Sem querer azarar ninguém desta calejada turma, parece pouco provável que entre os grandes cineastas em atividade alguém bata o recorde do português Manuel de Oliveira, que morreu aos 106 anos, em 2015, ainda lançando filmes – fez alguns de seus mais celebrados títulos depois dos 80.
No time de diretores veteranos que seguem firmes no comando de um set, um que desponta com seu vigor físico e criativo é o americano Clint Eastwood, que, aos 89, está com filme novo no circuito, O Caso Richard Jewell, que estreia no Brasil no dia 2 de janeiro. Conta uma história real: em 1996, o segurança que dá nome ao filme alertou sobre a existência de uma bomba na Olimpíada de Atlanta (EUA) e salvou muitas vidas, mas acabou suspeito de ligação com o atentado terrorista.
Desta vez, Eastwood apenas dirige a exaltação ao seu tipo recorrente de herói, aquele que transita entre zonas de luz e sombra. Em seu projeto anterior, A Mula (2018), no qual também atuou, o realizador encarnou um personagem que lhe tem sido caro nessa fase crepuscular: o sujeito solitário e ranzinza que arrasta traumas de um passado marcado por cicatrizes afetivas.
Escalando uma seleção de craques consagrados na história do cinema, com o critério de deixar de fora talentos sub-75, forma-se um time com artistas que seguem batendo um bolão – Steven Spielberg, por exemplo, com 73, ainda farda com os juvenis. Outro com 89 anos é o franco-suíço Jean-Luc Godard, astro remanescente da Nouvelle Vague que não arrefece a veia provocadora que impacta admiradores de diferentes gerações, sobretudo as mais jovens. Em 2019, esse eterno enfant terrible ganhou o Prêmio Especial e a Palma de Ouro honorífica no Festival Cannes, onde competiu com o experimental Imagem e Palavra. Godard anuncia que seu novo longa, ainda sem nome, é inspirado na tragédia Bérénice, do dramaturgo Jean Racine.
Aos 87, o espanhol Carlos Saura emenda um projeto em outro. Acaba de aprontar o documentário El Rey de Todo el Mundo, sobre a música popular mexicana, está envolvido com o drama biográfico Picasso y el Guernica e tem no horizonte uma cinebiografia de Johann Sebastian Bach. Já o polonês Roman Polanski, 86, ganhou em setembro o Prêmio da Crítica no Festival de Veneza com J’accuse, no qual reconstitui o famoso Caso Dreyfus, julgamento que dividiu a França no final do século 19. Nos meandros de uma trama que fala sobre injustiça e condenações sumárias de imprensa e opinião pública, Polanski espelha sua própria situação – foi condenado pelo estupro de uma adolescente nos EUA, em 1978, e, desde então, não pode retornar ao país.
A vida pessoal turbulenta tem sido encarada também por Woody Allen, 84. Em meio a denúncia de abuso sexual por uma filha adotiva, o diretor americano viu sua carreira ameaçada. Penou para lançar neste ano Um Dia de Chuva em Nova York. Enquanto defende-se das acusações, Allen segue no ritmo de trabalho frenético. Para 2020, tem agendado o longa Rifkin’s Festival.
Na Argentina, Fernando Solanas, 83, segue tocando documentários politicamente engajados, como Viaje a los Pueblos Fumigados (2018), sobre o impacto ambiental e social do uso de transgênicos e agrotóxicos nas zonas rurais. Representante italiano no time, Marco Bellocchio, 80, lançou em Cannes, em maio, O Traidor, sobre a jornada de Tommaso Buscetta, mafioso graúdo pioneiro na delação premiada.
Também aos 80, Francis Ford Coppola, com carreira opaca nos últimos anos – está mais dedicado a sua produção de bons vinhos –, anunciou a retomada de um antigo e ambicioso projeto: a ficção científica Megalopolis, sobre o plano de reconstrução de Nova York após um devastador desastre. Chapa de Coppola, Brian De Palma, 79, tem na conta Domino, que passou batido agora em 2019, e tem na fila projetos como Sweet Vengeance, a ser estrelado pelo brasileiro Wagner Moura. Com a bandeira do Brasil, Cacá Diegues, 79, lançou no ano passado O Grande Circo Místico e quer agora rodar A Dama, thriller político ambientado nos anos 1970, em meio à ditadura militar.
Fechando o tarimbado escrete, dois prolíficos gigantes de 77 anos: o alemão Werner Herzog, hoje voltando sua inquietação mais aos documentários, e Martin Scorsese, que assina um dos filmes mais badalados da temporada, O Irlandês, indicado a cinco Globos de Ouro e provável concorrente ao Oscar em importantes categorias. Scorsese é um dínamo. Entre os trabalhos que tem na planilha, está a cinebiografia Roosevelt, nova parceria com Leonardo DiCaprio.