Cansado da viagem nas águas agitadas do Litoral Norte, o pequeno lobo-marinho resolve parar na orla antes de seguir a jornada rumo ao extremo-sul do continente. Com a respiração ainda ofegante, acaba cercado por curiosos na areia. Uma criança se aproxima, uma mulher faz uma foto com celular. Mais audacioso, um guarda-vidas tenta acariciar o animal, enquanto o colega o fotografa. Arisco, o pinípede movimenta a cabeça para os lados demonstrando desconforto com o alvoroço dos humanos. Empolgado, um banhista encosta uma das mãos no pelo do lobo-marinho — que agita a cabeça na direção do homem, como se fosse mordê-lo. Outro jovem corre para fazer uma selfie em frente ao animal.
A cena descrita acima foi acompanhada e registrada pelo fotojornalista de ZH Jefferson Botega, no final da tarde de terça-feira, na praia de Nova Tramandaí. Antes de se afastar, ele ainda alertou o grupo para se distanciar do lobo-marinho. Porém, a animação pelo "achado" continuou. Apesar do entusiasmo e do aparente carinho dos banhistas por estarem próximos a um mamífero das águas, os gestos de aproximação não são recomendados por quem atua na área.
Segundo o biólogo Maurício Tavares, do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos da UFRGS (Ceclimar), a situação registrada na terça-feira passada ainda é comum, apesar do próprio órgão e de outras entidades, incluindo a Patrulha Ambiental, alertarem diariamente sobre os procedimentos em caso de avistamento de animais marinhos na orla. Tavares ressalta que o identificado em Tramandaí é um lobo-marinho-sul-americano, a espécie mais comum de pinípede na região, que alterna entre a vida na terra e no mar.
O biólogo explica que no inverno do ano passado, assim como em 2012, houve um aumento da população de lobos-marinhos na costa gaúcha devido ao grande número de nascimentos nas colônias reprodutivas mais ao Sul, como no Uruguai. Por isso, ainda há animais circulando na costa neste período. Como só há dois pontos de paradas com pedras (onde eles preferem ficar) — na Ilha dos Lobos, em Torres, e no Molhe Leste, entre São José do Norte e Rio Grande —, é muito comum estes animais descansarem na beira da praia antes de retornarem às colônias.
– Os mais jovens ficam por aqui (no Rio Grande do Sul) durante o verão. Principalmente, os que estão no início da vida e ainda não são reprodutivos, pois não há motivos para voltarem à colônia reprodutiva. Ele retornam aos poucos para o extremo-sul. Já esperávamos que, nesta temporada, eles surgissem com mais facilidade na nossa orla – ressalta Tavares.
O biólogo, porém, surpreendeu-se ao saber que três guarda-vidas também aproveitaram o momento para se aproximar do animal. Anualmente, antes do início da temporada, o Ceclimar faz treinamentos com os integrantes da Operação Verão, destacando como proceder na presença dos lobos-marinhos na costa. Tavares acredita ter sido um caso isolado de desconhecimento. É a mesma hipótese declarada pelo coordenador da Operação, major Cláudio Morais. Segundo ele, os guarda-vidas são orientados a não se aproximar e a afastar os banhistas do local.
Já teve caso de um lobo-marinho ganhar um peixe de um humano e morrer engasgado, pois o peixe não fazia parte da dieta dele devido ao formato e ao tamanho. Se estiver com fome, ele vai para o mar. Não é um animal doméstico. É silvestre e independente. Infelizmente, as pessoas têm muita falta de conhecimento e, até, de educação.
MAURÍCIO TAVARES
Biólogo do Ceclimar
Nesta semana, o biólogo do Ceclimar percorreu a faixa de areia entre Tramandaí e Cidreira e encontrou dois animais descansando em pontos distintos. Um deles era o mesmo cercado pelas pessoas em Nova Tramandaí.
– O procedimento padrão é deixar o animal tranquilo. Já teve caso de um lobo-marinho ganhar um peixe de um humano e morrer engasgado, pois o peixe não fazia parte da dieta dele devido ao formato e ao tamanho. Se estiver com fome, ele vai para o mar. Não é um animal doméstico. É silvestre e independente – alerta Maurício. – Infelizmente, as pessoas têm muita falta de conhecimento e, até, de educação – finaliza.
Guarda-vidas de Arroio do Sal dá bom exemplo
Um bom exemplo de como um guarda-vidas deve proceder ocorreu em Arroio do Sal, em janeiro deste ano. O bombeiro militar, soldado Jerley Peres Lucena, 35 anos, mergulhador de resgate há oito anos e exercendo a função de guarda-vidas pela primeira vez, encontrou na orla um lobo-marinho de cerca de um ano. Imediatamente, ligou para o Ceclimar para informar o achado e buscar orientações. Como o animal estava sem cortes, sem manchas de óleo ou redes grudadas ao corpo, Jerley apenas precisou sinalizar o espaço no entorno do pinípede. Mesmo assim, confessa ter sido estressante afastar os curiosos.
– Coloquei bandeiras, fiz um círculo na volta dele e escrevi na areia "não perturbe". Fiquei orientando os banhistas para não alimentá-lo. Mesmo assim, teve gente querendo colocá-lo no mar. Uma senhora tentou encostar a roda da bicicleta no animal. O bichinho não fugiu porque estava cansado. As pessoas precisam mesmo de uma maior conscientização – resumiu.
Depois de uma tarde na orla, o lobo-marinho avistado pelo soldado seguiu viagem rumo ao Sul do continente.
O que é um lobo-marinho-do-sul?
É um mamífero que habita o continente sul-americano desde o Rio de Janeiro, no Oceano Atlântico, até a Península de Paracas (Peru), no Pacífico. A população mundial é estimada em 400 mil exemplares, sendo considerada de baixo risco de extinção. As fêmeas vivem até 30 anos, e os machos, até 20. Os filhotes migram sozinhos para se alimentarem. Nas colônias reprodutivas, formam-se haréns, com até 13 fêmeas por macho.
Saiba mais
- O termo pinípedes (em latim, pinna significa pena, e podos, pés) significa pés em forma de pena.
- Quando em terra, os pinípedes costumam escolher as rochas ou as plataformas de gelo fixas ou flutuantes, geralmente em locais onde ocorre uma alta produtividade marinha. Deste modo, conseguem se alimentar sem realizar um grande gasto de energia na procura de alimento.
- Estão divididos em três famílias: Otariidae, que engloba os leões e lobos-marinhos; Phocidae, grupo das focas e elefantes marinhos; e Odobenidae, a família das morsas, que vivem isoladas nas águas do Ártico.
- Sete espécies de pínipedes utilizam o litoral do Estado: o lobo-marinho-sul-americano (Arctocephalus australis), o lobo-marinho-antártico (Arctocephalus gazella), o lobo-marinho-subantártico (Arctocephalus tropicalis), o leão-marinho-do-sul (Otaria flavescens), a foca-caranguejeira (Lobodon carcinophagus), a foca-leopardo (Hydrurga leptonyx) e o elefante-marinho-do-sul (Mirounga leonina).
Como agir se encontrar um animal destes vivo
- Jamais toque nos animais, pois eles podem ser agressivos.
- Mantenha distância de dez metros, pois esses animais são portadores de zoonoses que podem ser transmitidas para os humanos.
- Respeite a rotina de vida das espécies que utilizam a praia para descanso.
- Evite aglomerações em volta do animal. Muitas pessoas ao redor causarão grande estresse a ele, e pode ser perigoso.
- Mantenha os animais domésticos (cães, por exemplo) distantes.
- Nunca os alimente.
- Nunca tente retirá-los da praia ou transportá-los.
- Jamais tente recolocar o animal de volta ao mar.
- Se o animal não estiver sujo de óleo ou sem qualquer ferimento, deixe-o apenas descansar. Não é necessário informar às autoridades competentes.
Se avistar um lobo-marinho ou um leão-marinho sujo de óleo ou ferido, acione:
- No Litoral Sul
- Núcleo de Educação Ambiental (Nema), pelo fone (53) 3236-2420.
- Patram Rio Grande: (53) 3235-4702 - No Litoral Norte
- Patram Litoral Norte
- Osório: 3601-1726
- Tramandaí: 3661-4620
- Capão da Canoa: 3689-3206
- Torres: 3626-4798
- Ceclimar (51) 3627-1309
FONTES: Projeto Pinípedes do Sul, Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) e Patrulha Ambiental (Patram)