“Aluguéis caríssimos, subempregos, xenofobia. Sim, brasileiros sofrem muito com xenofobia aqui em Lisboa! Portugal é lindo, maravilhoso para quem tem dinheiro e para quem vem turistar, mas para trabalhar... Está cada vez mais escravidão!”, lamenta uma mulher. “Estou indo embora na próxima semana. Motivos? Muitos! Salário mínimo muito baixo, aluguel superalto, impostos nas alturas. Só gastei dinheiro com a minha cidadania portuguesa para nada. Uma grande ilusão! Muitos brasileiros têm vergonha de dizer a verdade... Vergonha de falar que a vida não é fácil”, comenta outra. “A maioria das pessoas pinta o quadro mais bonito do que ele realmente é. Portugal é um país tranquilo para se viver, mas não é fácil como todos dizem, escrevem e postam”, define um terceiro participante da discussão.
Os comentários constam da página Portugal que Ninguém Conta, grupo com quase 65 mil membros que são convidados a compartilhar suas histórias e impressões sobre o país que virou moda entre brasileiros nos últimos anos, atraindo uma multidão de aspirantes a uma nova vida na Europa – porta pela qual, atualmente, parece ser mais fácil entrar. “A intenção, em momento nenhum, é desmoralizar Portugal, e sim mostrar que emigrar não é tão fácil como dizem”, lê-se na descrição da comunidade virtual.
Números comprovam o que facilmente se percebe no dia a dia: não é preciso procurar muito para localizar alguém que conhece alguém que desistiu da vida no Brasil e resolveu tentar a sorte, com mais ou menos recursos e planejamento, do outro lado do Oceano Atlântico. Os brasileiros continuavam compondo, em 2018, a maior comunidade estrangeira residente no pequeno país ibérico, com um total de 105.423 pessoas, número que representa um salto de 23,4% em relação a 2017, de acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Trata-se do índice mais elevado desde 2012. Não entram nessa soma cidadãos com dupla cidadania ou em situação irregular.
O Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração (ARVoRe) da Organização Internacional para as Migrações (OIM), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), informa que 353 brasileiros – de 616 inscritos – receberam auxílio em dinheiro para voltar ao Brasil no ano passado, o que corresponde a 93% do total de indivíduos amparados pela agência no período. É o maior número de migrantes do Brasil ajudados desde 2013. Em 2019, até o final de maio, a OIM contabilizou 282 migrantes interessados, sendo 254 deles (90%) brasileiros. Em junho, 13 brasileiros regressaram.
As estatísticas também mostram que a expectativa pode se transformar em inesperado pesadelo logo no desembarque: em 2018, 76,3% dos viajantes barrados (2.866) na tentativa de entrar em Portugal eram brasileiros, mais do que o dobro (114,5%) dos rejeitados no ano anterior, segundo o SEF.
Aluguéis caríssimos, subempregos, xenofobia. Sim, brasileiros sofrem muito com xenofobia aqui em Lisboa! Portugal é lindo, maravilhoso para quem tem dinheiro e para quem vem turistar, mas para trabalhar... Está cada vez mais escravidão!
USUÁRIA DO FACEBOOK
Em julho de 2018, depois de percorrer 1,2 mil quilômetros do território lusitano, visitando cidades de Norte a Sul, GaúchaZH publicou reportagem com histórias de gaúchos que se arriscaram a encarar o desafio da mudança, narrando dificuldades, sucessos e aprendizados em uma nação que assistia à quarta grande onda migratória contemporânea de brasileiros, motivada pela acentuação da crise econômica e política do lado de cá e pela melhora das perspectivas por lá. Um ano depois, procuramos pessoas que desistiram do idílio português ou que, frente a enormes obstáculos, quase começaram a preparar as malas para o regresso ao Rio Grande do Sul.
Fabiano Luis Knopp, 43 anos, de Caxias do Sul, viveu em Lisboa entre abril e outubro do ano passado. Realizava, na maturidade, o sonho juvenil de morar no Exterior, adiado quando se tornou pai aos 25 anos. Fotógrafo, Knopp sabia do grande número de colegas brasileiros que exerciam a profissão em Portugal. Com a oferta de auxílio de um conhecido, resolveu se aventurar.
– Fui com a intenção de não voltar tão cedo, ou melhor, voltar apenas para visitar – recorda.
O começo pareceu promissor. Knopp se hospedou na casa de amigos brasileiros. Ao pé do Cais do Sodré, na margem sul da capital, admirava uma vista incrível do Rio Tejo e da Ponte 25 de Abril, com diminutos barcos de pesca misturados a gigantescos cruzeiros. Passadas duas semanas, abraçou o primeiro trabalho, fotografando um casamento. Pesquisou preços e apresentou, na ânsia de ser aceito, um orçamento de 250 euros, baixo para os padrões locais, que foi aprovado pelos noivos. “Nossa! Comecei muito, mas muito bem”, pensou. A realidade logo se provaria bem mais árdua. Knopp teve de procurar outro endereço, além de uma colocação na área de restauração, que é como os portugueses se referem ao ramo de restaurantes e alimentação, uma vez que os trabalhos de foto sumiram. Encontrou emprego em um ponto tradicional da Praça das Flores. No início do verão, época repleta de turistas, preparava sanduíches, sucos e cafés, lavava a louça, limpava o chão e os banheiros, pela manhã e à tarde.
— Tinha que ser tudo muito rápido, pois português não tem muita paciência. Falamos o mesmo idioma, mas as diferenças são grandes no vocabulário, na cultura e nos costumes. Não foi nada fácil.
Quando passou para o turno da noite, a correria aumentou. Seu horário, oficialmente, era das 14h à meia-noite, mas, em geral, deixava o serviço de madrugada, chegando em casa somente às 2h30min. Dependia de ônibus — ou caminhava 40 minutos — e barco. Dispunha de apenas uma folga semanal, e os intervalos para o jantar eram de 30 minutos. No restante
do tempo, Knopp ficava de pé. O ritmo era frenético.
— Eu estava me acabando — resume.
Decidiu largar o posto e começou na telentrega de comida. Não pagava pelo aluguel da moto, mas deixava 50% do que ganhava com o dono do veículo. Sobrava quase nada. A situação foi piorando. O caxiense dividiu moradia com outras quatro pessoas, dormindo em um sofá na sala. Trabalhou também em uma churrascaria, onde, com o fogo a pleno, a temperatura sufocava aos 47ºC no verão. Cumpriu turnos de até 16 horas de trabalho. O fotógrafo lembra de um dia em que, durante o almoço, o assunto da mesa eram o Brasil e os brasileiros.
Não tenho vergonha de falar que passei fome, que por semanas almoçava somente feijão ou massa. À noite, comia torta de maçã do McDonald’s porque eram duas por um euro (cerca de R$ 4,50). Fui ajudado por pessoas incríveis. Me perguntam se não deu certo. Para mim, deu. Acredito muito no tempo e na intensidade das coisas. Acho que esse era o meu tempo naquele momento. Não me arrependo. Perguntam se volto... quem sabe, né? Porém, desta vez, faria um pouco diferente e já sabendo como as coisas funcionam.
FABIANO KNOPP
Fotógrafo
— E tu, zuca (diminutivo de “brasuca”), o que acha dos brasileiros? — questionou um português.
Até então comendo em silêncio, Knopp, cansado das comparações, despejou:
— Há brasileiros e brasileiros, assim como portugueses e portugueses. É uma questão de cultura, é o sujo falando do mal lavado. Não podemos nunca generalizar.
Em 12 de agosto, domingo em que era celebrado o Dia dos Pais na terra natal, Knopp foi dispensado. Por mais esgotado que se sentisse, o fotógrafo lamentou perder o mínimo de estabilidade que conseguira até então, focando na promessa de que lhe seria dado um contrato de trabalho, o que o auxiliaria a permanecer legalmente em Portugal. Do pouco dinheiro que recebeu, emprestou uma quantia para um conhecido, que até hoje lhe deve. Ao retomar a função como motoboy, decidiu voltar para o Brasil.
— Pesei muito, falei com minha família e fiz uma coisa da qual talvez hoje me arrependa, mas, no meio do furacão, sozinho e sem ninguém, cabeça cheia, preocupado, nervoso, pois os dias foram passando... Minha última saída foi vender meu equipamento de fotografia para voltar — narra, ainda pesaroso por ter tido de abrir mão da câmera e das lentes.
Knopp ainda teve uma última experiência, considerada a melhor delas, em um pequeno restaurante com cardápio típico da Ilha da Madeira. Conseguiu dar risadas e aprender, mas a passagem aérea já estava comprada. Ao fazer um balanço, ele dá medidas iguais a reveses e boas experiências.
— Não tenho vergonha de falar que passei fome, que por semanas almoçava somente feijão ou massa. À noite, comia torta de maçã do McDonald’s porque eram duas por um euro (cerca de R$ 4,50). Fui ajudado por pessoas incríveis. Me perguntam se não deu certo. Para mim, deu. Acredito muito no tempo e na intensidade das coisas. Acho que esse era o meu tempo naquele momento. Não me arrependo. Perguntam se volto... quem sabe, né? Porém, desta vez, faria um pouco diferente e já sabendo como as coisas funcionam — diz Knopp, ainda se readaptando à Serra (está vivendo em Farroupilha) e sem câmera própria.