Uma década já se passou desde que entrei com os dois pés no churrasco, como assadora profissional e professora. O mercado era outro e, paralelamente a revolução que estava fazendo na minha vida, uma outra revolução estava acontecendo no Brasil: o churrasco estava começando a se transformar em uma experiência gastronômica.
Principalmente nesta última década, o churrasco começou a incorporar técnicas culinárias que antes estavam restritas a cozinhas profissionais e a alta gastronomia. Influências externas, como a do chef argentino Francis Malmann; a do BBQ americano, com seus molhos barbecue, cortes defumados e temperos; e a da parrilla argentina, com seu foco em carnes nobres e o uso de grelhas de diferentes alturas, começaram a se misturar com o tradicional churrasco brasileiro, criando um novo estilo que atraiu todos os apaixonados pela “cozinha" da brasa.
A CARNE COMO PROTAGONISTA:
Se antes importávamos carne da Austrália, África do Sul, Argentina e Uruguai, nesta última década a pecuária brasileira esteve em franca evolução, focada em qualidade. A carne, antes apenas um ingrediente, passou a ser tratada como protagonista, com cuidado especial na sua origem, na criação dos animais, na maturação dos cortes e na seleção de raças bovinas de alta qualidade, como Angus e Wagyu. O dry aging (maturação a seco) ganhou destaque com preparos artesanais, proporcionando carnes com sabores mais intensos.
Cortes como o tomahawk, o T-bone e o porterhouse, que antes eram praticamente desconhecidos, passaram a ser presença constante em churrascarias gourmet e eventos de churrasco. Esses cortes, pela sua apresentação visual impactante, se tornaram símbolos de status, transformando o churrasco em uma experiência sensorial e estética, nem sempre acessível a todos os mortais.
TÉCNICAS E EQUIPAMENTOS:
Outro aspecto marcante da gourmetização do churrasco é o uso de técnicas e equipamentos que antes não faziam parte da vida do churrasqueiro tradicional. O uso de defumadores, por exemplo, permite que a carne seja cozida lentamente em baixa temperatura, adquirindo sabores mais complexos e uma textura diferenciada. O conceito de "low and slow", herdado do BBQ americano, contrasta com a técnica brasileira clássica, que preza por um cozimento mais rápido e em altas temperaturas.
A escolha da lenha e do carvão também passou a ser um diferencial. As lenhas frutíferas agregam especial ao assado; carvões, como o de acácia negra ou de eucalipto, de queima lenta, proporcionam a formação de uma brasa de melhor qualidade e controle maior da temperatura, substituindo o carvão comum. Além disso, os churrasqueiros gourmet investem em grelhas de aço inoxidável, pedras refratárias e até em churrasqueiras com design específico para maximizar o calor e a distribuição uniforme do fogo.
ACOMPANHAMENTOS E BEBIDAS:
Na trilha da gourmetização, os acompanhamentos e as bebidas também tiveram transformações. O tradicional pão de alho, o vinagrete e a farofa deram lugar a criações mais elaboradas, como bruschettas com queijos curados, saladas com ingredientes orgânicos e farofas enriquecidas com castanhas, ervas frescas e frutas. Molhos, como o chimichurri, que antes eram vistos como adições simples, passaram a ser reinventados com toques de ingredientes gourmet, com diferentes tipos de azeite extravirgem.
A harmonização com bebidas também ganhou importância. O churrasco, que sempre foi acompanhado por apenas um tipo de cerveja gelada, agora possui dezenas de sabores para harmonizar com o assado. Os vinhos tintos encorpados também ganharam um espaço de destaque, e até mesmo a caipirinha, tão brasileira, começou a aparecer em versões com cachaças premium, no conceito de um churrasco mais sofisticado.
Na verdade a gourmetização do churrasco é um fenômeno que tem dividido opiniões. De um lado, temos os puristas, defensores do churrasco raiz, aquele que é feito com cortes simples, sal grosso, fogo de chão e nada mais. De outro, estão os que abraçam a ideia de dar uma sofisticada na tradição, incorporando cortes nobres, temperos elaborados e até técnicas de cocção mais refinadas.
No entanto, esse movimento também incentivou uma redescoberta e valorização de técnicas tradicionais, como o uso da lenha e de cortes populares, mas com um novo olhar, mais atento à qualidade e ao processo. Ao mesmo tempo, o churrasco gourmetizado se tornou uma plataforma para a experimentação e inovação, abrindo espaço para novas formas de se relacionar com a comida, com as pessoas e com o fogo vivo. As técnicas evoluíram, os acompanhamentos ganharam mais destaque e até o ato de acender o fogo se tornou um ritual meticuloso. E, claro, a gourmetização também entrou em cena, trazendo ingredientes inusitados, cortes nobres e até sobremesas deliciosas na brasa.
Independente de qualquer tendência, o importante é o sabor inigualável da brasa, que proporciona a todos os ingredientes uma caramelização única e uma crosta perfeita deliciosa.
E você, o que acha deste movimento?
Ótimos churrascos, pessoal.
