Quando os primeiros japoneses decidiram imigrar para outros países, como Brasil e Peru, certamente não imaginavam as misturas interculturais que a gastronomia deles ganharia. Com o passar do tempo, e a partir de muitas influências, a culinária passou a receber novos sabores e adaptações.
Assim surgiu a Fusion Food (do inglês, cozinha de fusão), que nada mais é do que essa mistura de técnicas e ingredientes. Uma verdadeira troca de experiências que cria novas versões de receitas tradicionais. A gastronomia japonesa no Brasil muito se apropriou desse conceito, adicionando outros insumos que não são comuns no Japão, como frutas e cream cheese.
Em Porto Alegre, não seria diferente. Luis Yagui veio para a Capital há nove anos e trouxe a culinária Nikkei, técnica que utiliza a base da gastronomia japonesa e adiciona sabores e temperos do Peru. O chef peruano comandou as cozinhas do 300 Cosmo Dining Room e do Zero Sen. Hoje, está à frente do Coya8, restaurante que oferece uma experiência baseada na confiança. O sistema da casa é de menu degustação omakase, que significa deixar na mão do chef as escolhas do jantar.
— O paladar brasileiro está acostumado com pratos mais temperados e, em Porto Alegre, o sushi é bem abrasileirado, provavelmente muito mais do que em outras cidades como São Paulo. Talvez esse seja um dos motivos para a culinária Nikkei ter sido tão bem aceita — acredita o chef.
Um dos fatores que mais une as duas cozinhas é a valorização de cada ingrediente. Tanto no Japão quanto no Peru, é extremamente importante que o peixe seja fresco e, de preferência, local. Para o ceviche tipicamente peruano, por exemplo, Luis ressalta que o ideal é que não demore mais do que sete minutos entre o tempo de preparo e de chegar à mesa.
A sazonalidade sempre foi um dos pontos mais cruciais na culinária japonesa. Os chefs sempre irão preferir os peixes da estação ou, então, o clássico atum. Esse é um dos motivos para que o salmão não seja o mais utilizado no Japão.
O sushi se consolidou em Tóquio, entre os anos 1603 e 1868. Como não existia refrigeração na época, os peixes tinham que ser frescos, limitando-se àqueles que habitavam a Baía de Tóquio – o que não era o caso do salmão. Embora o peixe sempre esteve presente na culinária do Japão, nunca foi consumido cru e, sim, grelhado, cozido ou frito, justamente para evitar o risco de estar contaminado.
Apenas quando a Noruega passou a criar o salmão em cativeiro, para resolver os problemas de possíveis contaminações e exportar para outros países, os japoneses começaram a inserir o peixe norueguês na sua cozinha.
Além da gastronomia peruana, a Fusion Food também possibilita a união de outras culinárias. O Mizu trouxe essa proposta de fazer uma fusão entre as cozinhas oriental e europeia, usando ingredientes característicos da gastronomia gaúcha. A ideia, segundo o proprietário Junior Pirovano, era fugir do que a cidade já conhecia sobre japoneses. A sequência da casa traz peças tradicionais, porém, com apresentações diferentes, acrescentando molhos inusitados, como o mel de bergamota.
— Queremos que o cliente vá ao Mizu e não pense que está apenas em mais um restaurante. Queremos que a pessoa frequente outros restaurantes, mas sempre lembre do Mizu pelos sabores únicos que a gente propõe lá — ressalta o empresário.
RESPEITO AO TRADICIONAL
Para que esse movimento de fusão se consolidasse mundo afora, foi necessário que restaurantes tradicionais se estabelecessem antes. O Daimu mantém rigorosamente as receitas clássicas. A equipe é composta, na sua maioria, por japoneses e descendentes de 1ª geração, com formação e experiência no Japão.
— Nós valorizamos e preservamos as tradições japonesas, para que o cliente se sinta realmente no Japão. Se eu for fazer um corte do niguiri, ele tem que ser dentro do que foi criado, não tem como mudar isso — explica Ana Paula Tone, sócia-administrativa do Daimu.
Grande parte das receitas presentes no cardápio da casa foram criadas pela matriarca da família, Miyuki Miyamoto, como o tempurá e o recheio do guioza. Até hoje, dona Miyuki faz o controle de qualidade para saber se os pratos estão saindo como devem ser.
Seja os tradicionais ou os que apostam em ingredientes inusitados, todos seguem a mesma base da gastronomia japonesa. Luis Yagui, por exemplo, conta que segue rigorosamente a receita de arroz que aprendeu com seus avós japoneses.
Já o sócio no Mizu afirma que só é possível criar novas versões, se tiver conhecimento total da original.
— É muito importante que a gente conheça o tradicional e saiba como foi criado, para que possamos fazer adaptações, sem perder a essência — acredita Junior.
A culinária japonesa ganhou remodelações para o paladar brasileiro, mas a verdade é que sempre tem espaço e público para mais um bom sushi, seja ele tradicional ou fora do convencional.