Por unanimidade, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a decisão de Dias Toffoli favorável ao Porta dos Fundos contra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de censurar o programa A Primeira Tentação de Cristo, da Netflix. As informações são de O Globo.
No especial de Natal de 2019, Jesus (Gregório Duvivier) é mostrado chegando à ceia de sua família após retornar do seu exílio de 40 dias no deserto, acompanhado de um namorado que conheceu na viagem, Orlando (Fábio Porchat). O retrato de Jesus como homossexual gerou uma série de protestos de grupos cristãos, que recorreram à Justiça.
A suspensão do programa foi determinada por uma liminar promulgada pelo desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e foi suspensa menos de 24 horas mais tarde pelo presidente do STF.
Na sessão desta terça-feira (3), votaram em favor ao serviço de streaming os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Mendes, relator do caso, concluiu que o especial "não incita violência a grupos religiosos, mas constitui mera crítica realizada por meio de sátira, a elementos caros ao cristianismo":
— Por mais questionável que possa vir a ser a qualidade desta produção artística, não identifico em seu conteúdo fundamento que justifique qualquer tipo de ingerência estatal — afirmou.
Já Fachin defendeu a Netflix, declarando que a companhia foi transparente sobre o tipo de conteúdo que estava veiculando em sua plataforma.
— A reclamante (Netflix) corretamente disponibilizou, em sua plataforma, as informações relativas à classificação indicativa, alertando o público quanto à idade recomendada, o gênero do filme e os caracteres de seu conteúdo. Não apenas se mostraram cumpridas as obrigações de ordem administrativa, senão também ficou expressa a transparência da inserção do conteúdo artístico na esfera pública.
Em entrevista ao UOL, o advogado da Netflix e do canal de humor Porta dos Fundos, Gustavo Binenbojm, argumentou que o especial não seria uma violação à honra, já que a homossexualidade, por si só, não é desonrosa. Ele questionou o silêncio dos religiosos a respeito do programa de Natal de 2018, vencedor do Emmy Internacional, em que o personagem de Jesus era retratado como um mau-caráter.
— Então, veja, no ano anterior a figura de Jesus é representada no humorístico ficcional como um homicida, e nada se diz. Mas quando é comparado a um homossexual, a reação é discriminatória e homofóbica de quem não reconhece a prerrogativa de artistas se expressarem por meio da hipérbole.
Processo
Lançado no ano passado, o especial de Natal do Porta dos Fundos rapidamente se tornou alvo de críticas de grupos cristãos. No início deste ano, por decisão do desembargador Benedicto Acicair, a Justiça do Rio de Janeiro suspendeu a exibição do programa na Netflix, atendendo a uma ação movida pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura.
A censura foi revertida no mesmo dia pelo ministro do STF Dias Toffoli, que afirmou que "uma sátira humorística não teria o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2 mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros". Logo depois, a Netflix registrou uma reclamação para avaliar a censura por parte do TJRJ.
Em parecer enviado ao STF, a Procuradoria-Geral da República já apontou que houve censura à Netflix e defendeu a permanência do especial de Natal do Porta dos Fundos, de acordo com o UOL.