— Confia no Pai lá de cima — disse Neusa Mossoi Guerreiro, sem conter a emoção, enquanto o filho Leonardo Mossoi, 26 anos, se espremia para entrar no avião que o conduziria para uma das maiores aventuras de sua vida.
Enquanto a pequena aeronave partia da pista do Aeroporto de Torres, no Litoral Norte, Neusa e o marido, José da Silva Guerreiro, se alternavam nas gravações e fotografias que eternizariam o momento. Na mesma velocidade em que o avião acelerava, pipocavam mensagens no celular da mãe: vinham da família toda querendo saber detalhes do que estava acontecendo.
Leonardo, ou Léo, como é chamado carinhosamente, tem síndrome de Down, alteração genética que pode acarretar em dificuldades motoras e atraso intelectual. Mas a condição não é empecilho para que ele cumpra diversas atividades e ainda encontre tempo e o apoio da família para buscar novos desafios. Neste sábado (2), o guri que surfa e é faixa roxa no jiu-jítsu se aventurou pelo céu de Torres. Ele participou de um salto duplo de paraquedas, para orgulho de toda a família.
A construção do salto teve participação de uma galera: a ideia veio do primo, Emerson Guerreiro, engenheiro eletricista e atleta de paraquedismo. Conhecendo o perfil inquieto e aventureiro do parente, ele se debruçou em pesquisas sobre saltos de paraquedas para pessoas com síndrome de Down. Ao encontrar diversos vídeos feitos no Exterior, percebeu que poderia convidar o primo. Então, sugeriu o desafio para a tia e madrinha, Neusa. A mãe de Léo, por sua vez, adorou a ideia e esperou a noite de quarta-feira passada (27) para falar com o filho e o marido.
— Conversei com os dois e ele me disse: "Mãe, eu quero ir" — relembrou.
Depois disso, foi só uma questão de poucos dias até a família organizar a descida de Caxias do Sul para Torres, para acompanhar Léo.
Ao mesmo tempo que vestia o macacão e recebia as orientações do instrutor e piloto de salto duplo Newton Nogueira, Léo mantinha o semblante tranquilo e o sorriso sempre no rosto. Diante das lentes de câmeras e celulares, retribuía com vários acenos.
Muito mais sereno do que os pais, que deixavam escapar um certo nervosismo, o menino foi sem pestanejar até o avião, ouviu novas instruções para o momento do salto: quem sairia primeiro, como ele deveria se posicionar na porta da aeronave, o que aconteceria em seguida e como seria quando o paraquedas abrisse. Atento e aplicado, encenou direitinho, em solo, como seria a saída porta afora. Dadas as lições, foi a vez de mais uma enxurrada de fotos e vídeos, sempre com sorrisos, poses e acenos do menino. Espremido no avião com Newton, o primo Emerson e mais o cinegrafista Vander Vicente, o guri partiu para seu novo desafio, no céu de brigadeiro de Torres.
— Ele subiu cantando (músicas de) Henrique & Juliano e, antes de saltar, fez o sinal da cruz na porta — contou Nogueira, da Arcanjos Shows Aéreos.
A aeronave subiu até atingir 10 mil pés (cerca de 3 mil metros), de onde abriu a porta para a imensidão azul. Na hora de pular, o guri ficou um pouco nervoso, mas em seguida caiu em queda livre, a 220 km/h, durante 30 segundos. Logo em seguida, o paraquedas se abriu. Ele e Newton, então, começaram a "navegar" pelo céu de Torres.
Lágrimas, beijos e abraços na chegada
Com os pés bem firmes no chão, Neusa e José lutavam contra o sol forte para enxergar o voo do filho. Depois de identificarem o paraquedas que trazia Léo, empunharam celulares e começaram os novos registros. Seguindo piamente as orientações de Nogueira, o guri levantou as duas pernas para aterrissar em segurança. Assim que tocou o solo, foi recebido com beijos, abraços e muitas lágrimas.
— Mais uma superação. Mais um orgulho do meu filho! — comemorava a mãe coruja.
— Tu é o cara! — completou o pai, que recebeu diversos "obrigados" do menino em retribuição.
Ainda bastante agitado após o salto, Léo resumiu em uma palavra o que acabara de experienciar:
— Amei!
Experiência única para o instrutor
De volta à sala de preparação, o jovem posou novamente para diversas fotos, recebeu o certificado do salto e ainda gravou um vídeo para a irmã mais velha, que não conseguiu sair de Caxias. Entre as muitas palavras que dedicava a ela, não faltaram inúmeros "eu te amo".
Desafio para o Léo e também para o instrutor Nogueira. Em 30 anos de carreira, ele conta que nunca tinha vivido experiência "emocional e técnica" semelhante.
— As emoções dele são totalmente puras. A gente sobe cheio de medos e sensações negativas, mas ele foi desprovido disso tudo. Foi uma grande lição — avaliou.
Antes de realizar o salto, Nogueira também pesquisou vídeos norte-americanos com pessoas com síndrome de Down e solicitou os exames médicos do menino, para garantir a segurança de todos.