José Henrique Dias, 25 anos, técnico de metrologia, e Taiana Schumacher, 24 anos, analista de recursos humanos de São Leopoldo, passaram um ano em Braga, entre 2017 e 2018. Decidiram o destino com base em pesquisas na internet, comparando preços para descobrir a cidade mais viável. Com uma reserva de dinheiro levada do Brasil, alugaram um apartamento. O primeiro emprego de José Henrique, como vendedor de filtros d’água, apareceu após três meses.
Na sequência, trabalhou em uma padaria, ramo em que a companheira também encontrou ocupação. Achou os expedientes puxados, de carga horária mais elevada. Com renda de um salário mínimo cada um, conseguiam se manter, mas a saudade da família e de casa acabou motivando a decisão de regressar.
— Também pesou a questão de não podermos trabalhar na nossa área — justifica ele. — Não nos arrependemos nem de ter ido, nem de ter voltado. Vemos como uma experiência. Na volta, passamos a dar valor a coisas simples, que antes nem percebíamos.
Uma segunda tentativa não é cogitada pelo casal.
— Gostaríamos de voltar para Portugal ou para a Europa para passear, mas não para morar — esclarece o técnico em metrologia.
A família da administradora de empresas Cristiane Gomes, 43 anos, de Porto Alegre, também se preparou com antecedência antes de deixar o Rio Grande do Sul. Foi uma resolução e tanto: ficariam para trás a estabilidade financeira, bons salários, casa e automóveis próprios, uma carreira artística consolidada – Cristiane e o marido, o empresário Sandro Morais Pimentel, 45 anos, cantavam no CTG Aldeia dos Anjos, de Gravataí, e viajavam para shows. A caçula, Luiza, 11, estudava em escola particular, e Rafhaella, 20, cursava Agronomia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Tínhamos quase tudo, mas não tínhamos segurança para andar na rua — sintetiza Cristiane.
Depois de dois anos de planejamento e uma viagem inicial a turismo, para reconhecimento do terreno, os quatro partiram em definitivo em outubro de 2018, rumo a Setúbal, a cerca de 50 quilômetros de Lisboa. Sandro solicitou um visto que lhe permitisse dar continuidade aos negócios no setor da construção civil. Os primeiros meses foram difíceis. Quando conversou pela primeira vez com a reportagem, em maio, Cristiane estimava já ter se submetido a mais de uma centena de entrevistas, sem ter conseguido emprego. Faltava-lhe o título de residência, cujo processo tramitava com morosidade no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e só lhe restavam as vagas em cafés e restaurantes, além de outras similares, com remuneração igualmente baixa. A empresa do marido engatinhava, tentando criar raízes em um mercado de grande concorrência.
Portugal não é tão disponível assim para os imigrantes, como se diz. Há de se ter muita resiliência para ouvir tanto 'não', para se reconstruir e reorganizar a vida, que era de certa forma estável, para jornadas de 12 horas e subempregos, a partir do zero. Como se o que fizemos valesse nada. E realmente não vale. A não ser que você seja um profissional de atividade bem específica ou altamente qualificado, está fadado a apertar o reset e restaurar as configurações originais de fábrica.
CRISTIANE GOMES
Administradora de empresas
— Já estamos há algum tempo com a “faca no pescoço”. Sem essa (autorização de) residência, muitas portas ainda estão fechadas e não conseguimos buscar melhor remuneração para sair do sufoco. Portugal não é tão disponível assim para os imigrantes, como se diz. Há de se ter muita resiliência para ouvir tanto “não”, para se reconstruir e reorganizar a vida, que era de certa forma estável, para jornadas de 12 horas e subempregos, a partir do zero. Como se o que fizemos valesse nada. E realmente não vale. A não ser que você seja um profissional de atividade bem específica ou altamente qualificado, está fadado a apertar o reset e restaurar as configurações originais de fábrica — refletiu a administradora, que, na Europa, modificou o repertório das apresentações musicais, trocando as canções tradicionalistas por sertanejas, almejando mais público. — Mas somos gaúchos! Não é qualquer marola que nos desestabiliza — completou.
Aprovada na Universidade de Lisboa, Rafhaella começou a trabalhar para contribuir com o orçamento doméstico. Cristiane, angustiada, sabia que a família não teria como custear a graduação da primogênita se os documentos não fossem liberados antes do início das aulas e se não surgisse melhor fonte de renda. Ao mesmo tempo em que estavam cientes das dificuldades, os quatro aproveitavam o que a nova realidade lhes oferecia, como caminhar pelas ruas sem receio de assaltos ou ocorrências até mais graves. Todas as esperanças estavam concentradas em uma consulta no SEF agendada para 22 de maio. A depender da resposta das autoridades, duas opções estariam postas: desistir e voltar a Porto Alegre ou permanecer em Portugal e batalhar por melhores condições. Em muitas entrevistas para recolocação profissional pelas quais passou, Cristiane obteve promessas de que poderia telefonar de volta tão logo obtivesse seu título de residência.
Conseguimos vencer um grande desafio, mas ainda falta um 'eito', como se diz, para que tenhamos estabilidade e possamos dizer que encontramos o equilíbrio.
CRISTIANE GOMES
Administradora de empresas
Dias depois de irem ao SEF, e com a remessa dos cartões pelo correio, a família obteve a certeza: estava aprovada a permanência em Portugal.
— Foi muito tenso, mas passamos no crivo! — comemorou Cristiane, que até então economizava todo euro possível no supermercado e resolveu comprar um creme de amendoim de 2,99 como um mimo a si própria pela conquista.
A administradora começou, neste mês, um treinamento para trabalhar no setor de apoio ao cliente em uma empresa de telecomunicações.
— Conseguimos vencer um grande desafio, mas ainda falta um “eito”, como se diz, para que tenhamos estabilidade e possamos dizer que encontramos o equilíbrio — avalia Cristiane.