Você que nasceu no Rio Grande do Sul vai me entender — não que outros não tentem entender —, mas, desde que abrimos os olhos para o mundo, percebemos a movimentação e a alegria das pessoas ao redor de um churrasco. Comigo, pelo menos, foi assim.
Nascida na cidade de Passo Fundo, de uma família judaica, minha mãe era uma exímia cozinheira, e meu pai, um mestre churrasqueiro. Eu e minhas três irmãs usufruímos de grandes banquetes regados de afeto e de tradição. De um lado, as comidas do fogão a lenha, do outro, a churrasqueira no pátio de casa, que, para nós, crianças, era o mundo. Tudo acontecia naquele pátio.
Me apaixonei pela churrasqueira ainda pequena, pelo preparo mais lúdico, informal e rústico dos alimentos. Me encantei pelo fogo, pela alquimia da brasa e pelo sabor único de cada lasquinha de carne que meu pai me dava na boca. Mas, acima de tudo, me encantava a festa, a alegria, o ritual e a celebração em torno do churrasco, completamente cultural.
Não à toa, ao sair de Passo Fundo, aos 15 anos, e viver em muitos lugares, como Estados Unidos, Europa, Porto Alegre, Florianópolis, Rio de Janeiro e Salvador, levei comigo essa paixão, esse saber que traduzia quem eu era e de onde eu vinha. Tinha história e, acima de tudo, muito afeto para oferecer um churrasco aos amigos, aos colegas de trabalho, aos clientes, aos namoros.
Essa cozinha traduzia minha história sem que eu precisasse falar muito. Mas, ao servir um suculento e crocante pedaço de carne tirado da brasa, sabia que minha alma estava desnuda naquele ato.
Ao chegar próximo dos meus 50 anos, em 2014, após uma carreira de mais de 30 anos dedicados à comunicação, entrei em uma crise existencial — daquelas de livro —, que me desafiou a parar, olhar para dentro, juntar os pedaços e, em um exercício de entender a minha linha do tempo de vida, identifiquei que o churrasco fez parte de todos os momentos. Foi então que me perguntei: "por que as mulheres não fazem churrasco? Por que são tão raras as que assumem a churrasqueira, assim como eu?".
E, com essas pergunta e reflexões, entendi muitas coisas sobre esse universo. Mulher pode e deve estar onde ela quiser!
Churrasco é cultura e antropologia. É um recorte da nossa existência nesse mundo
CLARICE CHWARTZMANN
Assadora e colunista do Destemperados
O churrasco é mais do que uma gastronomia, é uma forma de cozinhar, a mais primitiva. O churrasco é cultura e antropologia. É um recorte da nossa existência nesse mundo, muito mais amplo do que imaginamos. Foi com essas reflexões que a resposta às minhas perguntas veio de forma muito firme e clara: vou ensinar mulheres a fazer churrasco.
A partir deste momento, me assumi como Churrasqueira e, do primeiro curso, vieram outros convites para matérias na TV, revistas nacionais e eventos fora do Rio Grande do Sul. Assim, surgiu o projeto AChurrasqueira, com o objetivo de tirar as mulheres do forno e do fogão e levar para a churrasqueira, com conhecimento, técnica, repertório e, principalmente, inspiração para criar e desenvolver sua própria gastronomia da brasa.
Ao sair do Rio Grande do Sul para participar de muitos eventos de churrasco, comecei a observar que o Estado não se conhecia direito nesse assunto. A frase que mais escutava era que "se o churrasco não fosse no espeto, não seria churrasco gaúcho". Essa afirmação me deixava inquieta, pois via que em outros lugares todas as técnicas, cortes e formatos estavam sendo preparados de forma harmônica e complementar. E, aqui no Sul, estávamos perdendo a oportunidade de mostrar a nossa riqueza e diversidade.
Depois, tive a oportunidade de idealizar um livro, com outros profissionais conceituados do mercado, e fazer uma expedição pelo RS para olhar todos os modos de assar. O nosso Estado, como nenhum outro no mundo, tem uma diversidade cultural fortíssima devido às diversas imigrações que vieram para cá. Temos o nosso Pampa, além do talento e da cultura pecuária, e, ainda, compartilhamos fronteiras com países vizinhos. Ou seja, somos muito privilegiados quando o assunto é churrasco.
A riqueza, para mim, está na união da comunicação, da cultura e da gastronomia, que me proporcionam um olhar 360º sobre o fogo, que nos une e nos proporciona sempre cultivar rituais e tradições. Um caminho que nos agrega tanta coisa, desde a primeira faísca, e nos impulsiona a uma jornada única, humana e de grande prazer.
Essa sou eu, uma gaúcha do mundo, publicitária de formação, produtora cultural, assadora profissional, apaixonada pelo sabor da brasa, pelas conversas ao redor do fogo e por tudo o que o churrasco simboliza.
Quero vocês junto comigo nessa jornada ao redor do fogo. Vamos?