Após mais de uma década de uma produção acidentada e um longo processo de três anos de finalização, Cacá Diegues apresentou no 46º Festival de Cinema de Gramado seu longa-metragem O Grande Circo Místico. Com um elenco estrelado que inclui nomes como Mariana Ximenes, Bruna Linzmeyer, Antonio Fagundes, Marcos Frota, Jesuíta Barbosa e o francês Vincent Cassel, a produção narra a trajetória de cinco gerações de uma família proprietária de um circo, de 1910, quando a companhia é fundada, até o século 21, quando a decadência do próprio circo se reflete na de muitos dos personagens. No debate que se seguiu ao filme, na manhã de sábado (18), Cacá e a produtora Renata Magalhães também comunicaram que a estreia comercial da obra foi adiada. Originalmente previsto para ingressar no circuito comercial em 6 de setembro, o filme teve sua estreia adiada para 15 de novembro.
— Com o atual momento que vivemos, achamos apropriado adiar a estreia para depois das eleições, com esperança de que as coisas estejam melhores. — comentou Renata.
O Grande Circo Místico é uma adaptação do poema de mesmo nome escrito pelo surrealista brasileiro Jorge de Lima. De modo geral, a narrativa segue de modo bem aproximado o pouco que o poeta esboça nas 47 linhas do poema original. No início do século 20, o jovem aristocrata falido Fred (Rafael Lozano) funda o circo como um presente à sua amada contorcionista Agnes (Bruna Linzmeyer). Com a passagem das gerações, o circo vai sendo herdado pelos filhos e principalmente filhas da geração anterior.
No debate, no sábado, Cacá Diegues comentou que o projeto o acompanha há 14 anos.
— Levei muito tempo para armar a produção. Primeiro para escrever o roteiro, porque é muito difícil transformar um poema em dramaturgia, sobretudo esse do Jorge de Lima, que são poucos versos, sem muito detalhe das histórias. Nós, eu e o roteirista George Moura, usamos o poema como estrutura, mas tivemos que inventar muita coisa. Isso exigiu da gente também pesquisa da obra dele, porque a gente queria usar outras coisas dele tanto dos poemas quanto dos romances. E levamos alguns anos para terminar. Não é que eu não tenha feito nada nesse tempo, eu produzi documentários, produzi o Cinco Vezes Favela – Agora por Nós Mesmos.
A conclusão do trabalho foi realizada em 2014. As filmagens foram realizadas entre janeiro e março de 2015 em Portugal, e depois mais três anos se consumiram na pós-produção.
— A finalização foi ainda mais difícil, tinha muitos efeitos especiais. Por causa da coprodução do filme com a França, a finalização dos efeitos era dos franceses. E às vezes eu recebia o material dele, não gostava e pedia para fazer de novo. E levei três anos e meio nisso. Não só pelos efeitos mas pelo som, que é um som rebuscado, trabalhoso.
A produção também teve seus percalços pelos próprio tema. Com uma história que atravessa cem anos da tradição circense, era necessário que o filme tivesse animais no palco, algo que circos de verdade no Brasil não têm mais depois de proibidos por lei.
— Primeiro a gente chegou a pesquisar treinadores que pudessem nos alugar animais, mas era algo extremamente caro. Algo como R$ 150 mil por dia mais despesas com transporte, cuidados, alimentação. Por esse preço dava para tentar contratar o Brad Pitt. Por computação gráfica também seria muito caro. O filme só foi realizado porque apareceu a possibilidade de fazê-lo em Portugal, no Circo Victor Hugo Cardinalli, que ainda tem animais e que são muito bem tratados — comentou a produtora Renata Magalhães.
Foi um filme que exigiu do elenco uma grande preparação física. Para viver a contorcionista, Bruna Linzmeyer se dedicou a um treinamento de Yoga. Maria Ximenes fez seis meses de aulas de trapézio e faz praticamente todas as suas cenas no alto da lona. O elenco também flagra o circo como uma comunidade internacional. Além de Vincent Cassel, astro francês de produções como O Ódio e Irreversível, também estão no filme a francesa Catherine Mouchet (de O Pornógrafo), o polonês David Ogrodnik, entre outros. Marcos Frota, ator conhecido por sua ligação com o circo na vida real, faz um pequeno papel, mas teve papel importante como consultor.
Mas uma das marcas características do filme é sua recusa à narração realista. O ator Jesuíta Barbosa vive na produção Celavi, mestre de cerimônias do circo que é também uma mistura de narrador e coro grego, já que ele está presente em todas as etapas da companhia – e, enquanto outros personagens envelhecem e morrem, Celavi permanece inexplicavelmente jovem, sendo esse apenas um dos elementos de realismo fantástico que o cineasta adota na produção.
— Esse filme é meu resgate do barroco nacional. Estou de saco cheio dessa enxurrada de filmes naturalistas com pretensão de fazer do cinema um espelho exato da vida e da realidade. O cinema é um olhar sobre o mundo, ele não é uma reprodução exata. — comentou Cacá.