Em 2017, Juliana Cramer, 42 anos, estudante de Gestão Comercial de Porto Alegre, acompanhou o então companheiro na empreitada da emigração. Antes de se estabelecerem em Lisboa, Portugal, passaram dias inesquecíveis, em clima de lua de mel, em Madrid, na Espanha. Mal havia desembarcado do ônibus que os levara até a capital portuguesa e Juliana já tinha opinião formada: detestou o lugar, achou tudo feio. O casal alugou um quarto em uma residência de brasileiras, e não demorou para que o homem conseguisse um emprego como cuidador de idosos. Sob o forte calor de agosto, ela sentia “um aperto no peito inexplicável”.
— Eu odiei tudo lá, aquela água do mar congelante, as pessoas fumando na minha cara. Até os brasileiros que estavam há algum tempo lá já tinham jeito de relaxados e pegavam aquele sotaque horrível muito rápido – conta Juliana.
Em sua única tentativa de trabalhar, ela ficou apenas um dia em uma cafeteria. Ao final do expediente, o dono a dispensou, argumentando que ela não era rápida o suficiente. A universitária não teve mais disposição de seguir em busca de um emprego. Deprimida, pensava nos cães que havia deixado para trás e também na madrinha, que adoecera.
— Virei um zumbi. Só chorava, lavava roupas, limpava o banheiro e via novelas no celular.
Em pouco mais de um mês, comprou o bilhete aéreo da volta. Lamentava abandonar o relacionamento, mas se enxergava como se fosse um peso extra para o parceiro carregar. Os dois choraram juntos.
— Não vai — pedia ele.
A decisão estava tomada. Na condição de imigrante ilegal, conta Juliana, “morreria do coração”. Já estava dependendo de tranquilizantes para conseguir tocar os dias.
— Foi realmente uma das maiores mancadas que fiz na vida: não ter me acostumado, não ter dado a chance de me acostumar ao lugar.
Te exploram. Acham que as brasileiras são putas e que os homens são ladrões ou falcatruas. Eles te tratam muito bem na Europa se você é turista. No momento em que você pede trabalho, começa a discriminação.
JULIANA CRAMER
Universitária
Um episódio ocorrido na Universidade de Lisboa ganhou destaque internacional em abril. Estudantes brasileiros da Faculdade de Direito se enfureceram ao encontrar, no hall do prédio, uma caixa contendo pedras e os dizeres “grátis se for para atirar a um zuca (que passou à frente no mestrado)” ("zuca" vem do termo "brazuca"). Uma associação de alunos da instituição assumiu a autoria do protesto, afirmando se tratar de uma mensagem satírica, e não xenofóbica, expondo a insatisfação com o número cada vez maior de brasileiros – tirando vaga de portugueses – na pós-graduação. Juliana não sentiu tanto na própria pele a discriminação, mas relata que a aversão e o rechaço são percebidos com frequência:
— Te exploram. Acham que as brasileiras são putas e que os homens são ladrões ou falcatruas. Eles te tratam muito bem na Europa se você é turista. No momento em que você pede trabalho, começa a discriminação.
Há uma vaga (parcela) que é desqualificada por demais. Não respeitam as nossas regras e querem impor as suas. Não há respeito. São muito cheios de si, não gostam de receber ordens e sempre acham que têm razão em tudo e sabem mais do que os portugueses. Causam-me sempre confusão. São indisciplinados e demoram para aprender. Quando aprendem, vão a um sítio melhor e deixam-nos de um dia para o outro.
EMPRESÁRIO PORTUGUÊS
Morador da cidade do Porto
Um advogado brasileiro que emigrou em condições favoráveis (tem cidadania italiana) e prefere não se identificar confirma parte do discurso de Juliana:
— Tem muitos bons brasileiros, mas também tem muitos maus brasileiros.
A má fama é real e encarada como sinal de alerta por alguns empresários portugueses. Morador do Porto, um empresário de 62 anos é proprietário de um restaurante. No geral, ele diz que sua impressão dos brasileiros é “a pior possível”.
– Há uma vaga (parcela) que é desqualificada por demais. Não respeitam as nossas regras e querem impor as suas. Não há respeito. São muito cheios de si, não gostam de receber ordens e sempre acham que têm razão em tudo e sabem mais do que os portugueses. Causam-me sempre confusão. São indisciplinados e demoram para aprender. Quando aprendem, vão a um sítio melhor e deixam-nos de um dia para o outro — relata o empresário, que solicitou anonimato.
Ele também é dono de dois apartamentos, alugados para turistas. Os interessados brasileiros são rejeitados de antemão:
— Já tive problemas por não pagarem-me as contas de luz e gás. E não foi uma nem duas vezes. Quando decidem voltar ao Brasil, deixam-nos em sarilhos (situação difícil). Fogem e não pagam o que devem.