O cenário se repete para o fã gaúcho: o artista gringo favorito anuncia uma turnê brasileira, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Brasília. E nada de Porto Alegre. Foi assim quando Paul McCartney divulgou a nova vinda ao Brasil, em agosto, e com outras atrações estrangeiras que desembarcaram neste ano de 2023 no país, entre as quais Foo Fighters e Coldplay. Afinal, a capital gaúcha não está mais na rota dos megashows musicais?
Entenda-se como megashow aquele realizado em estádio, ginásio, parque ou até estacionamento — caso da Fiergs — para dezenas de milhares de pessoas. Aquele nome vindo do Exterior com forte apelo popular.
Vale ressaltar que, por outro lado, Porto Alegre tem recebido muitas atrações nacionais e nomes estrangeiros de pequeno e médio portes. É comum ver artistas em datas extras no Auditório Araújo Vianna ou contando com uma presença massiva em casas como Opinião, Teatro do Bourbon Country e Pepsi On Stage.
Já entre os gringos, é possível considerar que os desbravadores da Capital foram os britânicos da banda Herman's Hermits, que em 1967 se apresentaram para 5 mil pessoas no ginásio do Grêmio Náutico União. Foi a primeira banda de fora do Brasil a realizar um show de rock para tanta gente em Porto Alegre.
Nos anos 1970, mais estrangeiros vieram conhecer a cidade: Santana, no Ginásio do Grêmio, em 1973; Rick Wakeman, no Gigantinho, em 1975; Genesis, neste mesmo último palco, em 1977. Aliás, o Gigantinho teve papel fundamental como palco de atrações internacionais, abrigando shows históricos na década de 1980: Van Halen (1983) The Cure (1987) e Motorhead (1989). Já o Estádio Olímpico recebeu Rod Stewart (1984), Menudos (1985) e Sting (1987).
O Gigantinho também foi fundamental nos anos 1990, ao receber Eric Clapton (1990), Faith no More (1991), Bob Dylan (1991), Iron Maiden (1992) e Ramones (1991 e 1994). Em 1999, a Opinião Produtora deu um pontapé importante para incluir a Capital na rota dos megashows, trazendo Metallica e Kiss ao Jockey Club.
No terceiro milênio, os espetáculos de artistas e grupos internacionais foram mais constantes, que o digam Red Hot Chilli Peppers (2002) e Pearl Jam (que veio pela primeira vez em 2005). Porto Alegre alternou anos fartos em grandes atrações internacionais, como o biênio 2011-2012 (com Ozzy Osbourne, Pearl Jam, Eric Clapton, Justin Bieber, Robert Plant, Kiss, Madonna, Lady Gaga, Ringo Starr, Bob Dylan, Linkin Park, Roger Waters e Shakira), e desacelerações, como a dos anos posteriores, seguidos de uma volta à efervescência, vista entre 2015 e 2018 (com Elton John, Green Day, Coldplay, The Who, Paul, Bon Jovi, Katy Perry, Roger Waters, Foo Fighters e Rolling Stones). Muitas dessas atrações eram rescaldos do Rock in Rio. Parecia, naquele momento, que Porto Alegre estava definitivamente inserido na rota, mas a alta do dólar trouxe nova desaceleração em 2019, ano que a cidade recebeu Ed Sheeran e Iron Maiden. Então, a pandemia paralisou o setor em 2020.
Na retomada, em 2022, um misto de shows represados com negócios de ocasião: Kiss, Metallica, Guns N' Roses e Maroon 5 passaram por aqui. Já em 2023, só no segundo semestre é que o calendário da Capital foi abastecido, com Roger Waters, que virá em 1º de novembro, e Red Hot Chilli Peppers, em 16 de novembro. No entanto, a percepção geral é de uma queda na comparação com os grandes momentos, sobretudo, das últimas duas décadas. Sobram frustrações para alguns fãs esperançosos.
Menos gente, menos ingressos
Claudio Favero, sócio-diretor da Opinião, discorda que a Capital esteja ficando de fora do circuito:
— Sempre foi assim em Porto Alegre, no máximo, de dois a quatro shows de grande porte em estádio por ano. Em 2023, teremos Red Hot Chilli Peppers e Roger Waters.
Parte do nosso problema atual é que a Argentina está muito enfraquecida do ponto de vista econômico
CARLOS KONRATH
Presidente da Opus Entretenimento
De fato, se os períodos de maior fartura (2011-2012 e 2015-2018) forem encarados como exceções, a cidade costuma receber, no máximo, quatro megashows por ano. Mas, para Favero, há um fator que pode puxar Porto Alegre para trás na fila: a densidade demográfica. Com 1,3 milhão de habitantes, conforme o Censo 2022, trata-se da 11ª capital mais populosa do Brasil — estando atrás de cidades como Brasília (2,8 milhões), Belo Horizonte (2,3 milhões) e Curitiba (1,7 milhão), que têm se posicionado melhor na rota. Se considerarmos a Região Metropolitana, Porto Alegre sobe no ranking e é a quinta maior do país, mas, nos últimos 12 anos, a cidade perdeu 76 mil habitantes, sendo a 13ª do país com maior redução populacional.
Carlos Konrath, presidente da Opus Entretenimento, observa que a posição geográfica do Rio Grande do Sul perante o Brasil não é das melhores. Contudo, em relação à América do Sul (especialmente Argentina e Uruguai), o Estado se torna estratégico. Konrath não acredita que a cidade passe por um downgrade no setor, mas vive a circunstância do atual momento:
— Quando você tem um entorno mais forte, Argentina, Chile ou Uruguai mais ricos, a gente consegue um balanceamento melhor com o que chega aqui, principalmente em São Paulo. Parte do nosso problema atual é que a Argentina está muito enfraquecida do ponto de vista econômico. Quando os parceiros do roteiro geográfico não são fortes, a gente sofre as consequências. E a quantidade de shows às vezes é insuficiente para girar o Brasil, ficando no eixo Rio-São Paulo.
Outro fator a ser levado em conta é a bilheteria, como aponta Lelê Bortholacci, comunicador do Grupo RBS e produtor cultural.
— Tivemos alguns shows, num passado não muito distante, que foram bem decepcionantes em arrecadação — diz Lelê. — Lembro o Maroon 5, na Fiergs, que foi muito fraco (foram 18 mil espectadores, contra 45 mil em São Paulo). Aí, na hora de fechar a conta da turnê inteira, veem que deu lucro em São Paulo e não em Porto Alegre.
Em outras décadas, esse aspecto levou ao cancelamento de algumas atrações na Capital. Foram os casos de Duran Duran e Nine Inch Nails, em 2008: poucos ingressos haviam sido vendidos para ambas as bandas.
Gustavo Sirotsky, sócio-diretor da Maia Entretenimento e um dos sócios do Pepsi On Stage, discorre que o negócio dos shows internacionais está diretamente ligado à relação cambial e a outros players que cercam a vinda de uma atração de grande porte. Há ligação inclusive com a infraestrutura de turismo, que ele aponta como primo-irmão da área de entretenimento.
— Como cidadão gaúcho, reconheço que estamos um pouco atrás de mercados que têm recebido megashows, como Belo Horizonte e Curitiba, na área de hotelaria e, também, em algumas questões ligadas ao desenvolvimento imobiliário da cidade e do turismo — salienta Sirotsky. — Mas isso não é um motivo central para um artista deixar de vir a Porto Alegre. Por aqui, eles ficam nos melhores hotéis que podem ser oferecidos. Só que isso nos leva a entender a complexidade do show business. Há muitos fatores e variáveis compondo o conjunto. Sinto um pequeno desnivelamento, nesse sentido, na comparação de Porto Alegre com outras cidades.
A questão estádios
A Arena do Grêmio e o Estádio Beira-Rio são os principais espaços para megashows em Porto Alegre. Há também o estacionamento da Fiergs, mas o local é alvo de críticas por conta da dificuldade de acesso, da baixa visibilidade e da acústica ruim. O Gigantinho teve a sua capacidade máxima reduzida para 10.150 pessoas devido às normas do Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) aprovado em 2021.
Pois nos estádios têm surgido impasses, afinal, na teoria, devem priorizar o futebol. Em março de 2020, houve um desacordo entre o Grêmio e os promotores do show do Metallica previsto para 21 de abril. Na mesma data, o clube jogaria pela Copa Libertadores, o que levou à troca de local para a apresentação. Com a pandemia, a data foi modificada e o palco também: o show foi para a Fiergs. Neste ano, o show dos Titãs, previsto para ser realizado no Anfiteatro Beira-Rio em 6 de maio, também foi transferido para a Fiergs — o que gerou dezenas de reclamações no Procon. É que, três dias antes, o Inter jogou pela Libertadores e a Confederação Sul-Americana (Conmebol) não aceitou que equipamentos da banda ficassem no local, o que inviabilizou a montagem do palco a tempo da apresentação.
— O Allianz Parque (do Palmeiras, em São Paulo) é um estádio concebido para isso, facilitando a montagem e desmontagem — pontua Favero. — Em Porto Alegre, isso leva dias e interfere na agenda. É um desafio. Apesar de serem palcos extraordinários, o produtor enfrenta essa resistência. E aí a cidade fica carente.
De acordo com o jornalista José Norberto Flesch, especializado em eventos musicais, as transferências provocam incertezas em produtores:
— O show é marcado num lugar e depois não se pode realizá-lo. Então, a produtora faz um "x" na cidade. Quando isso se repete, o produtor a identifica como problemática.
Mas uma solução começou a ser costurada para esses impasses. No começo de setembro, a Arena do Grêmio e o Estádio Beira-Rio realizaram uma parceria: o festival Buteco, com Gusttavo Lima e convidados, estava marcado para ocorrer no estádio do Grêmio em 23 de setembro, mas, em razão das mudanças no calendário esportivo, acabou transferido para o Beira-Rio; da mesma forma, o show de Roger Waters, previsto originalmente no estádio do Inter, foi para a Arena.
— Nossa preocupação é atender aos artistas e às produtoras para que não se percam os eventos e a cidade não saia do circuito. Construímos juntos esse modelo em que a gente faz a troca de locais e datas — explica Paulo Pinheiro, CEO da BRio, administradora do Beira-Rio.
— Esse modelo (da comunicação entre os estádios, com possíveis trocas) é bom para todo mundo — comenta Mauro Araújo, CEO da Arena do Grêmio. — São equipamentos que competem, mas nos falamos muito. Nossas conversas já haviam começado um tempo antes.
Outro estádio será reaberto para shows na Capital. No final dos anos 2000, o Passo D'Areia, do São José, recebeu atrações do porte de Elton John, R.E.M. e Pearl Jam. Por enquanto, já está confirmado que a Superturnê de Jão deve passar por lá em 23 de março de 2024.
"O clube tem feito a atualização de laudos para shows. Esse é o fator diferencial que nos recoloca nas listas de interesse de produtoras", relata a assessoria do São José em nota. "Em relação à capacidade, há liberação para 12 mil, mas, a cada show, a capacidade e os demais fatores serão avaliados em laudos específicos junto ao governo municipal".
Os "rivais" crescem
Se Porto Alegre transpareceu para alguns uma sensação de estagnação em relação aos megashows, Curitiba, por outro lado, cresceu. Só em 2023, a capital paranaense conta com um leque de atrações como Foo Fighters, Evanescence, Post Malone, Paul McCartney, Coldplay, Deep Purple, entre outros nomes. Flesch atesta que, hoje em dia, Curitiba é a segunda praça de shows no Brasil — ficando somente atrás de São Paulo:
— Hoje, Curitiba está melhor do que Porto Alegre. Os resultados da capital paranaense são melhores que os da capital gaúcha. Se você tem uma turnê e só pode fazer um show no Sul, você faz em Curitiba.
O jornalista acrescenta:
— É tudo grana. Você vai arriscar no que sentir que é mais forte, onde é mais seguro. Porto Alegre, neste momento, não está tão legal. Se você vai fazer oito shows no Brasil, Porto Alegre está dentro. Mas, se for três ou quatro, não está.
Hoje, Curitiba está melhor do que Porto Alegre. Os resultados da capital paranaense são melhores que os da capital gaúcha
JOSÉ NORBERTO FLESCH
Jornalista especializado em eventos musicais
Além de performar bem nas vendas, como frisa Flesch, a capital paranaense também atende melhor em seus espaços para megashows. Especialmente no Estádio Couto Pereira, do Coritiba. A retomada do local começou no ano passado, com a apresentação do Maroon 5 — foi o primeiro show no estádio em 21 anos. Trata-se de um projeto da atual gestão do clube, que passou a buscar as apresentações musicais como fontes de receita. Outro fator atrativo de Curitiba é a Pedreira Paulo Leminski, que é administrada pela DC Set. Com capacidade para mais de 20 mil pessoas, o espaço se firmou como o principal local de shows da cidade.
— Os promotores de espetáculo utilizam muito a Pedreira pela sua capacidade. É uma capital que se assemelha a Porto Alegre, tanto economicamente quanto em população. Também está na rota para o Chile e a Argentina, o que facilita a realização de espetáculos internacionais — analisa Cicão Chies, copresidente da DC Set.
Com exceção dos estádios e da Fiergs, a verdade é que Porto Alegre carece de locais para megashows. Um espaço na Capital que poderia se aproximar do que a Pedreira representa para Curitiba é o Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Harmonia. Segundo a Gam3 Parks, que administra o parque, o Harmonia tem capacidade para 40 mil pessoas. Nos últimos eventos, a média de público do espaço tem sido em torno de 25 mil.
Contudo, o Harmonia se encontrou em meio a polêmicas por conta da derrubada de árvores e outras intervenções realizadas no local. As obras de adequação chegaram a ser paralisadas em julho, mas logo foram retomadas.
O parque também foi alvo de queixas com relação ao barulho em dias de shows. No último dia 13, a Gam3 Parks assinou um termo de compromisso com a prefeitura para a elaboração de um plano de controle de ruídos.
— É um local como esse que muda o cenário. Com um espaço na faixa de 20 mil a 25 mil pessoas, teríamos possibilidade de ter muito mais shows no parque do que em estádios, pois vejo que essa é uma demanda mais forte de público para a cidade — estima Sirotsky.
Também está prevista a instalação de um novo anfiteatro no projeto do trecho 2 da Orla, que comportaria eventos de grande porte. Conforme a prefeitura, a previsão é de que o edital seja lançado em 2024, com as obras iniciadas no mesmo ano.
Por outro lado, a situação do Gigantinho não deve mudar. O Conselho Deliberativo do Inter se reuniu na última segunda-feira e rejeitou a parceria com o consórcio Opus/DC Set para a remodelação do ginásio. Contudo, o espaço segue apto para receber shows.