Por Everton Cardoso *
A estreia da ópera O Quatrilho, em Porto Alegre, no fim de semana passado, foi uma alegria. A começar pelo fato de que estamos num momento, no Brasil como um todo, em que as produções dedicadas a esse gênero estão escassas – inclusive nas grandes casas líricas do centro do país. Mais animador ainda é o fato de esta ser uma composição inédita – o que se vê com mais frequência são montagens do repertório já consagrado. A iniciativa de adaptar uma obra de relevância na cena literária sul-rio-grandense em formato lírico é, por isso, digna de aplauso – ainda mais em se tratando de uma história que já teve repercussão mundial quando adaptada em filme. E isso tudo no Rio Grande do Sul, onde não há, atualmente, uma companhia estável de ópera ou algum projeto mais regular – a não ser pela montagem anual da Ospa. É, pois, uma conquista da equipe e do elenco.
A adaptação do enredo para os palcos foi feita pelo próprio José Clemente Pozenato, autor do romance original. O libreto traz a vida dos dois jovens casais da colônia italiana – Ângelo e Teresa; Pierina e Mássimo – que decidem morar na mesma casa para viabilizarem a compra de terras e a construção de um moinho. Com o tempo, Teresa e Mássimo se apaixonam e fogem. Deixam para trás Ângelo e Pierina, que decidem reconstruir a vida juntos e prosperar. Contrapõem-se, como vai ficar evidente na cena final da ópera, o amor e a fortuna.
O encerramento da composição de Vagner Cunha explicita a moral da história num estilo muito frequente nas obras do repertório lírico tradicional. A cena começa com um primeiro acerto de contas entre os homens e as mulheres implicados no romance: Ângelo acusa Mássimo de ladrão; Pierina chama Teresa de sem-vergonha. Realça-se, assim, uma discussão moral sobre o lugar da mulher e sobre o sentido do casamento. Os quatro partem, depois, para a exaltação de suas crenças na busca pela felicidade, seja pela riqueza, seja pelo amor. A música, nesse momento, oferece uma dramaticidade impressionante e que, interpretada de forma muito competente pelos cantores, deriva para um coro sobre o jogo do quatrilho. "O jogo ensina a viver:/ ensina a ganhar,/ ensina a se arruinar./ Ensina mais que isso:/ ensina a ter coragem/ e ensina a lutar", diz o texto cantado em italiano.
Entre os momentos de destaque, está a cena em que a personagem Pierina se vê abandonada pelo marido: religiosa e marcada pelo pragmatismo, transforma o choro em uma Ave Maria – entoada em latim numa bela melodia – e depois canta um lamento que, aos poucos, ascende para a superação de seu drama pessoal. Se a composição já dava conta da importância desse trecho, a interpretação vocal e cênica da soprano Maíra Lautert imprime uma dramaticidade que torna a cena memorável. Depois disso, ela se apresenta ao também abandonado Ângelo como a possibilidade de construção de uma nova vida. O dueto de Maíra com o tenor Flávio Leite é, tanto pela concepção quanto pela interpretação, intenso e provocador. O personagem de Daniel Germano, Mássimo, tem seu momento de maior ênfase na ária que lhe é conferida logo no começo da obra: ele comemora a aproximação com Teresa quando os dois casais decidem coabitar. É uma bela e convincente interpretação do barítono.
O destaque no quarteto central do elenco é, sem dúvida, para Carla Maffioletti. A soprano consegue conferir à personagem Teresa, em seus momentos de canto, a profundidade que lhe é devida. Nenhuma surpresa, aliás, já que se trata de uma intérprete de carreira mundial e com um apuro vocal capaz de deixar quem a assiste hipnotizado. Talvez um acento mais sensual e dramático nos diálogos falados em português pudessem ter permitido compreender melhor a personagem que, apesar de uma experiência de mundo restrita, consegue subverter a realidade que a ela se impõe e que a soterra. O amor, filosofa ela em dado momento, não é a mesma coisa que casamento.
Com cenário e figurino adequados e com uma interpretação musical competente sob a regência de Antonio Borges-Cunha, O Quatrilho é um espetáculo que vale a pena ser visto. A bela composição nos leva a passear por uma história que, no fundo, versa sobre os dilemas maiores da natureza humana e que poderia estar ambientada em qualquer lugar e em qualquer época _ este, sem dúvida, o maior poder da experiência intensa que é assistir a uma ópera. Para quem ainda não a pode ver, resta a expectativa de que, depois da turnê pelo interior do Estado, haja nova temporada em Porto Alegre.
* Jornalista e crítico
TURNÊ NO RS
RESTINGA SECA
Nesta sexta-feira (3), às 20h, no Auditório da Antonio Meneghetti Faculdade, no Recanto Maestro. Ingressos a R$ 90
BAGÉ
Dia 9 de agosto, às 20h30min, no Museu Dom Diogo de Souza. Ingressos a R$ 90
PELOTAS
Dia 10 de agosto, às 21h, no Theatro Guarany. Ingressos a R$ 90
PASSO FUNDO
Dia 12 de agosto, às 20h30, no Teatro do Colégio Notre Dame. Ingressos a R$ 90
BENTO GONÇALVES
Dia 15 de agosto, às 20h30min, no Anfiteatro Ivo Antonio da Rold da Casa das Artes. Ingressos a R$ 90
CAXIAS DO SUL
Dia 18 de agosto, às 21h, no Teatro Murialdo. Ingressos a R$ 90
NOVO HAMBURGO
Dia 19 de agosto, às 19h, no Teatro Feevale. Ingressos de R$ 80 a R$ 150
Os ingressos estão à venda pelos sites uhuu.com (Novo Hamburgo) e blueticket.com.br (demais cidades).