Há lugares onde o novo ano só começa depois do Carnaval, mas, em Porto Alegre, pode-se dizer que começa depois do Nei LisPoa. E é quase no fim de março que 2022 vai começar por aqui. O espetáculo de verão de Nei Lisboa, já tradicional na cena cultural da cidade, volta do hiato imposto pela pandemia nesta sexta (18) e sábado (19), no Teatro CHC Santa Casa, ao lado da banda formada por Giovanni Berti (percuteria e vocais), Luiz Mauro Filho (teclado e vocais) e Paulinho Supekovia (guitarra e vocais).
A premissa segue a mesma: oferecer ao público um verdadeiro cozido musical, colocando no caldeirão grandes sucessos da carreira do músico, canções inéditas e covers, além de textos que contextualizam os 365 dias que ficaram para trás, a fim de rememorar "os melhores momentos e os piores tormentos" do ano que passou. Tudo isso para dar adeus ao ano velho "com aleluias".
E motivo para dar aleluia ao fim de 2021 realmente foi o que não faltou, sobretudo para ele. Foram quase dois anos longe dos palcos, marcados pelas dificuldades financeiras que esse afastamento trouxe, uma internação hospitalar por covid-19 — que, aliás, completa um ano nesta sexta, dia da estreia do espetáculo — e, como frisa o roqueiro, todos os tormentos de se ser brasileiro neste momento.
No repertório, clássicos como Pra te Lembrar, Telhados de Paris e Carecas da Jamaica, "um samba chamado Paraíso", uma versão de Jonah, de Paul Simon, embalando a já tradicional seção Hi-Fi, uma inédita de gaveta chamada Berinjela, para a ceia musical, e as cinco canções que compõem o novo EP de Nei, Pandora, lançado em dezembro nas plataformas digitais. O disco traça um panorama crítico acerca do período sob o governo de Jair Bolsonaro, com faixas que vêm sendo compostas por ele desde 2018.
É o que pretende fazer também nos espetáculos.
— Todo repertório do EP é inspirado nessa "Era Bolsonarista", e os shows também vão trazer muito disso. É tradição do Nei LisPoa se posicionar e questionar muito fortemente, as pessoas estão acostumadas com isso. Espero que não haja nenhum desavisado no show a se melindrar com a plateia gritando "Fora Bolsonaro", porque isso já é tradição — adianta Nei, revelando suas esperanças de, em um próximo Nei LisPoa, incluir menos faixas de Pandora na lista:
— Ficarei contente se daqui a um ano a gente estiver deixando pra trás esse período neofascista e esse repertório perder o sentido e se tornar anacrônico. Prefiro que a gente viva em um país melhor do que ver minhas músicas fazendo tanto sentido. Mas, por enquanto, elas estão fazendo sentido para falar desse tempo desastroso que a gente vive, do fascismo que se espalha como uma erva daninha. É o que temos para o momento.
Festa de aniversário
Nem só de lutas cantadas é feito o Nei LisPoa. Além de "uma grande brincadeira com o público", como o músico define o espetáculo, esta edição em especial é também uma grande festa de aniversário. Uma homenagem à aniversariante do mês, a "duzentona" Porto Alegre, que completa 250 anos no próximo dia 26.
É por isso que, nas canções, nos textos e nos números preparados para as duas noites, a relação do músico com a capital gaúcha deve ser exaltada ainda mais do que sempre foi — afinal, não é à toa que o espetáculo chama-se Nei LisPoa. E esta relação ganhou uma nova faceta no ano passado, quando o músico contraiu covid-19 e passou 12 dias internados em um dos hospitais públicos mais importantes da cidade, o HPS.
Desse modo, mais do que shows alusivos ao aniversário de Porto Alegre, são espetáculos de agradecimento: à cidade, aos seus profissionais de saúde, às suas instituições públicas.
— A gente não tem como recompensar à altura o que a saúde pública que ainda existe no Brasil, que ainda não se conseguiu dilapidar, fez por todos nós. Nessa pandemia se viu o que foi a garra do pessoal da saúde, doando suas vidas para salvar a vida dos outros contra todo o descaso, contra um Estado que muitas vezes jogava contra — reflete o músico.
É também nas mãos da saúde pública que está Nei em 2022. Com o avanço da variante ômicron logo após uma breve sensação de que as coisas estavam começando a voltar ao normal, o roqueiro freou seus planos. Achou melhor observar um pouco mais o andar da pandemia antes de planejar um retorno mais efetivo para o ano, mas espera que, após os espetáculos desta sexta e sábado, a situação sanitária continue permitindo que muitos outros sejam realizados nos próximos meses:
— Eu só tenho esperanças, não tenho planejamentos.
Nei LisPoa
- Dias 18 e 19 de março, às 20h, no Teatro CHC Santa Casa (Av. Independência, 75)
- Ingressos a partir de R$ 120 (segundo lote), disponíveis na plataforma Sympla