Uma Portugal prestes a entrar na Guerra dos Sete Anos e um protagonista com a missão de impedir uma sabotagem. Em Homens Cordiais, o escritor gaúcho Samir Machado de Machado lança o agente secreto brasileiro Érico Borges no subterrâneo de Lisboa, nas montanhas e em um palácio de madeira, em uma aventura que envolve desde pirataria até conspiração.
A obra é uma continuação de Homens Elegantes (2016), mas pode ser lida individualmente. Trazendo novamente a mescla entre ficção e história, o livro representa mais um passo na concretização de um desejo de Samir: criar uma série de aventuras e duelos com um mesmo protagonista, a exemplo da franquia de James Bond.
Para que Homens Cordiais pudesse sair do papel, foram necessários cerca de quatro anos de pesquisa, iniciados em 2014. Nas jornadas de Érico Borges, o escritor preocupa-se em retratar determinado período histórico de maneira fidedigna, mas usualmente precisa dispor de licenças poéticas em alguns detalhes da trama. Desta vez, contudo, é diferente: neste lançamento, até os antagonistas realmente existiram.
— Esse talvez seja meu livro mais fiel aos fatos históricos — diz Samir.
Ambientada em meados de 1762, a trama se passa quando Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal, era premier português e queria modernizar seu país. Contudo, ao promover a ascensão de uma nova classe social — a burguesia —, ganhou a rivalidade de nobres da época, que passaram a temer a perda de seus privilégios e a tramar contra o Marquês. Ao mesmo tempo, Portugal estava em uma situação delicada: precisava manter uma boa relação com a Inglaterra, mas era pressionado pela Espanha e pela França para tomar partido na Guerra dos Sete Anos.
É em meio à escalada de tensões que Érico Borges entra. A ele é incumbida a missão de seguir os passos da sociedade aristocrática chamada Confraria da Nobreza. Para conseguir impedir uma possível sabotagem da elite portuguesa, o protagonista se une a uma influente anfitriã de eventos, a um soldado inglês e a um estudante expulso de Coimbra.
— Tem relatos de generais franceses e ingleses da época segundo os quais a nobreza tinha tanto ódio do Marquês de Pombal que estava disposta a sacrificar até o rei. Essa elite parasitária tinha tanto medo de uma mudança social, cultural e política que preferia se livrar do país a perder seus privilégios — conta Samir.
Herança
Ainda que a sociedade tenha mudado de lá para cá, o autor afirma perceber diálogos com a contemporaneidade. Cita como exemplo a preferência da elite em consumir cultura estrangeira ao invés de incentivar artistas locais. Também faz relação com a economia, que era dependente de outros países até o Marquês de Pombal começar a criar estatais, como a Real Companhia Velha, para contornar a situação.
Mesmo prezando pelo comprometimento com a história, o grande enfoque do livro é o entretenimento "com E maiúsculo", diz Samir. Segundo ele, a literatura de massa é a mais política de todas, uma vez que o enredo sempre parte de determinados pressupostos sobre o que é bom ou ruim, estabelecendo para si quais são os valores bem-vistos pela sociedade. Vale lembrar também que Érico é um personagem homossexual, criado em meio à pouca representatividade LGBT+ nesse gênero de aventura.
— De certa forma, toda a cultura do século 20, como o cinema, os jogos de videogame, a literatura e os quadrinhos, vem de uma herança imperial e há anos reproduz uma cultura que não é a nossa. Me interessa pensar uma literatura de entretenimento que seja calcada em valores mais próximos da cultura brasileira — afirma.
Apesar de estar planejando uma franquia de Érico Borges, Samir classifica o atual momento como "nebuloso". Por vezes, diz se pegar questionando o sentido de pensar o entretenimento ou a cultura em um país que está "afundado". O autor costuma dizer que, nesses romances históricos, volta ao passado porque não consegue olhar para o futuro.