Após mais de um minuto de introdução com bateria e riffs pulsantes, o vocalista e guitarrista James Hetfield anunciou nos primeiros versos de Whiplash: "You've come to see the show/ We do our best, you're the rest". A música do álbum Kill 'Em All (1983), disco de estreia do grupo, surge como se fosse um termo de compromisso assinado entre banda e fãs no começo do show. Ou seja, o Metallica está ali para entregar o seu melhor a quem vier assisti-lo, cabe ao público fazer o resto.
Dito e feito. Ao longo de duas horas de apresentação, que teve início às 21h15min, as 40 mil pessoas presentes na Fiergs deram o combustível necessário para o fogo do Metallica na noite desta quinta-feira (5). Segundo a produtora do evento, Live Nation, todos os ingressos foram vendidos — sendo o maior show recebido pela Capital desde o início da pandemia de coronavírus.
Foi a terceira vez que o grupo se apresentou em Porto Alegre — a primeira foi em 1999, no Hipódromo do Cristal, e a segunda ocorreu no Parque Condor, em 2010. Desta vez, a banda veio ao Rio Grande do Sul com a WorldWired Tour, apresentação que vinha sendo adiada há mais de dois anos.
Ao subirem ao palco, James Hetfield (vocal e guitarra), Lars Ulrich (bateria), Kirk Hammett (guitarra) e Robert Trujillo (baixo) desceram o cacete com a feroz Whiplash, da fase mais trasheira da banda. No entanto, o som estava saindo um tanto abafado, o que foi ajustado ainda no começo da apresentação.
A segunda música da noite foi Ride The Lightning, que batiza o disco de 1984, mantendo acesa a chama dos fãs, que responderam pulando e balançando os punhos erguidos. Já a terceira foi Harvester of Sorrow, do …And Justice for All (1988).
Antes de Seek & Destroy, lá do disco de estreia, houve a primeira troca de palavras com os fãs, em que Hetfield exclamou:
— Porto Alegre, faz muito tempo! É muito bom ver vocês!
Seek & Destroy traz a seguinte questão: o que o público queria procurar e destruir nesta noite? Não faltam motivos no Brasil de 2022. E o show do Metallica é um porto seguro para expurgar frustrações e angústias. Depois da destruição, a banda trouxe outra do primeiro álbum, No Remorse.
Na épica One, do disco ...And Justice for All, foi a hora da pirotecnia: no começo, chamas e fogos de artifício introduziram a canção, que foi acompanhada de um show de lasers e imagens animadas de desolação causada pela guerra nos telões, gerando um espetáculo visual e hipnótico à parte.
— Vocês estão bem? Espero que todos se divirtam nesta noite — disse Hetfield após One.
Aliás, vale destacar a entidade que é Hetfield no palco, deslocando-se por todo o espaço, o que pode ser dito também de Hammett e Trujillo. Enquanto o simpático Ulrich segue sendo aquilo que se espera na bateria do grupo: pura cavalice.
Na sequência, Metallica apresentou Sad But True com seus riffs cativantes lá do The Black Album, de 1991, que completou três décadas ano passado.
O grupo seguiu o baile com uma música mais recente, Moth Into Flame. A faixa integra o Hardwired... to Self-Destruct, lançado em 2016. Neste momento, chamas se movimentavam atrás da bateria e, quando a música estourava, acendiam pelo palco. Também foi um dos poucos momentos em que o Metallica tocou algo que lançou depois de 1991. Formada em 1981 em Los Angeles, mas hoje com base em São Francisco, a banda privilegiou as faixas lançadas naquela que muitos fãs consideram a melhor fase da discografia.
A poderosa balada The Unforgiven veio na sequência com Hetfield no violão elétrico (que ele alternaria com a guitarra). Também era mais um ponto para o Black Album. É possível presumir que uma parte do público ficará com os versos "What I've felt, what I've known/ Never shined through in what I've shown" martelando na cabeça por uns dias.
Depois, foi a hora de voltar ao Ride The Lightning, com For Whom the Bell Tolls, que botou o público para entoar o título da música no refrão. Direto do Reload (1997), Fuel foi ativada na sequência para incendiar o público outra vez. Inevitavelmente, chamas voltaram a acender no palco.
Após, mais uma balada metaleira: Welcome Home (Sanitarium), do Master of Puppets (1986). Seguindo no mesmo álbum, a devastadora canção que batiza o aclamado disco encerrou a primeira parte do show, fazendo headbanger vibrar na Fiergs. "Master! master!", bradaram. Um dos pontos altos da noite, com o público acompanhando o solo de guitarra com "ôôô".
Com três minutos e pedidos de "one more song" ("mais um"), o Metallica voltou para o bis com a pauleira Blackened, do ...And Justice for All (1988), reascendendo a chama dos fãs.
Por fim, uma dobradinha do Black Album: primeiro, a balada Nothing Else Matters, para acalentar os românticos presentes na Fiergs. Quem disse que headbanger não ama? Aliás, um pecado Nothing Else Matters nunca ter integrado nenhum volume da coletânea Lovy Metal, da Som Livre. Como manda o protocolo da balada, foi a hora da galera ligar a lanterna de seus celulares. Do palco, lasers apontavam para o público. Um momento atmosférico e hipnótico.
Completando a dobradinha do Black Album, a emblemática Enter Sandman trouxe um furacão para a zona norte de Porto Alegre.
— Vocês ainda estão vivos? — questionou Hetfield, recebendo uma resposta positiva do público, que, aliás, cantaria com ele toda a música.
Para quantos fãs esta não foi a porta de entrada para o Metallica? A introdução de Enter Sandman é irresistível ao vivo. E seu restante também. Foi a última explosão da noite — que, inclusive, terminou em clima de Réveillon com fogos de artifício.
Terminado o baile, cada integrante do Metallica agradeceu ao público e se despediu a sua maneira. Destaque para Trujillo, que puxou um canto em português de "eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor".
Restou aquele verso da primeira música, Whiplash, que diz: "Life out here is raw" — algo como a vida é bruta no mundo fora do show. Os versos seguintes, porém, avisam: "But we will never stop/ We will never quit/ 'Cause we are Metallica!". Hetfield e sua turma não pretendem parar ou desistir, porque, ora bolas, eles são o Metallica. Que assim seja. Que voltem.