Com disco novo e sem espantos, Humberto Gessinger sobe ao palco do Auditório Araújo Vianna neste sábado (30), às 21h. Quatro Cantos de um Mundo Redondo, terceiro álbum de sua carreira solo, chegou às plataformas digitais na última terça-feira (26) e deve permear parte do show.
Segundo o músico, cinco ou seis canções do novo trabalho devem entrar no repertório. Mas também será uma noite para o público conferir Gessinger repassando toda a sua carreira, desde Longe Demais das Capitais (1986), primeiro disco de sua ex-banda, Engenheiros do Hawaii. Esta apresentação no Araújo será especial para o artista, ainda, por trazer três formações presentes nas faixas de Quatro Cantos de um Mundo Redondo.
O álbum foi gravado em Porto Alegre e em Estocolmo, na Suécia, tendo sua divisão em blocos: power trio (Gessinger no baixo e nos teclados, acompanhado por Rafa Bisogno na bateria e Felipe Rotta na guitarra), trio acústico (ele no violão e viola caipira ao lado de Nando Peters no baixo e Paulinho Goulart no acordeom), quarteto (Gessinger na guitarra de 12 cordas, Fernando Petry assumindo o baixo, Diego Dias nos teclados e Luigi Vieira na bateria) e solo. Desde o começo de setembro, o músico tem lançado singles separados por esses blocos.
Gessinger admite que nunca se sentiu à vontade lançando singles. Revela, inclusive, ter dificuldade em escolher a música de trabalho desde os tempos de Engenheiros ("Errava muito longe"). Sequer se vê como um compositor de singles.
– Tinha uma época em que me chamavam de hitmaker. Graças a Deus não me chamam mais. Nunca achei que tivesse sensibilidade para fazer coisas populares, embora muitas músicas minhas tivessem se tornado assim. É completamente instintivo.
Para ele, ao escolher focar uma faixa, as outras ficariam para trás. Mas, agora, o músico chegou a um meio-termo.
— Sou de uma geração em que a unidade de trabalho é o álbum — explica. — Sei que hoje em dia mal existe isso, ninguém mais tem tempo para ouvir nada. Não adianta ficar brigando com o tempo. Acho que cheguei a um meio-termo ao dividir o disco em blocos e lançá-los separadamente. É uma negociação de uma cabeça dos anos 1970/80 com uma plataforma dos anos 2020.
Quem se assusta com a passagem do tempo?
Mas Gessinger não se espanta com a passagem do tempo. Aliás, se surpreende com quem se assusta com isso. Como assim alguém se assusta por ter rugas?, questiona. Para ele, não muda muita coisa escondê-las. É o que aborda a letra de Espanto, que abre o disco marcada pelo contrabaixo: "Por que o espanto?/ Tô bem no meu canto/ E o outono é uma bela estação/ Cabelos brancos/ Dentes amarelos/ O contrário é só ilusão".
O álbum segue com a otimista No Delta dos Rios, que traz os espirituosos versos "Quando o zagueiro se lança numa aventura/ E o lateral avança sem cobertura". Gessinger fala em "otimismo irracional" ao descrever a música.
— Sou um cara bem melancólico e pessimista, mas às vezes tu precisas te erguer pelos próprios cabelos. Encontrar força sem saber de onde para viver levemente. Essa música é uma busca disso. É um otimismo irracional, mas, mesmo sendo irracional, é necessário e faz bem — reflete, complementando que a faixa Um Brinde, com sonoridade reggae, também carrega um otimismo ("Um brinde/ Ao fim de um pesadelo/ Nuvens pesadas/ Marcha da insensatez").
A pop rock Vaga Semelhança olha para frente ("A distância que eu venci/ E o rastro que ficou"), enquanto Toxina carrega uma áspera reflexão sobre aqueles que emanam ódio nas redes sociais, mas, ao mesmo tempo, alimentam algoritmos ("Tiozão tóxico, esteta da treta/ Vive nas cavernas de outro planeta"). Para Gessinger, as redes sociais jogaram uma luz sobre esse comportamento.
— O que estamos vivendo é uma deformação, com o ranço sendo colocado na frente. Não é assim. O ranço não é a capa de ninguém. As redes sociais transformam isso em dinheiro. É uma coisa de quem não está entendendo o mundo e não quer se afogar, mas acaba se debatendo e se afogando mais rápido — argumenta.
Por outro lado, há leveza e delicadeza com A Noite Inteira — composição que, originalmente, integraria O Papa É Pop (1990), mas Gessinger não conseguia finalizar o arranjo, além de o álbum já ter outra faixa com o tema "noite", a clássica Anoiteceu em Porto Alegre —, Mais que Sombras e a balada Começa Tudo Outra Vez (composta em parceria com Roberta Campos), gravadas pelo trio acústico.
Outra faixa que se destaca pela singeleza é Fevereiro 13 ("Te desejo tudo de bom e necessário"), uma espécie de cartão-postal do músico a sua filha Clara, que vive em Estocolmo. Ainda há AEIOU, versão de Bebeto Alves, em que ele tem a sacada de convidar seu amigo e companheiro de Pouca Vogal, Duca Leindecker, para os vocais, além de contar com Marcelo Corsetti na guitarra.
Agora, lançado o disco, Gessinger quer ficar pelo menos um ano em turnê. Prestes a completar 60 anos em 24 de dezembro, o músico só vislumbra a estrada em seu horizonte. Sobre completar seis décadas, ele dá de ombros. Sublinha que sempre gostou da passagem do tempo. Sem espanto.
— Adoro ver cabelo branco, ou calo de tocar baixo. A própria questão da finitude não me assusta de maneira nenhuma — atesta. — Acho que não vai ser uma coisa especial virar sessentão. Dá uma sensação boa de desmistificação. O mesmo que senti quando parei de usar o nome Engenheiros do Hawaii. Foi uma desglamourização tão boa. A passagem do tempo desglamouriza também. Acho glamour um saco. Quanto mais conectado com o que a gente é mesmo, melhor é a vida.
Humberto Gessinger
- Neste sábado (30), às 21h, no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), em Porto Alegre.
- Ingressos a partir de R$ 200 (inteiro) ou R$ 110 (solidário, mediante a doação de 1 kg de alimento não perecível).
- Pontos de venda sem taxa: loja Planeta Surf Bourbon Wallig (Av. Assis Brasil, 2.611), das 10h às 22h, à vista em dinheiro e no cartão; e na bilheteria do teatro, que abre duas horas antes do evento. Pontos de venda sem taxa: pelo site da Sympla.
- Desconto de 50% para sócio do Clube do Assinante e acompanhante.