Se a arte tem um caráter de expressão, o rap é uma ferramenta de transformação, é o que diz o rapper paulista Coruja BC1. Nascido em Osasco, mas criado desde os sete anos de idade em Bauru, município do interior de São Paulo, o artista vem a Porto Alegre neste domingo (07) para lançar seu terceiro álbum, intitulado Psicodelic, no bar Agulha, a partir das 20h.
— Meu primeiro álbum mostra um Coruja talentoso. Uma promessa. O Psicodelic mostra um artista completo, que consegue extrair o melhor dentro da pior realidade possível. Me sinto como alguém que faz arte como reciclagem, pegando o que nos dão de pior e transformando em algo positivo. Esse é o maior desafio da arte: transformar— diz o rapper.
Com o single Passando a Limpo, lançado em 2016 e que já soma mais de 2,8 milhões visualizações no YouTube, ele entende que sua maturidade espiritual, musical e, principalmente, a sua forma de enxergar o mundo amadureceram à medida que sua carreira profissional progredia e sua relevância dentro do cenário nacional do rap aumentava:
— Em Passando a Limpo eu queria combater fogo com fogo, em Psicodelic eu detecto o fogo e ofereço uma solução para apagá-lo, pois vejo que ele já se transformou em um incêndio onde só meu povo sai ferido—relatou Coruja.
O rapper comenta que um dos grandes problemas da indústria cultural hoje em dia é que as pessoas não consomem mais música, e sim "nomes":
— Acho bom ter uma parcela de pessoas dentro do rap. Enxergo como algo positivo para o movimento. Porém, agora o desafio é fazer com que essas pessoas aprendam a consumir música antes de nomes e do hype, assim o espaço cultural ficará cada vez mais democrático e amplo — completa ele.
Incentivado pelo avô materno pernambucano que tinha paixão por samba, Gustavo Vinícius – ou, como ficou conhecido entre os amigos de Bauru, "O Coruja" – começou a "brincar de rimar" com sete anos em rodas de repente, mas enxerga o início da sua carreira também nas rodas de break, mesmo sem nunca ter negligenciado a rima . Como um artista negro, ao falar da cultura de rua, Gustavo diz que não pode deixar de lado a realidade na qual ele e muitos adolescentes e crianças crescem, em situações de violência e vulnerabilidade:
— Quando se parte da realidade da qual eu e vários irmãos e irmãs saímos, de verdade, o único sonho meu quando criança era me manter vivo. Passar dos 20 anos. Eu tinha a sensação de que não iria passar dessa idade. Muitos amigos não passaram, infelizmente – comenta o artista.
POETAS VIVXS
É uma realidade também retratada pelo coletivo porto-alegrense de poesia Poetas Vivxs que, com poemas fortes e reflexivos, fazem a abertura do show. Fundado pelo educador social Felipe Deds, campeão do Slam Nacional de duplas, o grupo é uma iniciativa cultural que atua e organiza eventos, espetáculos, oficinas, workshops, feiras, palestras, debates e intervenções artísticas.
— O principal da nossa presença junto ao Coruja, que é um artista negro, é que a gente do coletivo, como uma iniciativa afrocentrada, mostre que existe representatividade no rap e na literatura contemporânea e marginal de pessoas negras no Rio Grande do Sul. Assim como ele, a gente espera que no domingo o público negro esteja presente, para a gente fortalecer espaços onde a arte preta esteja sendo valorizada, assim como a nossa vida, das pessoas negras – comenta Natália Pagot, poeta e uma das participantes do coletivo.
Coruja completa dizendo que não vê o coletivo como a abertura do seu show e sim como um complemento para enriquecê-lo:
— O hip-hop nasce enquanto manifestação através da arte e da cultura para transformar em arte uma realidade de violência, arte contra todo tipo de preconceito e discriminação, e, ao mesmo tempo, transformar e armar de informação a nossa juventude. Eles não estarão no show como uma abertura, mas sim como protagonistas de uma noite histórica. E tudo que consigo sentir é gratidão e amor por poder estar junto nesse momento — reflete o paulista.