Quem navega pelas redes sociais como o TikTok e o Instagram já deve ter se deparado com vídeos de crianças fazendo o famoso Get Ready With Me (se arrume comigo, em português). Muito comum entre influenciadores, os vídeos mostram produtos novos e técnicas usadas na rotina de cuidados com a pele, maquiagem e roupas. Agora, cada vez mais crianças têm aderido aos cuidados de skincare.
O movimento ganhou até nome nos Estados Unidos, o Sephora Kids, já que as crianças frequentam a loja para comprar e usar os cosméticos. O que chama atenção, no entanto, são os produtos utilizados pelas crianças, que têm aderido a fórmulas para peles mais maduras, incluindo o uso de ativos com ácidos.
De acordo com a psicóloga Julia Pedroni, especialista em educação parental, esse movimento pode ocorrer em função da influência das redes sociais e do consumo de conteúdos sem a supervisão de um adulto:
— A criança sempre vai observar o comportamento do adulto que convive com ela. Em algum momento, ela vai reproduzir isso. Precisamos entender se essa criança está se divertindo, se ela brinca de fazer maquiagem e de fazer skincare, se ela usa isso para socializar ou se isso virou uma necessidade. Se virou uma necessidade, precisamos intervir, porque essa necessidade pode esconder uma busca por aprovação e a baixa autoestima — destaca a psicóloga.
Nesses casos, é importante que pais e responsáveis estejam atentos aos conteúdos consumidos pela criança na internet e pelos comportamentos que possam ocorrer. Júlia afirma que se o uso da maquiagem e dos produtos de beleza virou um hábito e se a criança não sai mais de casa sem utilizar, é preciso entender o que motiva esse comportamento e se prejudica o dia a dia.
Um adulto precisa estar junto para entender o que que essa criança está buscando, o que está consumindo desse conteúdo e, também, para limitar ou para intervir em algum momento quando percebe que passou do limite.
JÚLIA PEDRONI
Psicóloga
— As crianças estão num mundo em que elas não têm maturidade para saber até onde vai o limite e até onde elas podem usar esse conteúdo ou não. Então, um adulto precisa estar junto para entender o que que essa criança está buscando, o que está consumindo desse conteúdo e, também, para limitar ou para intervir em algum momento quando percebe que passou do limite e que essa criança está usando isso como uma necessidade para compensar a baixa autoestima — explica.
Por isso, Júlia destaca que é necessário prestar atenção na frequência e na intensidade que os itens de beleza estão inseridos no cotidiano da criança. Ela aponta que, se a criança usa os produtos para se divertir e de forma esporádica, não há problemas e, inclusive, pode ajudar a estimular a criatividade.
— Quando vira uma rotina e quando percebemos que essa criança não sai de casa sem maquiagem, ou quando percebemos que a criança fica triste porque ela não conseguiu se arrumar antes de sair de casa, ou até fica com vergonha de aparecer para as outras pessoas porque ela não conseguiu passar maquiagem, acho que já é hora de intervir. Já virou uma tentativa de buscar aprovação — completa a psicóloga.
Assim, Júlia indica que pais e responsáveis procurem entender o que está por trás da vontade de usar produtos de beleza, se é influência de redes sociais e blogueiras, se é busca por aprovação, ou se é por gosto. A psicóloga sugere que o diálogo seja mantido com as crianças e que elas tenham espaço para que dividam seus sentimentos.
Produtos de beleza na infância: o que pode e o que não pode
Uma dúvida recorrente dos pais é o que a criança pode ou não usar na pele. Afinal, há uma infinidade de produtos no mercado. No entanto, a médica dermatologista e professora de medicina na Universidade de Caxias do Sul (UCS) Patrícia Bolson indica que a faixa etária na embalagem do produto é um bom sinal para entender o que pode ou não ser aplicado na pele da criança. Ela destaca que o interesse pelo autocuidado, mesmo desde cedo, é algo positivo, quando feito de forma correta:
— Um ponto positivo é as crianças terem a noção de autocuidado desde cedo. Eu acho isso muito importante, mas parece que foi se perdendo. Começaram a usar os produtos das mães, ou os produtos de propagandas, das redes sociais. O que tenho visto no consultório é a dermatite de contato, porque a pele da criança não é igual a pele do adulto. Ela está em formação, então sensibiliza muito mais — explica a médica.
Quando usados da forma errada, ou para idades não indicadas, os produtos podem causar efeitos indesejados, como oleosidade excessiva e acne precoce. Assim, o ideal é que os pais que tiverem a oportunidade levem as crianças numa consulta com um médico dermatologista, que poderá avaliar se a pele tem alguma necessidade de medicamento ou ácido.
— Usar produtos não indicados para a idade pode causar doenças de pele, como a dermatite de contato ou até uma queimadura química, que pode acontecer, e infeccionar em cima. Por isso, a gente tem que fazer uma orientação do que pode e o que não que não pode usar. Cada pele é uma pele, então o produto para menina de nove anos pode ter sido muito bom e para outra causar uma dermatite — destaca Patrícia.
Para crianças até os 12 anos, a regra é utilizar produtos kids ou baby. Isso vale para sabonetes, cremes hidratantes, protetores solares e repelentes, segundo a médica.
Para as adolescentes, acima dos 12 anos, as indicações são diferentes, já que os produtos não precisam mais ser kids ou baby. Patrícia destaca alguns cuidados para essa faixa etária:
- Nunca usar produtos com ácidos e derivados, como retinol, ácido retinóico, ácido glicólico e ácido salicílico, sem orientação, porque podem causar irritação grave na pele;
- Hidratantes calmantes em sérum ou loção com textura leve podem ser usados pela manhã antes do filtro solar e à noite;
- Optar por sabonetes calmantes e lavar a face pela manha e à noite;
- Cuidar com cleansing oil, pois podem causar acne;
- Usar filtro solar diariamente. Optar pelos filtros de textura leve para não causar acne;
- Cuidar com as máscaras, podem causar irritação na pele ou oclusão dos poros, causando acne;
- Se tiver acne ou irritação, necessita avaliação do dermatologista para indicação do tratamento específico.
Para não ter problemas e até desenvolver doenças de pele, a regra geral é usar produtos infantis, tanto de maquiagem, quanto esmaltes e itens de skincare. Esses produtos podem ser removidos da pele com água e são aprovados pela Anvisa, garantindo mais segurança ao usuário.
— A rotina de higiene e de proteção solar, eu considero que é necessária. Pode usar um hidratante, que seja infantil à noite, por exemplo, e o filtro solar de manhã, que é o que é seguro para fazer sem orientação médica — completa.
No dia a dia, o desafio
Lidar com os desejos de consumo de uma criança, seja em relação aos produtos de beleza ou outros itens, é um desafio para muitos pais. Para a psicóloga Thaís Duarte, o desafio é quadriplicado. Mãe de quatro meninas, ela conta que desde sempre, cada uma das filhas teve sua nécessaire de produtos, sempre de acordo com a idade. Com três filhas ainda crianças em casa, Thaís incentiva a rotina de cuidados pessoais de forma saudável.
— Eu tenho uma filha de 23 anos, uma de 14, uma de cinco e uma bebezinha de oito meses. Eu tento sempre respeitar cada uma delas, no sentido de que tem as que gostam mais de se arrumar, tem a que não gosta muito... E eu tento sempre respeitar essa parte delas. Hoje, a de 23 anos já não mora mais comigo, mas a de 14, que é uma adolescente, começou a usar maquiagem há bem pouquinho tempo, eu sempre deixei muito livre — conta.
O cuidado com seu próprio corpo sempre foi uma preocupação de Thaís com as filhas. Ela relembra que, desde sempre, incentivou que as meninas usassem hidratante pós-banho, cuidassem do cabelo, entre outros. A opção foi montar um kit para cada uma com o que elas podem usar, mas sempre com itens comprados pela mãe.
— Eu sempre busco explicar quando uma coisa não é para a idade delas. Minha filha mais nova, de cinco anos, queria um batom rosa bem escuro, mas que não é para a idade dela. Eu tento mostrar aquilo que ela pode comprar para a idade dela. Para a de 14, eu já explico que ela não precisar carregar na maquiagem, a não ser que vá numa festa — explica Thaís.
Quando os pedidos são de produtos que a mãe não conhece, ou não sabe para que servem, a solução é, juntas, pesquisarem sobre e entenderem se é adequado ou não.
— Como elas são acostumadas desde pequenas, elas vão me pedindo se isso pode ou não e a gente olha juntas. Às vezes, elas me pedem coisas que eu nem sei o que é, que viram na internet, viram num vídeo. Então, geralmente, eu faço uma pesquisa com elas. Eu nunca vou dizer que alguma coisa não pode, mas que vamos tentar entender juntas — comenta.
Para além dos produtos de beleza e de cuidados pessoais, a preocupação de Thaís é que as filhas entendam que a beleza não depende só disso. Por isso, ela conta que sempre se preocupou em ressaltar o que cada uma delas tem de bonito, o estilo de cada uma e o jeito de ser.