Não é saudosismo de quem era criança há 50 anos. Também não se trata de "patriotada" por estarmos diante da equipe pela qual todos os brasileiros torceram. As imagens estão aí, e o contexto pode ser perfeitamente reconstituído. Nenhum gol na história do futebol foi tão perfeito quanto o quarto do Brasil na final da Copa do Mundo de 1970, contra a Itália. Podemos até pedir perdão para Maradona, que 16 anos e um dia depois, fez, no mesmo Estádio Azteca, outra obra-prima, mas que fica com a medalha de prata. O ouro é de Carlos Alberto Torres, o Capita, e do time canarinho que deu uma aula coletiva na jogada.
É verdade que a Copa já estava decidida aos 41 minutos do segundo tempo. Os italianos, mais cansados, não iriam sequer igualar o 3 a 1 que se consolidara na etapa final. Para o Brasil, havia espaço para algo que nos ensinou o verdadeiro sentido da expressão italiana gran finale, ou de apoteose no nosso português.
Mesmo com tudo encaminhado e o título definido, Tostão voltou ao campo defensivo para retomar uma posse de bola após uma dividida do gaúcho Everaldo com um atacante adversário. Passar para seu companheiro de Cruzeiro, Wilson Piazza foi a providência imediata. Piazza deu a Clodoaldo, que tocou curto para Pelé que aparecia na intermediaria defensiva. O Rei serve a Gérson que faz um recuo, devolvendo a Clodoaldo. Como se percebe, seis jogadores já haviam tocado na bola num curto espaço do gramado.
Clodoaldo resolveu sair jogando e protagonizou um dos lances mais sensacionais do mundial com dribles e gingadas que envolveram nada menos do que quatro adversários. Era hora de passar para o campo de ataque, acionando Rivelino, que mandou um lançamento paralelo à linha lateral que caiu no pé de Jairzinho pelo lado esquerdo, inverso à sua posição original.
Jair passou pelo grande Giacinto Fachetti, progrediu e serviu Pelé, já na frente da meia-lua da Itália. Chega então o momento de encerrar o mundial. Com uma bola rolada caprichosamente para o lado direito, onde chegou em velocidade plena, já dentro da área, o capitão Carlos Alberto para explodir um chutaço. Um pequeno quique antes de chegar ao pé do lateral brasileiro apenas ajustou a bola para que fosse atingida da melhor maneira possível e violentamente chegasse à rede dos italianos. Os três minutos que se passaram até o apito final foram simples formalidade.
Só o goleiro Félix e o zagueiro Brito não participaram de uma das mais completas combinações coletivas de todos os tempos. Para os padrões atuais do futebol, houve de tudo: recomposição, toques em curto espaço de campo, transição, jogadas individuais refinadas e uma finalização absurdamente bem executada. Nada mais justo do que 50 anos depois render uma homenagem àquele time e a este gol, cujo autor merecidamente minutos depois beijou a taça e a ergueu.
A Copa de 1970 foi muito mais do que uma conquista da Seleção. Pela primeira vez o país viu um mundial ao vivo pela televisão. Avós, pais e netos tiveram a mesma emoção inédita. Num momento conturbado da política, algo uniu a nação. No Rio Grande do Sul a conquista introduziu a expressão “tri” no vocabulário. O gol do saudoso Carlos Alberto foi apenas um ponto final maiúsculo naquele 21 de junho.