Vagarosamente e em silêncio, as dunas móveis ocupam espaços imprevistos pelos veranistas em partes do litoral norte gaúcho. Dependendo da intensidade e da contribuição do vento, da noite para o dia, acabam cobrindo ruas, calçadas e pátios. Em casos extremos, como no Balneário Quintão, pertencente a Palmares do Sul, impedem a entrada e a saída das casas e a circulação por ruas e avenidas.
Com a licença suspensa pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) desde outubro de 2019, por descumprir ações previstas no Plano de Manejo das Dunas, a prefeitura de Palmares está impedida de executar a retirada da areia fina que cobre as vias do balneário, cuja extensão frontal de sete quilômetros de orla é toda com dunas.
O Departamento de Qualidade Ambiental da Fepam explica que a suspensão se deu pela falta de apresentação reiterada de informações ambientais nos prazos exigidos e por deixar de adotar medidas de precaução ou contenção em caso de dano ambiental, tais como edificação em andamento de residências em área de dunas frontais, obra de drenagem irregular e sem observação de critérios ambientais e abertura de vias de circulação no campo de dunas, não constantes no plano apresentado.
A situação mais crítica envolvendo Palmares ocorre no sul do Balneário Quintão, na praia Santa Rita, onde caminhar pelas ruas Limite Sul, Diana, Vênus e Penélope em direção à praia transmite a sensação de percorrer uma área deserta. No entroncamento com a Avenida Atlântica, a última antes da orla e que já foi engolida pela areia, há pelo menos oito casas cujas portas e janelas estão cobertas pelas dunas. Vizinhos afirmam que os moradores não voltaram nesta temporada porque não conseguiram ficar no local.
Veranista da Rua Diana há 10 anos, a dona de casa Silvia Lemes, 64 anos, de São Leopoldo, conta que cansou de acionar a prefeitura solicitando o manejo das dunas frontais que se moviam em direção às ruas do condomínio Núcleo Santa Rita. Em vão.
— Piorou muito neste ano. O vento parece mais forte e ajudou a fazer tudo andar mais rápido. Tem veranista que veio, viu a casa engolida e voltou porque sabe que não pode mexer sem autorização da prefeitura. Pagamos IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), mas nem isso resolve a situação — conta.
Segundo a diretora do Departamento de Meio Ambiente de Palmares do Sul, Andreza Lima Nascimento, a prefeitura pretendia apresentar à Fepam, nesta quinta-feira (6), as mudanças solicitadas pelo órgão. Se obtiverem a recuperação da licença, poderão manejar a areia para a área de preservação das dunas — entre as moradias e a orla —, de onde elas saíram. Cinco casas construídas na área de preservação também deverão ser retiradas com ordem judicial.
— Quando estivermos com a licença em vigor, os próprios moradores poderão fazer este manejo a partir das nossas orientações — alerta a diretora, que não sabe quando isso ocorrerá.
A Fepam informou, em nota, que espera que a prefeitura de Palmares encaminhe a regularização da atividade a partir desta quinta-feira. Para recuperar a licença ambiental, o município depende de avaliação da documentação técnica por parte da Fepam, no que se refere ao atendimento de todas as pendências, e da "realização de vistoria na área do empreendimento, de modo a verificar a situação atual da área e a conformidade da documentação ainda não apresentada".
Prefeitura tenta resolver pendências
De acordo com o secretário de Planejamento do município, Lucas Lima Silveira, esta administração de Palmares do Sul assumiu a prefeitura no ano passado, quando ocorreram novas eleições, e o problema com a licença para movimentar as dunas já existia. Por isso, a atual administração corre contra o tempo para acabar com as pendências ambientais junto ao Estado. Silveira calcula que a remoção das dunas nas vias públicas ocupa 60% da mão de obra da Secretaria no período do verão.
Enquanto a situação não se resolve, Aluir Francisco Manenti, 58 anos, veranista da Rua Vênus, acompanha uma chuva diária de areia sobre a casa da família. Como o vento vem pelos fundos da casa, movimenta as dunas. Com isso, a areia bate nas paredes, ultrapassando o telhado e caindo no pátio da frente. Quem chega à morada é surpreendido pelos grãos finos que caem do céu.
Na rua, uma duna já se forma em toda a extensão, impedindo a passagem de veículos, principalmente do caminhão que recolhe o lixo. Para entrar em casa de carro, Manenti precisa colocar o veículo de ré ou não passa pela camada de areia. A ventania é tanta que, nos fundos, foi preciso improvisar uma lona tapando a casa, já que a outra obra, de três cômodos, em construção no terreno foi sepultada pelas dunas durante o ano passado. O prejuízo é calculado em mais de R$ 5 mil.
— Em 2019, passei um mês tirando areia dos fundos de casa no carrinho de mão. Neste ano, quando chegamos aqui, estava tudo engolido. Minha mulher quer vender, mas eu gosto daqui. Então, vou esperar a licença para recomeçar tudo — diz, confiante.
Balneário Pinhal e Cidreira
Conforme a Fepam, outras duas praias do Litoral Norte são cercadas pelas dunas, mas apenas uma delas está liberada para manejá-las: é Balneário Pinhal, que obteve a primeira licença em 2008 e atualmente possui licença em vigor.
Já em Cidreira, dois processos foram instruídos em 2005 e 2009, porém sem continuidade e finalização do processo de licenciamento. Para o órgão, é o caso mais crítico do Litoral Norte, pois há extensa ocupação irregular de dunas frontais.
Vanessa Teixeira da Rosa, da Secretaria de Meio Ambiente de Cidreira, explica que o município contratou em agosto de 2019 uma empresa especializada para produzir o primeiro plano de manejo de dunas da cidade. A previsão é de que o projeto seja finalizado até maio deste ano e encaminhado à Fepam. A partir daí, a prefeitura pretende obter a licença para movimentar as dunas.
O maior problema enfrentado por Cidreira, segundo Vanessa, realmente são as ocupações de espaços proibidos, principalmente nos bairros Antena, Francisco Mendes e Costa do Sol. Todos eles têm áreas de preservação de dunas. Por isso, diariamente, uma equipe de fiscalização percorre a cidade para impedir novas invasões.
Saiba mais
- O Rio Grande do Sul apresenta como uma de suas características específicas e raras uma extensa planície costeira de composição arenosa, gerada a partir de processos de avanço e recuo do mar, ao longo do tempo geológico.
- Por isso, as dunas costeiras são de diferentes tamanhos e formas, sendo desenvolvidas a partir da deposição de areia pelo mar no ambiente de praia.
- A areia é, então, carregada pelo vento, vindo a acumular-se ao encontrar algum obstáculo e/ou com a diminuição da energia do vento, seu meio de transporte.
- Com o estabelecimento de vegetação típica, elas tendem a ficar estáticas ou estabilizadas.
- Já aquelas sem vegetação permanecem movendo-se de acordo com a intensidade do vento.
- Este conjunto, associado às lagoas e banhados interdunas, forma um campo de dunas, típico do nosso litoral.
- É um ambiente peculiar, cujas funções ambientais abrangem a estabilização da linha de costa; a constituição de uma barreira natural de defesa contra o avanço das ondas em eventos de ressaca marinha; a recarga hídrica, por serem muito porosas, e proteção do aquífero freático (vulgarmente conhecido como "lençol freático"), valioso manancial de água doce; importante habitat para espécies típicas de flora e fauna, incluindo-se aí, avifauna migratória.
- Uma duna pode ser mover até 23,4 metros por ano.
- As dunas são consideradas área de preservação permanente (APP) e não podem ser retiradas.
- As prefeituras sem licença de manejo só podem movimentar em casos emergenciais envolvendo risco de vida.
Fonte: Departamento de Qualidade Ambiental da Fepam.