Apaixonado pelo Brasil desde a infância, quando sonhava em conhecer as tribos indígenas, a biodiversidade e as florestas tropicais, o norueguês Bjorn-Einar Nilsen jamais imaginava um dia viver em terras brasileiras. Desde o ano passado, porém, Nilsen, 56 anos, mora em Osório, no Litoral Norte, onde já fotografou mais de 140 espécies de aves, além de jacarés, cutias, ratões-do-banhado e graxains.
A primeira vez no Brasil foi em 2012, quando esteve no país como integrante do Comitê Internacional de Solidariedade ao Povo Guarani Kaiowá, e visitou diferentes tribos indígenas. Na mesma época, conheceu bióloga gaúcha Solange Dias, 40 anos, com quem está casado desde 2013. Dois anos depois, o casal mudou-se da Noruega para fixar residência no Rio Grande do Sul. Foi então que Nilsen intensificou o trabalho de captar imagens da natureza. Primeiro, em Gravataí, onde viveu um ano. Nos dois anos seguintes, em Derrubadas, no Noroeste gaúcho. E, desde março de 2019, em Osório.
— Aqui (Osório) é uma área com um ecossistema diferenciado. Há muitas lagoas interligadas, que fornecem alimento para as aves. Tem a Mata Atlântica, os cordões litorâneos, a mata de restinga e o mar. Uma infinidade de ecossistemas que, além de formarem belas paisagens, oferecem refúgio para reprodução, alimentação e hábitat para muitas espécies — comenta o fotógrafo, que é autodidata em fauna brasileira.
Cada saída diária é uma nova aventura. No carro, botas de borracha estão sempre prontas para alguma travessia. Colete, chapéu, os equipamentos fotográficos e uma caixa de som emitindo ruídos de pássaros para atraí-los são itens indispensáveis, assim como o cantil cheio de água, para o caso de a saída fotográfica se estender mais do que o previsto. Mas o norueguês tem também uma canoa e um caiaque, usados nas expedições em lagoas e lagos. Nilsen relata gostar de fotografar quando as aves fazem algo diferente ou interagem entre si. Sua preferência é quando refletem no espelho d'água, gerando o chamado mirror effect (em português, efeito espelho).
Na fotografia de natureza, ressalta, é preciso paciência ao extremo. Por dia, são milhares de fotos para serem selecionadas no final da saída. De cada cem cliques, o norueguês costuma separar apenas dois.
Em busca da melhor imagem ou de um registro único, Nilsen percorre a região de quatro a cinco vezes por semana, nos períodos da manhã e da tarde, na maioria das vezes sozinho. Os locais costumam variar, mas ele tem os preferidos: Morro da Borússia, localidade de Passinhos, Lagoa das Custódias e Lagoa Marcelino.
— Apesar de ser uma lagoa bem próxima ao Centro, foi na Marcelino que consegui registrar três espécies que sempre quis fotografar: o papa-piri, o cardeal-do-banhado e o bacurau-tesoura-gigante — conta, entusiasmado.
Quatro décadas de fotografia
Nilsen dedica-se à fotografia de natureza há mais de 40 anos, tarefa que exerceu no tempo livre até se desfazer na Noruega da empresa do ramo da construção civil, da qual era dono. Desde então, dedica-se com exclusividade ao trabalho de fotógrafo e disponibiliza para venda as imagens produzidas.
Quando fotografa uma ave pela primeira vez, Nilsen busca informações sobre ela em livros e depois contribui com imagens e informações para o wikiaves.com.br, site que registra as aves brasileiras a partir da colaboração de usuários.
— Meu objetivo é mostrar a beleza da natureza, pois tenho a esperança de que, através das imagens que capturo, as pessoas vão apreciar mais e, assim, cuidar do que ainda resta da nossa biodiversidade — aponta.
Nilsen nunca morou em outra região do Brasil, mas admite gostar muito do Rio Grande do Sul por conta da biodiversidade. Além disso, destaca a simpatia das pessoas e, principalmente, o clima. Na Noruega, lembra, o inverno é de frio rigoroso e sem luz, devido às poucas horas de sol. No verão, o tempo é muito instável.
— Aqui tem sol o ano inteiro. Isso é muito bom. Diferenças culturais e sociais existem nos dois países, cada um com suas particularidades. Mas é preciso lembrar que o Brasil é um país continental e a Noruega tem apenas um pouco mais 5 milhões de habitantes — aponta.
No período no Rio Grande do Sul, Nilsen já levou alguns sustos enquanto fotografava. Um deles ocorreu em Gravataí, quando recebeu 35 picadas de abelhas-africanas no rosto. Foi preciso correr quase um quilômetro para se livrar dos insetos voadores. Além da dor inicial, o inchaço da face permaneceu por alguns dias. Em outro momento inesperado, em Derrubadas, o norueguês foi picado por uma aranha-marrom ao enfiar o pé esquerdo dentro da bota. Mais uma vez, além da dor, o dedão ficou inchado e escurecido nos dias seguintes. Mas de todas as lembranças de fotógrafo, ele destaca sem qualquer dúvida a experiência com as onças-pintadas no Parque Estadual do Turvo, em Derrubadas. Uma delas, a primeira a ser registrada no único lugar do Estado que abriga esta espécie, foi batizada pelo fotógrafo com o nome de Boreal, em homenagem à aurora boreal _ fenômeno natural que ocorre no céu da Noruega com mais frequência entre os meses de novembro e março.
Em duas situações, o fotógrafo foi surpreendido pelo felino enquanto descia do carro, ficando frente a frente com o animal. Em ambas, a onça não demonstrou intenção de feri-lo. Pelo contrário, se afastou lentamente, o tempo necessário para os cliques serem guardados:
— Fiquei olhando fixamente para ela, sem demonstrar medo. Isso ajudou naquele momento. Mas era um bicho dócil. Infelizmente, fiz o último registro de Boreal em dezembro de 2017. Depois, ele sumiu. Dizem que caçadores ilegais mataram uma onça na região. Acho que, infelizmente, foi ele.
Nilsen conta que as fotos foram realizadas com um misto de paciência e coragem, pois foi preciso ficar sentado no carro aguardando o animal aparecer e ainda sair do veículo para conseguir o melhor ângulo. Era necessário ficar próximo ao animal, numa distância de menos de dez metros e sem perturbá-lo.
Mesmo com a alta procura, as fotos das onças não são comercializadas pelo norueguês. O motivo é que elas foram feitas dentro de uma reserva ambiental. As outras estão à venda. Futuramente, ele pretende fazer um livro didático sobre fotografia de natureza. Também deseja organizar uma exposição com o material, mas para isso precisa de patrocínio — algo que ele ainda não tem.
Pelo Rio Grande do Sul
Apesar de ter vivido em apenas três cidades gaúchas, o norueguês já percorreu praticamente todos as regiões do Estado em busca de novos cliques. Conheceu parques, reservas e a costa. Até por isso, não pensa em deixar o Rio Grande do Sul.
Na Lagoa do Marcelino, por exemplo, sabe de cor quantos colhereiros e mergulhões-de-orelha-branca visitam o cenário paradisíaco, apesar da interferência humana (a reportagem encontrou lixo nas margens e dentro da lagoa). São 25 e 30, respectivamente, garante Nilsen.
Junto com a equipe de GaúchaZH, o norueguês — que se expressa em português, mas prefere falar raciocínios mais longos em inglês e em Bokmål/Norsk (falado na Noruega) — percorreu a Marcelino e visitou uma área de floresta no Morro da Borússia. A cada novo voo de uma ave ou som vindo do meio da mata, parava a entrevista e apontava a câmera para alguma direção. Temia perder alguma novidade.
Ao final do encontro, ainda no meio da floresta, Nilsen desistiu de voltar com a dupla de reportagem e o motorista para o Centro de Osório. Ligou a caixinha pendurada sobre o peito, aumentando o som do que seria um animal agonizando. A ideia era atrair outros bichos até o local onde ele estava.
— Vou tentar achar um graxaim — confessou baixinho, antes de seguir caminhando pela estrada.