O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou a decisão liminar do desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (9), contra o especial de Natal do Porta dos Fundos. Toffoli decidiu atender a pedido da Netflix, que apontou que não seleciona o conteúdo a ser assistido por seus assinantes.
Inicialmente, o processo foi sorteado no STF e repassado ao ministro Gilmar Mendes, mas foi decidido por Toffoli, responsável pela análise dos casos considerados urgentes durante o plantão do tribunal. O Supremo está em recesso e retomará suas atividades normalmente somente no mês que vem.
Em sua decisão, Toffoli disse que, em outras ocasiões, já havia considerado a liberdade de expressão "condição inerente à racionalidade humana, como direito fundamental do indivíduo e corolário do regime democrático". Ele se referiu à suspensão de uma decisão que permitia a apreensão de uma história de quadrinhos com temática LGBT+ na Bienal do Livro do Rio, em setembro do ano passado.
"Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela). Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2 (dois) mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros", afirmou o ministro na liminar desta quinta-feira.
O documento entregue pela Netflix ao STF foi uma reclamação, instrumento jurídico que visa a garantir a autoridade das decisões da Corte. A plataforma de streaming baseou-se na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, de 2009, que declarou a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, considerando que esta criava mecanismos que poderiam induzir à censura. "Por ser assim, as referidas ordens judiciais devem ser prontamente suspensas e, ao final, cassadas, de forma a resguardar a liberdade de expressão da reclamante, em sua dimensão de liberdade de criação artística e de programação", alegou a empresa.
A Netflix também havia sinalizado, em seu pedido, que “se limita a disponibilizar os mais diversos temas, assuntos e gêneros para que os usuários livremente optem pelo que desejem assistir, concedendo-lhes total liberdade de escolha”. A empresa também ressaltou que o vídeo do grupo humorístico já possui classificação indicativa para maiores de 18 anos e é “indexado como sátira, comédia e humor ácido”.
Além disso, a companhia alegou que a decisão liminar do Tribunal de Justiça “tem efeito equivalente ao da bomba utilizada no atentado terrorista à sede do Porta dos Fundos: silencia por meio do medo e da intimidação”.
A determinação do desembargador Benedicto Abicair atendeu a um pedido realizado pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, uma entidade católica com sede no Rio de Janeiro. O grupo, que já entrou com pelo menos três ações na Justiça contra vídeos do Porta dos Fundos, pede uma multa de R$ 150 mil por dia de exibição do filme ou produções acessórias (trailers, making of, propagandas) no processo inicial.
Protestos e ataque
O filme produzido pelo Porta dos Fundos foi alvo de protestos desde o lançamento, em 3 de dezembro. Grupos religiosos começaram campanhas contra o programa, que satiriza o aniversário de 30 anos de Jesus e indica um possível relacionamento entre ele (Gregorio Duvivier) e seu amigo, Orlando (Fábio Porchat).
Além de petições online, pelo menos sete ações foram ajuizadas pedindo a censura do especial. Os humoristas saíram em defesa do programa. Fábio Porchat defendeu a liberdade de expressão e a tolerância e afirmou que "com religião se brinca sim".
A repercussão ganhou o mundo e, nesta semana, o vice-premier da Polônia, Jaroslaw Gowin, também pediu que a Netflix remova de seu catálogo A Primeira Tentação de Cristo.
Em meio à polêmica, o prédio da produtora do Porta dos Fundos foi atacado por explosivos. O suspeito do ataque fugiu para a Rússia. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal pediu ajuda da Interpol para detê-lo.