De tempos em tempos, novas substâncias ou novos cosméticos caem nas graças do público como alternativas nos cuidados com a pele. Impulsionados pelas redes sociais e nos relatos de celebridades e influenciadores digitais, alguns produtos chamam atenção não só pela suposta eficácia como também pela estranheza.
Entre as tendências que vêm ganhando um "boom", especialmente no TikTok, estão a utilização de sebo bovino como a promessa de hidratação e controle de acne, a presença do muco de caracol — aquela "gosma" deixada pelos moluscos — em cosméticos e a aplicação de excrementos de rouxinol na face. Essa última, inclusive, rendeu a publicação de uma nota por parte da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) recentemente, alertando para os riscos do uso indevido dessa substância.
Além desses, outros produtos também chamaram atenção no passado, como soluções à base de placenta ou de veneno de cobra e procedimentos estéticos que faziam a utilização do próprio sangue.
De acordo com a médica dermatologista Rosemarie Mazzuco, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia Secção Rio Grande do Sul (SBDRS), é importante reconhecer que, embora esses elementos possam ser promovidos como ingredientes na fabricação de cosméticos em alguns contextos, é preciso ter cuidado. O motivo se dá pela escassez de evidências científicas em torno do uso e dos possíveis riscos à saúde em virtude dessas substâncias, e também por, muitas vezes, envolverem práticas questionáveis de fabricação.
— A indústria frequentemente busca ingredientes não convencionais devido a sua capacidade de gerar interesse e curiosidade no consumidor. Substâncias como veneno de cobra, gorduras e mucos de animais têm sido associadas a esses benefícios principalmente em termos de hidratação, regeneração e até mesmo redução de rugas. No entanto, é crucial lembrar que a eficácia e a segurança dessas substâncias pode variar amplamente, e nem sempre são apoiados por evidências científicas robustas — reflete a especialista.
Sebo bovino
A utilização do sebo bovino no rosto como técnica de hidratação e controle de acne é uma onda que vêm chamando atenção no TikTok, majoritariamente entre criadoras de conteúdo norte-americanas. Para algumas, a substituição de ativos convencionais pela gordura pura do animal foi um fator determinante para a obtenção de resultados satisfatórios.
A repercussão da técnica movimentou o compartilhamento de diversas experiências entre usuários, que podem ser encontrados em hashtags como #beeftallow e #beeftallowskincare na rede social.
Rosemarie revela que a substância é inserida em alguns produtos por conta da capacidade de hidratar e formar uma barreira protetora, além de conter ácidos graxos e antioxidantes. Entretanto, o sebo, se utilizado "sozinho" pode apresentar impurezas e aumentar o risco de efeitos colaterais indesejados, como irritação, obstrução dos poros, alergia, infecções e até problemas mais severos por conta da falta de estudos científicos.
— É importante ressaltar que a eficácia varia de pessoa para pessoa e nem todos os indivíduos podem se beneficiar da mesma forma. Recomenda-se sempre consultar um dermatologista para avaliar as necessidades individuais da pele e determinar o tratamento mais adequado — afirma.
A dermatologista também destaca a importância da orientação profissional antes de iniciar qualquer novo tratamento ou fazer uso de um novo produto na pele, especialmente quando envolve ingredientes menos convencionais.
Muco de caracol
Presente nos cremes, máscaras e séruns, o muco de caracol, aquela "gosma" deixada pelos moluscos, é outro elemento que gera estranheza. Com o crescimento do mercado e da fabricação de produtos à base dessa substância na Coreia do Sul, ele se tornou um fenômeno.
A justificativa para a aplicação da secreção em produtos para a pele é de que a substância auxilia na redução de linhas de expressões, no aumento da elasticidade da pele, na cicatrização de feridas, na redução de estrias e até mesmo na diminuição de acnes.
No Brasil, a influenciadora digital Malu Borges chegou a citar que um de seus hidratantes faciais favoritos possui o item "bizarro" na composição.
Mas, assim como o sebo bovino, é importante frisar que mais pesquisas são necessárias para confirmar os benefícios dessa substância.
— A secreção de caracol é geralmente considerada segura para uso na pele, desde que provenha de fontes confiáveis e seja utilizada em concentrações apropriadas. Em circunstâncias controladas e sob a supervisão de profissionais qualificados, cosméticos contendo secreção de caracol podem ser seguros para a maioria das pessoas — explica Rosemarie Mazzuco.
Excrementos de rouxinol
Existem institutos de beleza que oferecem a aplicação de uma máscara facial feita de excrementos de rouxinol. Ou seja, fezes de pássaros. Também especula-se que celebridades como o ator Tom Cruise, a estilista Victoria Beckham, esposa do ex-jogador de futebol David Beckham, e o cantor Harry Styles fazem ou já fizeram o uso de cremes com esse ingrediente com o objetivo de adquirir o rejuvenescimento da pele.
Rosemarie destaca que, até o momento, poucos estudos foram conduzidos para investigar os efeitos específicos dessa substância na pele humana, e que os resultados disponíveis são limitados e inconclusivos:
— Embora não haja evidências conclusivas sobre os benefícios, há preocupações sobre os potenciais riscos associados ao seu uso. A principal está relacionada à possibilidade de contaminação bacteriana, uma vez que as fezes de aves podem conter microrganismos patogênicos que podem causar infecções cutâneas ou reações alérgicas. Além disso, o processo de preparação desses produtos pode envolver ingredientes adicionais que podem irritar a pele sensível.
Como escolher um cosmético da forma correta
A dermatologista indica que a melhor maneira de saber se um material ou substância tem comprovação e eficácia científica suficiente para ser aplicado na pele é consultar fontes confiáveis, como dermatologistas, estudos científicos revisados por pares e órgãos reguladores de saúde.
Outro aspecto importante, segundo Rosemarie, é estar ciente de que nem todos os produtos anunciados como "naturais" ou "orgânicos" são necessariamente seguros e eficazes.
— Ao fazer a escolha, é essencial considerar fatores como tipo de pele, preocupações específicas (como acne, envelhecimento ou sensibilidade) e ativos presentes na formulação. Recomenda-se optar por itens dermatologicamente testados, livres de fragrâncias e corantes artificiais, e seguir sempre as orientações de uso fornecidas pelo fabricante. É fundamental realizar testes de alergia e sensibilidade sempre que possível, especialmente ao experimentar novos produtos ou ingredientes — explica.
No Brasil, substâncias não convencionais, como as citadas anteriormente, podem ser utilizadas em cosméticos desde que estejam em conformidade com as regulamentações determinadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão é responsável por regulamentar e fiscalizar a fabricação, comercialização e uso desses produtos no país, garantindo que atendam aos requisitos de segurança, eficácia e padrões de qualidade.
Dessa forma, para que os produtos cheguem às prateleiras de farmácias e drogarias para comercialização, é preciso passar por uma avaliação e por um registro junto à entidade, em que são analisados aspectos como composição, formulação, rótulo, indicações de uso e evidências de segurança. A Anvisa também estabelece limites de concentração para certos ingredientes e proíbe o uso de substâncias consideradas prejudiciais para a saúde.
Para Rosemarie, optar por cosméticos formulados com elementos que possuem estudos robustos por trás é a escolha mais sensata para a saúde e o bem-estar da pele, considerando que há alternativas no mercado com segurança e eficácia cientificamente comprovadas.
— Existem inúmeros ingredientes cosméticos comprovados e seguros, como ácido hialurônico, retinol e antioxidantes, que oferecem benefícios reconhecidos. Optar por substâncias menos convencionais pode representar um desperdício de recursos e tempo, quando há opções mais confiáveis disponíveis — avalia.
*Produção: Carolina Dill