
"Deixe na praia só pegadas, recolha seu lixo." "É hora de cultivar paz, amor e amizade." Espalhadas pelos três terrenos que, juntos, chegam a um hectare, as placas coloridas com mensagens positivas e de conscientização ambiental confirmam que o projeto iniciado há nove anos pelo arquiteto Gilberto Santos de Souza, 55 anos, conquistou os frequentadores do Parque da Coruja, no bairro Tramandaí Sul, na praia de Tramandaí, no Litoral Norte. O espaço, que até 2010 era baldio e servia como depósito de lixo a menos de 50 metros do mar, hoje é o principal ponto de visitação da cidade e se tornou espaço para aulas sobre o meio ambiente. Tudo a partir da atitude de Souza.

Veranista da cidade desde a infância, ele cresceu em frente aos terrenos abandonados no final da Avenida Perimetral — principal via da praia. Cansado do descaso, Beto, como é conhecido, decidiu transformar o espaço em uma área onde a natureza pudesse ser valorizada. Em uma ação inicialmente solitária, ele elaborou um projeto contemplando praça para crianças, esculturas homenageando as corujas e as baleias jubartes, área para a prática de exercícios físicos, lago artificial e uma ponte de madeira para servir de mirante na direção do oceano.
Auxiliado por outro veranista, o escultor Mário Savedra, Beto iniciou os trabalhos limpando a área. Com uma máquina, abriram o buraco para o lago. Na época, houve quem discordasse da movimentação, chegando a dizer que ali se formaria um foco do mosquito da dengue.
Para deixar o espaço mais atrativo, Beto colocou tartarugas e deu vida ao entorno com paisagismo planejado. As pedras de basalto, por exemplo, foram doadas por fazendeiros da região do Morro da Borússia.
– Quem passava pela rua começou a fotografar o lago. Para a minha satisfação, as escolas da região fizeram do lugar um ambiente de estudo – conta Beto.
No ano seguinte, a prefeitura encarregou-se das instalações de lixeiras e luminárias. Manualmente, Beto construiu os brinquedos da praça, com materiais doados, e a Ponte dos Açores, que além de ser mirante está até hoje posicionada estrategicamente para proteger as plantas da salinização do mar. Foi o arquiteto também quem ergueu as esculturas de São Francisco de Assis, o protetor dos animais, das baleias jubartes e das corujas, famosas visitantes da região que deram nome ao parque.
Beto salienta que a intenção sempre foi tornar o ambiente um espaço compartilhado com a vizinhança:
– A proposta era tornar este espaço público, com as pessoas se envolvendo para protegê-lo. Acho que, aos poucos, isso acabou ocorrendo.
Em 2017, o Grupo de Apoio Zona Sul/Tramandaí voluntariou-se para revitalizar a praça das crianças. Neste ano, a prefeitura reconstruiu a ponte de madeira, que estava quebrada há quase três anos. O arquiteto, que mora em outro bairro da cidade, faz visitas esporádicas ao parque. Hoje, são as famílias da região as responsáveis por cuidarem do espaço. Jardins e placas são produzidos com materiais usados, as flores e folhagens estão sempre cuidadas e as tartarugas fazem a festa das crianças.
– Minha mente fica mais leve, e o meu ser, revigorado quando vejo a comunidade participando – ressalta.

Novo projeto em andamento
Incansável, marca que o faz ser reconhecido em Tramandaí, Beto ajudou a dar identidade ao bairro Aldeia da Lagoa, onde mora. Ele também é o idealizador de uma ciclovia sustentável que, depois de concluída, terá três quilômetros dentro da comunidade. No local, vivem 320 famílias durante o ano inteiro.
As pessoas têm sede de mudança, de ideias. Só precisam de apoio. Tudo o que vem da natureza é riqueza, e podemos trabalhar ao lado dela, sem agredi-la.
GILBERTO SANTOS DE SOUZA
Arquiteto
Basta chegar à entrada para perceber a marca do arquiteto nos dois monumentos de botos, responsáveis pelas boas-vindas aos visitantes, e nos jardins coloridos, mantidos pelos moradores. A partir de uma sugestão dele, as oito ruas do bairro, que até então eram identificadas por letras, ganharam nomes e personagens por meio do projeto Botos Coloridos Urbanos.

Beto ofereceu a fôrma do animal para que os moradores reproduzissem as esculturas. Os logradouros viraram Rua Boto Amarelo, Rua Boto Verde, entre outros.
– O Beto participou de uma das nossas reuniões e deu as ideias. Foi o início de uma parceria que só está começando – destaca a presidente da Associação de Colaboradores da Aldeia da Lagoa, Rosana Lessa.
O mais audacioso projeto de Beto já conquistou os vizinhos. No início deste ano, eles iniciaram com as próprias mãos a construção de uma ciclovia, que começa nas margens da lagoa das Custódias. Feita apenas com material doado e comprado pelos moradores, ela está sendo construída com taipas de pedras, que abrigarão floreiras. A ciclovia acompanhará a topografia natural do terreno, sem a interferência de terraplenagem, e o piso será com a própria grama local.
– As pessoas têm sede de mudança, de ideias. Só precisam de apoio. Tudo o que vem da natureza é riqueza, e podemos trabalhar ao lado dela, sem agredi-la – reforça Beto.
Os conceitos do arquiteto já ganharam seguidores no próprio bairro escolhido por ele para morar e ajudar a transformar. Na entrada da Aldeia da Lagoa, uma placa recepciona quem chega: "O som da natureza é perfeito, o resto é só barulho".