História e tradição definem o queijo artesanal brasileiro. Presente no país desde a chegada dos imigrantes portugueses, esse tipo de queijo tem uma receita que passa de geração em geração há pelo menos 250 anos e já se tornou símbolo de nossa cultura.
A premissa do queijo artesanal é ser fabricado com leite cru, diferentemente daqueles produzidos em larga escala pela indústria, em que o principal ingrediente é o leite pasteurizado.
– O leite tem as bactérias que são comuns a ele e ao terroir onde estão localizadas as queijarias. E são elas que vão dar sabor ao queijo quando ele for maturado – explica o jornalista e cineasta Rusty Marcellini, especialista em gastronomia brasileira. – Na pasteurização, o processo acaba matando as bactérias, tirando qualquer sabor que o queijo possa adquirir naturalmente.
A exemplo dos vinhos, a maior parte das características de um queijo é originada na região em que ele é produzido. Tanto a qualidade da água quanto a composição dos minerais do solo, a altitude, o tipo de pastagem e o tipo de gado desenvolvido no local – além das bactérias, claro – são fatores que garantem sabor e acidez ao produto, criando a identidade do queijo. Por isso, os queijos da região Sudeste são diferentes dos da região Sul, que, por sua vez, são diferentes dos do Nordeste.
Entre os principais tipos de queijo brasileiro, segundo Rusty, estão o Serrano, no Rio Grande do Sul, o Canastra, o Serro, o Salitre e o Araxá, em Minas Gerais – que, com cerca de 30 mil famílias envolvidas no processo, é o maior produtor do país –, o Coalho, em Pernambuco, e o Marajó, feito com leite de búfala no Pará.
Fonte de renda para pequenos produtores Brasil afora, o queijo artesanal tem importância econômica, social e cultural. Foi há pouco tempo, no entanto, que o público consumidor brasileiro começou a ter mais informações sobre o assunto, graças a iniciativas de reconhecidos chefs como Alex Atala, Helena Rizzo, André Mifano e Carlos Kristensen, que passaram a servir o queijo artesanal em seus restaurantes – a despeito de uma lei de 1952 que impede que os queijos de leite cru sejam comercializados fora de seu município de origem, a não ser que tenham mais de 60 dias de maturação.
Pessoas ligadas à gastronomia em conjunto com os pequenos produtores têm tentado reverter a legislação sanitária, baseada hoje nos padrões da produção industrial. A ideia é que essas famílias produtoras de queijo consigam adequar-se aos requisitos exigidos e, assim, recebam a certificação exigida para produzir e comercializar seus queijos. Atualmente, o produto é vendido na informalidade quando fora de suas cidades de origem.
– De uns tempos para cá, resolvi colocar o queijo artesanal na mesa e em debate: além de adicionar o ingrediente ao cardápio do meu restaurante, tenho trabalhado em parceria com a Emater em busca da certificação das queijarias. A ideia é proteger o modo de fazer tradicional – defende Carlos Kristensen, chef do restaurante Hashi Art Cuisine, de Porto Alegre. – De qualquer forma, não conheço ninguém que tenha morrido por comer queijo.
Além dos restaurantes, duas lojas em São Paulo têm ocupado seu lugar nessa luta pela valorização do queijo brasileiro. É o caso da Mercearia Mestre Queijeiro, administrada por Bruno Cabral, e da A Queijaria, comanda por Fernando Oliveira, especialista que há sete anos conheceu o mundo do queijo e há dois abriu sua loja na capital paulista, que conta com mais de 150 tipos, de 50 produtores, de 10 Estados.
– Com o apoio da opinião pública e da mídia, aos poucos vamos conseguindo quebrar essa questão. O problema é que apenas fazem retalhos de lei, em vez de criar uma nova que enxergue a produção industrial e artesanal como processos distintos – conta Fernando Oliveira. – Mas o brasileiro já começou a perceber que nossos queijos são produtos diferentes e especiais, que sustentam milhares de famílias. No início da loja, o público tinha certo preconceito, mas agora ninguém mais se assusta com os queijos brasileiros.
A PRODUÇÃO
O processo de produção do queijo começa com a ordenha da vaca, que deve ocorrer na mesma propriedade onde está localizada a queijaria. Em no máximo uma hora, o leite tem que ser coalhado e, depois, receber o pingo – líquido da dessora do dia anterior –, etapa que é característica da produção de Minas Gerais. Em mais ou menos uma hora, o leite coagula e sua massa é separada do soro, cortada, colocada em um molde e prensada, quando o resto do soro será eliminado. Depois é salgado e segue para maturação, onde o queijo vai ganhar identidade e personalidade. A maturação depende muito da região, podendo acontecer em uma semana, 15 dias ou mais.
OS PRINCIPAIS QUEIJOS
Existem centenas de queijos artesanais diferentes Brasil afora. As características mudam de região para região e até mesmo de produtor para produtor. Entretanto, alguns deles têm destaque.
Serrano: Produzido tanto no Rio Grande do Sul, quanto em Santa Catarina, tem sabor suave, que se intensifica com o tempo de maturação. Tem a casca amarela e firme e é mais comum redondo, mas pode aparecer no formato de um tijolo.
Colonial: Feito com leite de vaca, é também produzido na parte sul do país com a receita que veio dos imigrantes italianos. Por fora é amarelo e duro, e por dentro, elástico. O sabor é levemente picante.
Canastra: Com cerca de 20 dias de maturação já está ótimo consumo, e quanto mais curado, mais sabor e picância ele adquire. Tem leve aroma lácteo. É o queijo minas mais conhecido entre os artesanais.
Araxá: Produzido em Minas Gerais, é suave, mas de sabor complexo. Quando maturado, tem casca amarela e sem fissuras e a massa com poucos furos. Quando fresco, é parecido com o Canastra.
Serro: Por ser produzido em um local mais quente de Minas Gerais, costuma ser consumido fresco. Para os maturados, em 15 dias já estão prontos, com casca fina e rígida.
Coalho: Tradicional no Nordeste, mas principalmente em Pernambuco, é um queijo para ser consumido queijo. Sua massa, diferente dos industrializados, não é muito borrachuda e a cor puxa mais para o branco.
Marajó: Esse talvez seja um dos mais inusitados, por ser feito com leite de búfala. Suave, de cor quase branca e de massa compacta, é melhor se consumido fresco.
MEDALHA DE PRATA
Primeiro brasileiro a receber uma medalha no Mondial du Fromage de Tours, realizado na França, Guilherme Ferreira é o responsável pela produção do queijo Canastra que levou a prata na categoria massa prensada não cozida de leite cru de vaca nesse que é um dos principais concursos de queijo do mundo.
Paulista de Limeira, Guilherme faz parte da quinta geração de produtores artesanais de queijo da fazenda Capim Canastra, localizada em São Roque de Minas (MG).
– Assim que me forme em Veterinária, há quatro anos, resolvi resgatar a tradição familiar de produzir queijo. Renovei as técnicas de produção e adequei a estrutura do curral e da queijaria, trienando funcionários. Hoje a nossa produção fica entre 600 e 700 peças ao mês – conta Guilherme.
Em decorrência das alterações que Guilherme fez para adequar a estrutura, a Capim Canastra foi a primeira queijaria da Serra da Canastra a receber o selo do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura. Assim, Guilherme pode vender para o Brasil inteiro seu queijo.
O QUEIJO ARTESANAL EM PORTO ALEGRE
Com origem na época do tropeirismo, quando o homem cuidava do gado e a mulher encarregava-se de dar um destino ao leite, o queijo Serrano é fonte de renda para centenas de famílias gaúchas e catarinenses. É o principal queijo feito com leite cru da região Sul, que conta também com a produção do Colonial.
Em Porto Alegre, o produto ganhou espaço nas mãos do chef Carlos Kristensen, que tem um histórico na valorização do pequeno produtor.
– Queria que todo mundo conhecesse o queijo, é com ele que finalizo meu menu confiança, o principal do Hashi, de tão importante que é para mim – explica Kristensen. – Me tiraram para padrinho do queijo, de tanto que levanto a bandeira e incentivo a produção. Anos atrás, quando comecei a servir o Serrano, me diziam que não se podia comer queijo gaúcho em restaurante top. O que eu queria era isso mesmo, quebrar barreiras.
* Conteúdo produzido por Juliana Palma