeito ao fato de nossas sociedades serem voltadas majoritariamente para as pessoas mais jovens, que são o padrão para o ritmo da cidade, como, por exemplo, no tempo de duração do sinal da travessia de pedestres. Os jovens predominam nas imagens da mídia e a própria ideia de beleza está associada à aparência juvenil, o rosto sem marcas nem sinais da passagem do tempo. É como se as pessoas mais velhas fossem mantidas na inviabilidade ou fossem vistas apenas por meio de lentes negativas, que conferem ao envelhecer significados associados ao declínio e às perdas de todo o tipo. Esse jovencentrismo é, em parte, estimulado pela indústria anti-idade, que movimenta altas cifras em várias frentes de atuação como os mais variados procedimentos de rejuvenescimento.
Como você vê esse momento em que muitas querem “assumir” as rugas, mas a indústria ainda fala tanto de “anti-idade”?
Não há um único modo “correto” de envelhecer “bem”, pois o envelhecimento é um processo que se desenrola durante toda a vida e é influenciado por muitos fatores como classe socioeconômica, fatores hereditários, histórico de saúde, condições de vida. Assim, é cruel considerar que só envelhece quem quer ou quem se deixa envelhecer. Nem todas podemos nos tornar velhas excepcionalmente ágeis e ativas, por uma série de razões. Não se pode julgar que alguém envelheceu “bem”, geralmente elogiando quem lança mão de vários recursos para disfarçar os sinais da passagem do tempo, e não aparentar a idade que tem, enquanto se condena a outra por não ter seguido a mesma trilha. Por que o elogio que muitos acham que se pode fazer a uma mulher mais velha é dizer que “nem parece”? Já está mais do que na hora de começarmos a valorizar a dignidade e a beleza da mulher madura.
Estamos com menos medo de envelhecer?
Há quem identifique o envelhecimento como um processo de perdas e, por isso, tenha mais medo de envelhecer. Há outros que valorizam o tempo vivido, o legado. Em diferentes comunidades, a velhice é acolhida e reverenciada. Na nossa sociedade do consumo, da velocidade e do descarte, nós deixamos de atentar para o valor inestimável do cuidado, a importância da convivência entre gerações. Com o envelhecimento populacional, já é tempo de olharmos com mais respeito e carinho para o crescente contingente de pessoas mais velhas.
Muitas mulheres têm encontrado apoio e inspiração em influenciadoras e famosas que colocam em pauta questões ligadas à passagem do tempo. Há, também, grupos e projetos criados para falar de seus anseios e experiência.
Trocar ideias pode ser muito bom, assim como também me parece interessante verificar que há figuras que, de certo modo, desafiam o jovencentrismo da mídia ao se colocarem abertamente na contracorrente como porta-vozes das pessoas mais velhas.
Qual a importância de ter referências de mulheres mais velhas na ficção que estejam vivendo a vida plenamente, realizando sonhos?
É importante que haja outras narrativas que se contraponham às conotações sempre tão negativas tradicionalmente associadas ao envelhecer: combater o sentido único do envelhecimento como ocaso, perda, declínio e morte. Interessante que sejam postos em circulação outros significados acerca dos muitos sentidos da vida na maturidade, da velhice como patrimônio, experiência acumulada, potência, sabedoria.