Longevidade e morte tornaram-se nos últimos anos temas recorrentes nas entrevistas de Manoel de Oliveira, diretor português que morreu nesta quinta-feira, aos 106 anos, meses após lançar um novo filme e com projetos anunciados por fazer. Sua vitalidade física e criativa é um caso sem precedentes na história do cinema - ele realizou alguns de seus mais aclamados filmes depois dos 80 anos.
Em 2004, em uma de suas vindas ao Brasil para participar da Mostra Internacional de São Paulo, Oliveira concedeu uma longa entrevista ao jornalista de ZH Roger Lerina. Medo da morte?
- Nunca a vi. A morte pode ser reveladora ou pode ser uma queda no esquecimento. Gostaria de morrer e poder renascer para ter esse conhecimento. Não tenho medo da morte, tenho medo do sofrimento.
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O diretor morreu de parada cardíaca, em sua casa na cidade do Porto, segundo seus familiares. E conseguiu realizar seu desejo de "filmar até o fim". Festejou seus 106 anos, em dezembro passado, lançando o curta O Velho do Restelo, no qual, inspirado no personagem homônimo apresentado por Luís de Camões em Os Lusíadas, colocou personalidades reais ao lado da figura de Dom Quixote para discutir o passado, o presente e o futuro de Portugal.
Segundo registro de um cartório da cidade do Porto, Oliveira nasceu em 12 de dezembro de 1908, mas fontes biográficas apontam o dia 11 como o correto. De uma família abastada, Oliveira se apaixonou pelo cinema na juventude e realizou curtas documentais nos anos 1930. Fez seu primeiro longa em 1942, Aniki-Bobó, sobre jovens marginais que circulavam pelas margens do rio Douro. O fracasso do filme o afastou do cinema por décadas. Retomaria a carreira nos anos 1970, consagrando-se entre os grandes autores contemporâneos.
A inquietude e a curiosidade em torno dos dramas existenciais do homem (amor, morte, solidão) e dos grandes temas históricos, políticos e sociais eram características de Oliveira. Diante dessa sua ambição de fazer do cinema um espelho de aflições profundas, estabelecendo uma aproximação com a literatura e o rigor cênico do teatro, Oliveira nunca efetivou um diálogo com o grande público.
Foi no ambiente dos grandes festivais e da crítica internacional que o diretor encontrou maior respaldo a sua obra. Em 2008, ele recebeu a Palma de Ouro especial no Festival de Cannes. No ano seguinte, a homenagem se deu no Festival de Berlim. Entre os projetos que Oliveira ainda esperava realizar, estava A Igreja do Diabo, inspirado em três contos de Machado de Assis.
7 FILMES PARA CONHECER MANOEL DE OLIVEIRA
ANIKI-BÓBÓ (1942)
- Destaca uma gangue de crianças que circula pela região do Porto. Considerado um dos precursores do neorrealismo.
NON, OU A VÃ GLÓRIA DE MANDAR (1990)
- Ambientado nas guerras coloniais travadas por Portugal na África, ilumina os grandes conflitos vividos pelo país em sua história.
O CONVENTO (1995)
- Com Catherine Deneuve e John Malkovich, mostra um professor americano à procura de documentos que provem sua tese de que Shakespeare era espanhol.
VIAGEM AO PRINCÍPIO DO MUNDO (1997)
- Prêmio da Crítica no Festival de Cannes, é o último filme de Marcello Mastroianni, que vive um diretor de cinema que evoca suas memórias de infância durante viagem pelo interior de Portugal.
PALAVRA E UTOPIA (2000)
- O ator brasileiro Lima Duarte participa desta produção que destaca o padre português Antonio Vieira, que teve marcante atuação humanista como missionário no Brasil do século 17.
UM FILME FALADO (2003)
- John Malkovich vive o comandante de um navio de cruzeiro no qual embarcam mãe e filha rumo à Índia. No trajeto, são destacados em diferentes países grandes temas históricos, políticos e culturais.
SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOIRA (2009)
- Adaptação de Eça de Queirós, tem como protagonista Ricardo Trêpa, sobrinho de Oliveira e ator recorrente em seus filmes, no papel de um rapaz abalado por romance proibido com uma jovem vizinha.
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Marcelo Perrone
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