Por Everton Cardoso *
A curta temporada de três récitas de A Viúva Alegre, de Franz Lehár, que se viu no Theatro São Pedro neste fim de semana, foi mais uma prova de que a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), sob a direção artística de Evandro Matté, é uma relevante e potente articuladora da cena cultural sul-rio-grandense.
Desta vez, diferentemente do que vinha acontecendo até então, a opção foi por uma opereta – "um subgênero da ópera, caracterizado pelo enredo em geral frívolo e pelo uso de diálogo falado entre os números de música cantada", como diz o texto escrito pelo pianista Max Uriarte para o programa distribuído ao público. O livreto, aliás, ao trazer o contexto da obra, explicar o gênero e apresentar a sinopse, consiste em material importante para quem acorre ao espetáculo.
A escolha da peça também merece aplauso, pois não deixa de ser um reconhecimento a um dos maiores nomes da cena operística local: Frederico Gerling (1925-2010). Com uma atuação de muitos anos montando óperas na PUCRS, o maestro gaúcho foi responsável pela tradução da obra original para português que a orquestra agora utilizou.
De modo geral, a montagem proposta por William Pereira – e que se assemelha muito a uma por ele idealizada para o Teatro São Pedro, de São Paulo, em 2011 – é bastante interessante. Repetir montagens bem resolvidas é uma boa opção sempre. O primeiro ato, que acontece durante uma festa na embaixada da nação fictícia de Pontevedro, é ambientado com uma grande janela através da qual se vê a Torre Eiffel e com um primoroso figurino de gala para homens e mulheres – todos de preto e branco.
No segundo, na casa da viúva rica que dá título à peça, as roupas com estampa floral dialogam com a festa que, segundo o enredo, é típica do país natal dos personagens. Na maior parte dos casos, a ideia funciona bem, mas há um conjunto de trajes femininos que careceu de um melhor ajuste.
No terceiro ato, o clima é de cabaré na casa da viúva: balões em forma de corações e renda vermelha nos figurinos deram um tom burlesco. Parte importante de toda essa ambientação se deu pela presença marcante da dança. O corpo de 10 bailarinos, que executou coreografias de Carlla Bublitz, complementou as composições que mesclam elementos parisienses e europeus orientais – ainda que em alguns momentos os movimentos precisassem de um pouco mais de sincronia.
Entre os cantores, o destaque foi a atuação de Sergio Sisto. Ele foi chamado às pressas para substituir o tenor Flávio Leite, que teve um problema de saúde e não pode atuar nas récitas de sábado – à qual assisti – e domingo. Ainda que precisasse recorrer a partituras em muitos momentos, Sergio desempenhou satisfatoriamente o papel. A soprano Chiara Santoro, que interpretava a infiel baronesa Zeta, foi uma comediante capaz de roubar para si as atenções com canto preciso e com texto falado cujas piadas eram postas na medida.
Boa também foi a apresentação de Maíra Lautert na pele da viúva Hanna Glawari. A interpretação, no entanto, em alguns momentos ficou um pouco prejudicada pelo baixo volume do canto. O barítono Daniel Germano, com voz potente e límpida, apresentou um Conde Danilo que oscilava entre um beberrão e um astro decadente de Hollywood. O baixo Saulo Javan, no papel do Barão Zeta, também teve uma bela performance – nenhuma surpresa depois do brilhante Don Pasquale que nos trouxe em 2016.
Esta foi a terceira comédia apresentada pela Ospa – antes foram Don Pasquale, de Gaetano Donizetti, em 2016 (releia reportagem e crítica), e Don Giovanni, de Wolfgang Amadeus Mozart, no ano passado (releia reportagem e crítica). Gostaria muito, confesso, de ver a orquestra em cena com alguma obra do repertório dramático. Talvez essa fosse uma forma de trazer aos porto-alegrenses novamente a experiência de ver trechos de óperas que são conhecidos amplamente fora de seu contexto original. Se as comédias têm mais repercussão em termos de público, talvez a escolha de uma peça dramática possa se mostrar um caminho interessante para trazer aos espectadores uma experiência mais ampla em termos de repertório e de vivência de montagens líricas em sua completude.
* Jornalista e crítico