Aos 78 anos, Tânia Carvalho decidiu não contar mais o tempo que passou. A cada aniversário, a jornalista prefere se ater às experiências, à sua “vida bem vivida” nessas quase oito décadas, sem encarar a maturidade como um limitador. Ela exalta as boas memórias e tenta colher aprendizados, mas se propõe a olhar para a frente focada no que ainda quer viver. E é essa a Tânia que está mais do que pronta para encarar a chegada iminente na casa dos 80:
— Tempo e vida são coisas diferentes. Penso que não são só 78 anos, são 78 anos maravilhosamente bem vividos. Todas as fases foram boas, até as ruins. Tenho muita paz e tranquilidade em envelhecer.
Assim como a jornalista, outras tantas mulheres também se desafiam a encarar a maturidade sem tabus. A aposentada Rosi Mendes Corrêa, 68 anos, compartilha da mesma serenidade de Tânia, embora já questione logo no início da entrevista: quem inventou a ideia de “melhor idade”?
— A maturidade, principalmente depois dos 50 anos, se tornou um período libertador para mim. Mas isso de dizer que é maravilhoso não existe, não é a realidade. Enfrentei a depressão, apresentei mais problemas de saúde. Dei a volta por cima, sou feliz e realizada, mas não podemos dizer que é uma época fácil — opina a esteticista.
Já Mauricéia Santos Faria acabou de chegar aos 60 com aquele frio na barriga. Ouviu por aí que alcançou a fase de não celebrar um ano a mais, mas, sim, contar um a menos. Os questionamentos se multiplicaram: será que vou ver meus netos crescerem? Vou ter bisnetos? Fiz tudo o que gostaria?
— Não me sinto velha, mas sei que estou envelhecendo. Essa virada dos 60 me trouxe uma versão mais light, tento encarar as coisas com leveza. E sigo querendo aproveitar. Às vezes, acho que virei meio adolescente, quero curtir a vida porque tenho mais tempo livre, sabe? — conta a aposentada, que trabalha com revenda de produtos.
Conversamos com Tânia, Rosi e Mauricéia sobre essa maturidade sem filtros. Sob diferentes perspectivas, elas abriram o jogo de como o envelhecimento pode ser sinônimo de independência e reinvenção, embora revelem que, muitas vezes, há um descompasso entre mente e corpo – a vitalidade já não é mais a mesma, mas a criatividade está a mil. As três mulheres compartilham sua busca pelo equilíbrio, como lidam com as mudanças no corpo, na rotina e com as dificuldades que cruzam seus caminhos, sem romantizar a nova fase. Elas querem experimentar, cada uma a seu jeito, uma maturidade real, com muito bem-estar e repleta de descobertas.
Reinvenção profissional
O trio compartilha do mesmo desafio: encarar o fim do ciclo profissional como uma oportunidade de reinvenção. Elas apontaram esse período como um dos momentos mais difíceis na maturidade, até porque pertencem a gerações que batalharam para a mulher conquistar espaço no mercado.
Coordenadora da série Revolução 50+, focada na reinvenção dessa faixa etária no ramo profissional e pessoal, Andréia Roma explica que há, sim, uma invisibilidade da mulher madura no mundo corporativo. E um dos caminhos para seguir realizada na maturidade é abusar a criatividade e traçar novos planos.
— É uma forma de trazer propósito, de não se desligar da profissão. Não podemos negar que ainda há um preconceito no mundo corporativo. Até por isso muitas acabam vendo o empreendedorismo como um espaço para seguir colocando em prática o que se sabe e que se gosta, mas de outra forma — avalia a CEO da Editora Leader.
Quando seu ciclo se encerrou na TV, Tânia lembra que sentiu o chão desaparecer. Mas, por outro lado, foi o empurrão que ela precisava para se redescobrir:
— Foi a coisa mais punk, pior do que uma separação, quase uma morte. Me abateu porque era uma fase legal da minha vida que estava acabando. Olhando para trás, vejo que teve seu lado bom. Me ajudou a me dedicar a outras coisas.
Rosi precisou deixar a profissão por questão de saúde, mas a dor de perder o emprego foi intensa:
— Chorei muito, sei que foi um gatilho para a depressão. Amava meu trabalho, fazia bem, era a minha independência. Precisei mudar meu foco, e os grupos de maturidade ajudaram nisso.
O apoio da rede de afeto
Quando se aposentou da TV, Tânia conta que segurou a barra com o apoio da família e de amigos. Por isso, conseguiu enxergar o lado bom das mudanças sem tanto sofrimento. Mauricéia encontrou na conexão com as amigas e com a família a parceria para viver a tão sonhada liberdade. Rosi viu nos grupos de mulheres maduras o impulso para sair de depressão, descobrir a paixão pela dança e olhar a vida com mais leveza. A solidão que a maturidade pode trazer precisa ser combatida em rede. Aprender a curtir a própria companhia é importante, mas se conectar, se sentir amada e com laços fortalecidos é essencial para o bem-estar. A relação com os netos, por exemplo, mesmo que a distância, ganha ainda mais importância conforme o tempo passa. Tânia, Rosi e Mauricéia são avós apaixonadas e exaltam a conexão com seus netos.
— A solidão dessa faixa piorou na pandemia. Mas hoje a tecnologia está muito mais próxima, essa rede online, relações virtuais, ainda mais nesse momento. Usam o WhatsApp, fazem reunião virtual, riem, se divertem, viajam dentro de casa mesmo. É essencial para se sentir bem nessa fase — afirma a geriatra Marianela Flores de Hekman.
Mauricéia, por exemplo, conta que a pandemia fez ela se virar nos 30 para aprender a usar o smartphone com mais destreza e se jogar nas videochamadas.
— É desafiador. Sou uma mulher de 60 anos e, naturalmente, tenho mais dificuldade com a tecnologia, só que me obriguei a me atualizar. Agora, faço até compra online, pago conta, uso Netflix, Globoplay — conta.
Rugas, fios brancos e corpo
As marcas da passagem do tempo podem ser implacáveis. Mais flacidez, rugas, menos colágeno: tudo isso é real, mas não é o que tira o sono de Tânia e Rosi. Elas se dizem bem-resolvidas, vaidosas e adeptas de cuidados sem exageros.
— Fiz plástica quando era jovem (risos), mas hoje não é algo que passa pela minha cabeça. Sou o que sou, e é uma fase de libertação. Se aos 78 anos não me sentir liberta desses padrões, não sei o que valeu a pena. Temos que superar algumas coisas para poder viver outras etapas. Senão, ficamos estagnadas — defende Tânia.
Fiz plástica quando jovem, mas hoje não é algo que passa pela minha cabeça. Sou o que sou, e é uma fase de libertação. Se aos 78 anos não me sentir liberta desses padrões, não sei o que valeu a pena.
TÂNIA CARVALHO
jornalista, 78 anos
Recém-chegada aos 60, Mauricéia confessa que ainda está aprendendo a conviver com as neuras e a saudade de um corpo jovem. Ela se sente confiante para usar uma peça curta. Mas isso não quer dizer que esteja satisfeita com o que vê no espelho.
— Não é um processo natural. Olhar para mim escancara o envelhecimento, a flacidez, a lei da gravidade, os fios brancos. É uma relação conflituosa — explica. — Sigo vaidosa e tento pensar que não tenho do que me queixar nas limitações físicas. Tenho energia e um corpo saudável, é o mais importante.
Encontrar meios de manter a autoestima elevada são desafios para algumas mulheres após os 50. A escritora Lígia Posser, pós-graduada em gerontologia e autora do livro Idosos e Espiritualidade: o Despertar para uma Vida Saudável, Longeva e Plena, defende que elas precisam sair do piloto automático, realinhar as expectativas e buscar o equilíbrio:
— Saúde, energia vital, autocuidado, isso leva a repensar a relação com a autoimagem. O problema é quando o rejuvenescimento se torna paranoia. Precisamos nos acolher. Isso passa por buscar o autoconhecimento, encarar as crenças limitantes, ressignificar o que quero para o futuro. Não é fácil, mas é possível.
Nessa pegada, o cabelo branco, por exemplo, ganha mais força como símbolo do envelhecimento real. A contragosto de alguns palpiteiros, Tânia assumiu os fios grisalhos num processo que começou há cerca de três anos. E se sente linda:
— Muita gente me chamava de louca. Só que estou orgulhosa, me sinto mais segura do que quando era refém de pintar a raiz. É um marco da maturidade, foi um presente que dei para mim mesma.
Saúde em foco
O corpo envelhece e os sinais aparecem, não há como escapar. Em alguns casos, como o de Tânia, não há maiores percalços. Em outros, como o de Rosi, é preciso buscar ajuda médica para não deixar as dores tomarem conta:
— A saúde fica mais frágil, é inegável. Mesmo assim, estou a mil.
A mulher precisa entender que não é mais quem era. É preciso ter consciência corporal, acolher a idosa que está ali dentro. Assim, é possível reajustar as posturas de vida.
LÍGIA POSSER
escritora
A especialista Marianela, que integra a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (Seção RS), explica que, principalmente após a menopausa, por volta dos 50 anos, as mulheres costumam sentir mais mudanças no corpo e no humor. Há um desgaste natural, e muitas começam a apresentar dores que não tinham antes, como nas articulações.
— Algumas vão sentir mais o limiar da dor e precisam de ajuda médica para não conviver com isso todo os dias. Pode até ter alguma relação com a ansiedade, a tensão, a depressão. É um quadro que é preciso encarar de frente, com prevenção, para buscar o bem-estar — pontua a geriatra.
Tempo de se redescobrir
Quem acompanha Tânia desde da época da TVCOM, ou em seus comentários na Rádio Gaúcha, sabe que ela é uma leitora voraz. E uma de suas metas após deixar a TV era justamente essa: ler mais. A jornalista passou a priorizar ainda mais seu bem-estar, e isso inclui dedicar tempo fazendo o que gosta:
— Hoje, trabalho menos, posso ficar lendo por horas e mais horas. É um prazer para mim, adoro, entro na madrugada lendo. Também pude me dedicar mais ao trabalho voluntário. Tempo é luxo — define.
Rosi se descobriu uma apaixonada pela dança após uma passagem conturbada pelos 50 anos. Foi nessa época, ela relembra, que sofreu com o agravamento da artrite reumatoide, precisou parar de trabalhar em razão da doença, encarou as mudanças corporais da menopausa e, se não bastasse, havia passado por uma separação recentemente. A depressão tomou conta da vida da esteticista.
Para resgatar a autoestima, decidiu que precisava se conectar com outras mulheres. E foi aí que virou o jogo: passou a frequentar grupos de maturidade e se descobriu uma dançarina. Também se deu conta de que amava cantar e começou a participar de corais. Hoje, se dedica com mais afinco à dança cigana.
— Não é só dança, é crescimento artístico, estímulo, conversamos, compartilhamos. É sobre envelhecer bem. Quando a gente se realiza fazendo aquilo, se apaixona, dá vigor. Me senti acolhida por professores e colegas, fiz amigas, participei de show de talentos ao longo dos anos. Mesmo com a dor por causa da artrite, dançar me faz bem. Vou no meu limite, mas é o que me dá alegria — pontua Rosi.
Chorei muito, deixar meu emprego foi um gatilho para a depressão. Amava meu trabalho, era a minha independência. Precisei mudar meu foco, e os grupos de maturidade me ajudaram.
ROSI CORRÊA
68 anos
Mauricéia também se conectou ainda mais com as amigas na mesma época. Passou a priorizar o café da tarde com as gurias, as viagens entre mulheres, as escapadas para curtir o mundo com o marido e as boas risadas. Virou uma turista de carteirinha, emendando uma viagem atrás da outra. A aposentada avalia que há uma sensação de libertação justamente porque casou cedo, aos 16 anos, no interior do Paraná. Aos 21, já tinha três filhos. Separou-se logo depois, mudou de cidade, batalhou para criar as crianças com a ajuda da mãe.
Foi na área de vendas que conheceu o atual marido gaúcho – eles moram em Porto Alegre há mais de 25 anos. Mauricéia foi gerente de uma grande rede de lojas, e cursou Administração depois dos 40 anos. A vida já era corrida, mas ficou ainda mais complicada quando foi demitida e descobriu um câncer, tudo pouco antes dos 50. Venceu a doença e precisou se reinventar.
— É uma juventude tardia, quero aproveitar. Saio com meu marido, com as amigas, gosto de ir a eventos, viajar. Sempre foi a família, o trabalho, os filhos. Agora é a minha vez — diz Mauricéia.
Elas não param
Sim, o pique não é mais o mesmo, e elas adaptaram a rotina para evitar correrias. Tânia abriu mão de compromissos pela manhã e tenta organizar a agenda para fazer “tudo com calma”. Rosi respeita os limites do corpo para seguir dançando. Mauricéia diz que entende cada vez mais quando o organismo precisa de uma parada: uma boa noite de sono, um dia de descanso para recarregar as baterias. Ela ainda revela que não abre mais mão de anotar tudo, já que a memória está falhando.
Não me sinto velha, mas sei que estou envelhecendo. Essa virada dos 60 me trouxe uma versão mais light, tento encarar as coisas com leveza. E sigo querendo aproveitar.
MAURICÉIA SANTOS FARIA
60 anos
— A mulher precisa entender que não é mais quem era, não consegue fazer tudo tão rápido, não vai dançar a noite inteira e achar que o corpo vai aguentar. É preciso ter consciência corporal, acolher a idosa que está ali dentro. Assim, é possível reajustar as posturas de vida — explica a escritora Lígia.
E esses pequenos ajustes no dia a dia estão longe de impactarem os planos desse trio. Tânia promete ser cada vez mais fiel aos seus prazeres da leitura. Também segue firme nas aulas de inglês:
— Já fiz tudo de melhor que alguém poderia ter feito, não tenho arrependimentos nem limites. Quero seguir me desenvolvendo.
Mauricéia está com viagem marcada com as amigas assim que a pandemia der uma trégua:
— Vou procurar o que me deixa feliz. Esse é meu maior objetivo.
Rosi é ainda mais ambiciosa. Na pandemia, mergulhou nos estudos para realizar um sonho: cursar Turismo. Quer mais? Também planeja escrever uma biografia.
— Quero colocar as memórias no papel e deixar para a minha família, para as netas saberem da origem da avó, tenho raízes indígenas — diz. — Ficar em casa sem perspectiva é ir morrendo aos poucos. Não sou assim, essa velhice não existe mais. Sou otimista e traço planos para o meu futuro.