A principal perda da covid-19 é física. Quem estava entre nós desaparece, de um dia para o outro, quase sem se despedir. Vem então o baque emocional, a certeza de que nada será como antes. Por fim, uma consequência pouco comentada, mas também arrasadora: além da ausência do ser amado, a morte pela pandemia devasta financeiramente muitas famílias.
Em pleno luto, os parentes daqueles que a covid-19 matou têm de pensar em como colocar o pão na mesa. Sobretudo quando a pessoa que morreu era o principal sustentáculo da família. Muitos dos que sobrevivem não tinham controle do orçamento daquele que faleceu. Com a morte de quem custeava as despesas cotidianas, ficam sem dinheiro no banco, sem renda mensal, desconhecem como pedir pensão, quando irão recebê-la e sequer sabem quais direitos possuem — e quais dívidas herdaram.
GZH conversou com pessoas que a covid enlutou e empobreceu. Encontrou mais de uma dezena de pessoas que, de uma hora para outra, ficaram sem receita, sem salário, sem sustento. A maioria prefere dar relato sem se identificar, por receio de se expor. Outros falam às claras. Uma viúva admitiu que está quase passando fome. Outra teve os vencimentos reduzidos a 1/5 do que eram antes da morte do marido. Uma terceira encontra na fabricação de salgadinhos a única forma de renda, hoje reduzida à metade do que era antes do seu companheiro ser morto pelo coronavírus.
É um dilema que já virou estudo acadêmico. Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstra que a morte de idosos na pandemia pode provocar uma queda média de 20% na renda dos domicílios. De acordo com o levantamento, concluído em outubro, 74,2% das mortes por covid-19 eram de pessoas com 60 anos ou mais.
Em muitos casos, o idoso era o único provedor da casa, informa a pesquisa, feita pela economista Ana Amélia Camarano. O estudo se chama "Os dependentes da renda dos idosos e o coronavírus: órfãos ou novos pobres?".
Conforme as estatísticas levantadas pelo Ipea, 35% dos domicílios brasileiros têm pelo menos um idoso e, em 18,1%, eles são os únicos provedores de renda da família, com um ganho médio de R$ 1,6 mil. Nesse grupo, estão 24 milhões de pessoas, sendo 19,5 milhões de idosos e quase 5 milhões de adultos e crianças.
A situação ainda piora se levado em conta o aumento do desemprego na pandemia, que está em 14,7%, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o o número do trimestre encerrado em março. A situação pode piorar ainda, pois o número de domicílios chefiados por idosos com dependentes cresceu 34% desde 2012, enquanto o número total de domicílios no país avançou apenas 19%,segundo a pesquisa do Ipea.
Conforme o estudo do Ipea, os idosos são vítimas duas vezes nessa pandemia: mais discriminados no mercado de trabalho e mais atingidos pelo coronavírus. A pesquisadora Ana Amélia, nas suas conclusões, é taxativa: "Podemos dizer que, quando morre um idoso, uma família entra na pobreza", escreveu.