Aos 26 anos, e com uma curta carreira de quatro anos, Bianca Lima foi a grande vencedora da etapa brasileira do World Class Competition, considerado o maior concurso de coquetelaria do mundo.
Há pouco mais de três meses em Porto Alegre, a jovem comanda o balcão do Wills Bar e é protagonista na expansão do estabelecimento, que se prepara para inaugurar sua nova unidade no projeto Embarcadero, no Cais Mauá. Bianca também já liderou bares como o Caulí Bar e Mule Mule Muleria, em São Paulo.
Um dos drinks apresentados por ela na final nacional propunha o encontro entre a trajetória de Johnnie Walker, que percorreu o mundo para propagar o seu whisky, e a história de uma das criaturas mais interessantes do folclore brasileiro, o Curupira. Em função da pandemia, a competição ocorreu em formato online. Agora, a bartender representará o Brasil na etapa mundial, que ocorrerá entre os dias 4 e 8 de julho.
Conversamos com a Bianca sobre a carreira de bartender e, claro, sobre o universo dos drinks.
Você é formada em Design de Moda. Quando começou a se interessar pela coquetelaria e como foi o seu início de carreira?
Estudei Design de Moda por muitos anos, trabalhei um pouco na área e, quando fiquei desempregada, acabei indo trabalhar como garçonete em um restaurante. Eu olhava para dentro do bar e via as pessoas fazendo misturas. Fui ficando cada vez mais interessada. Muitas vezes, experimentava um ingrediente ou outro e pensava: “Que legal, eu quero aprender isso, eu quero saber por que as pessoas são tão felizes em fazer isso”. Insisti bastante para me ensinarem e comecei a trabalhar no bar. Depois disso, fui procurar um curso, porque precisava ter uma formação mais profunda. Fiz um curso da Diageo e assisti aos vídeos do World Class, mas nunca me imaginei nessa posição. Sempre quis, mas não achei que seria tão rápido.
De onde vem a criatividade para criar os drinks autorais? No que você se inspira?
Para os drinks autorais, costumo sempre tentar trazer alguma história relevante, que seja cultural ou que apresente uma mensagem. Em um dos coquetéis do World Class, trabalhei o conceito de liberdade. Na final, escolhi a cultura popular brasileira. Tentei trazer isso para manter nosso DNA. Normalmente, escolho primeiro o tema e sobre o que eu vou falar e, então, vou procurando ingredientes que façam sentido.
Como foi a sua preparação para o World Class Brasil? Você já está pensando na etapa mundial?
Existem muitos campeonatos de coquetelaria no Brasil e no mundo. Mas o World Class é realmente diferenciado: procura mais do que o melhor coquetel, busca conhecer e desenvolver as habilidades de um bartender. Não é só fazer uma bebida. Já estou me preparando para a final global. Ainda não saiu nenhum desafio, não tive nenhuma diretriz, mas preciso apresentar em inglês, então, estou tendo aulas e conhecendo um pouco mais do portfólio das bebidas para deixar tudo na ponta da língua.
Como você vê a representatividade das mulheres neste universo?
Eu acredito que hoje não dá mais para a gente dizer que é uma área masculina. Eu cheguei a Porto Alegre e tive a oportunidade de visitar alguns lugares. Vi que tem um monte de mulher fazendo trabalhos incríveis. É muito bom ver que muitas mulheres, antes de mim, já vêm abrindo portas, derrubando alguns muros. Vou fazer o que eu puder para continuar esse legado, tanto dentro dos bares como do lado de fora do balcão, para que a gente tenha liberdade, reconhecimento do nosso trabalho e, principalmente, esteja nos campeonatos.
Para você, o que significa ser eleita a melhor bartender do Brasil?
Ainda não caiu a ficha. Estou aqui olhando para o troféu todos os dias de manhã. Tenho pouco tempo de estrada, mas acredito que o trabalho que desenvolvi até aqui foi muito bem consolidado. Foi muito duro, não foi sorte. Não é fácil deixar de fazer as coisas, de estar com a família, com os amigos, para realmente se dedicar ao trabalho. Acredito que, quando você se empenha, o reconhecimento vem. Não me vejo de uma forma diferente, como a melhor bartender do Brasil. Tem muita gente fazendo um bom trabalho, cada um à sua maneira. Acho que assim vamos crescer juntos.
Qual o segredo para ser uma boa bartender?
É necessário muito estudo e trabalho. Existem muitos materiais, livros de coquetelaria, dá para aprender técnicas. Mas a técnica não vale de nada se não existe a prática. Ser um bartender é muito mais do que estar ali fazendo um drink, isso é apenas a cereja do bolo. Há muito por trás. Ter uma visão de negócios é importante, por mais que não seja o seu bar, é importante você tomar isso para si, ter cuidado com o lugar em que está trabalhando. Além de atender bem o seu cliente, servir com sorriso no rosto, com felicidade, com prazer. A hospitalidade é uma coisa imprescindível para mim.
Qual o seu drink inesquecível?
Um coquetel que eu ganhei de presente, inspirado em mim. Foi feito por alguém muito especial. Leva gin, licor anisado, figos, limão e um toque de açúcar. É uma delícia, bem perfumado.
Um ingrediente que estraga qualquer bebida.
Enquanto as pessoas gostam de manjericão, hortelã, que são tradicionais, eu uso coentro, salsinha, endro. Gosto de trabalhar com temperos diferentes. Quem olha faz cara feia, mas, se você beber e não gostar, eu bebo (risos). Acho que o gelo é capaz de estragar qualquer coquetel. Ele é o ingrediente mais importante. Você pode fazer uma receita incrível, com equilíbrio incrível, mas se trabalhar com um gelo ruim, ou não souber trabalhar com o que você tem, vai estragar o drink, deixar aguado ou sem atingir a temperatura correta.
Para você, o que não pode faltar em um bom drink?
Um sorriso, mesmo que agora estejamos com ele coberto. Podemos sorrir com os olhos. Seja um sorriso ao entregar o coquetel ou o sorriso da pessoa que o recebeu. Muitas vezes eu fico atrás do balcão só olhando quando o cliente dá o primeiro gole. Quando a reação é um sorriso, eu me sinto completa.
Por fim, uma dica para quem está iniciando na coquetelaria.
Viva esse momento de aprendizado. Muitas vezes, as pessoas querem pular etapas, já querem ir direto fazer coquetéis incríveis como bartender principal. Existe muita coisa para aprender, muita louça para lavar. Você vai estar lá no bar, mas não vai ser um bartender completo se não tiver essa vivência.