Terroir das carnes, o Pampa, localizado entre Argentina, Uruguai e Brasil, tem as condições ideais, de solo e clima, para a pecuária extensiva. O resultado é um bioma tão especial que produz uma carne superior.
Carla Tellini, head chef do Grupo Press, gosta de dizer que o alimento dos rebanhos é o tempero da carne. Dessa forma, nossos campos caracterizados pela vegetação rasteira e pela enorme biodiversidade são, sim, um diferencial que torna as receitas produzidas com carne ainda mais deliciosas pelas bandas do Sul.
O Pampa gaúcho só foi reconhecido como bioma em 2004 e é o único bioma brasileiro restrito a um Estado só – diferentemente da Mata Atlântica, da Caatinga e do Cerrado, por exemplo – ocupando 63% do território do Rio Grande do Sul. São cerca de 3 mil espécies de plantas, com pelo menos 450 tipos de gramíneas, que, junto de leguminosas ricas em proteínas, garantem um pasto de qualidade. Isso sem falar na variedade de mamíferos e aves na região.
– O pasto do nosso Pampa é uma alimentação fantástica para o gado, a carne fica mais saborosa quando os rebanhos são criados nas pastagens. Sem falar que a carne de qualquer animal livre é muito mais especial – destaca o chef Carlos Kristensen.
Carla Tellini, pesquisadora no assunto, confirma:
– Em função da diversidade, nosso pasto é o melhor do mundo e garante aos rebanhos, tanto bovinos quanto ovinos, uma alimentação extremamente equilibrada.
O chef Floriano Spiess, que trabalha em parceria com a Fazenda Palomas, de Santana do Livramento, nota a qualidade diferenciada nas carnes fornecidas a seu restaurante:
– Algumas gramíneas são muito aromáticas, e isto influencia no sabor da carne – ressalta. – E como os campos permitem que os rebanhos sejam criados livres, não há o estresse do manuseio com o homem, que acaba liberando toxinas na carne e alterando o gosto. Podemos nos orgulhar, pois com certeza temos a carne mais saborosa do país.
Enquanto a maior parte do Brasil cria gado Zebu, mais musculoso e, por isto, com a carne mais dura, as raças que mais se adaptaram no Rio Grande do Sul foram as inglesas Hereford e Angus, principalmente em função do clima, pois não se dão bem em temperaturas altas. Devido aos campos basicamente planos e de pasto rasteiro, não há necessidade de os rebanhos caminharem tanto em busca de comida, mesmo no inverno. Eles ficam soltos, sem muito exercício.
– Enquanto isso, no resto do Brasil, o gado é criado confinado em baias e é alimentado com ração, resultando em uma carne sem um sabor que se destaque – comenta Carla.
Conhecida pelo marmoreio (nome dado às pequenas quantidades de gordura que ficam entre as fibras), que garante diferentes sabores e texturas, a carne das raças criadas no Sul é muito mais macia e suculenta, características ressaltadas principalmente na hora de assá-la. Além disso, chega muito mais jovem ao prato:
– Os cortes do gado do Pampa têm um tamanho bem maior do que o normal – salienta Floriano. – Como é criado de forma diferente, com boa alimentação, boa água e livre, a carcaça atinge um tamanho maior ainda com pouca idade, e aos quatro anos o animal já pode ser abatido.
Apesar de garantir carnes de qualidade inquestionável ao consumidor, o Pampa gaúcho vem sofrendo pouco a pouco com o desmatamento, decorrente das plantações de soja, trigo e arroz e, principalmente, de pinus, que abastece as empresas de celulose. Para tentar salvar o bioma e manter a produção de carne como conhecemos hoje, Carla defende o incentivo da pecuária gaúcha, com um selo de qualidade:
– Temos um histórico gigante do gado solto no pasto. Desde o início dos Sete Povos das Missões há relatos de rebanhos no campo, e já chegamos a ter cerca de 45 milhões de cabeças de gado por aqui. Os rebanhos não destroem o bioma, eles se alimentam das gramíneas, que se recuperam muito facilmente. Devemos incentivar a nossa pecuária com o selo de denominação de origem do Pampa, que garantiria a qualidade da nossa carne, como acontece na Argentina. Se tivermos fazendas produtivas, conseguiremos uma carne melhor e ainda estaremos preservando o bioma e a natureza.
* Conteúdo produzido por Juliana Palma